João Luiz Mauad
São inúmeras as explicações
para os atuais problemas europeus. Uns apontam para a rigidez com que o BCE
administra o Euro, outros para especulação dos mercados ou para a moderna
engenharia financeira. Até mesmo o surrado espantalho neoliberal aparece de vez
em quando como culpado. Embora evidências saltem aos olhos, essas análises
constumam ignorar que, muito além de mera crise monetária ou de crédito, o que
está em xeque é o próprio modelo de bem-estar social, sob o qual sucessivos
governos, tanto à direita quanto à esquerda, têm financiado “direitos”
generosos com altos impostos e pilhas enormes de dívidas. Tudo isso sem que as
economias do velho continente consigam crescer o bastante para manter a farra.
Malgrado sua concepção
eminentemente coletivista, a experiência social-democrata que floresceu na
Europa Ocidental após a Segunda Guerra manteve o modelo econômico capitalista,
pelo menos no sentido de que a propriedade privada dos meios de produção era
permitida, ainda que altamente concentrada nas mãos de poucos. O arquétipo do
“capitalismo selvagem” foi substituído por um sistema híbrido, que combina
grandes conglomerados industriais e financeiros, freqüentemente patrocinados e
tutelados pelo Estado, uma agricultura altamente subsidiada, além de empresas
miúdas – quase sempre comerciais ou de prestação de serviços. Para completar, a
hipertrofia dos governos formou um enorme contingente de funcionários públicos
que, em alguns países, chega perto de 50% da população economicamente ativa.
O apogeu da social-democracia
européia ocorreu em meio à Guerra Fria, num período marcado pela limitação à
livre movimentação de pessoas, capitais e produtos, quase sempre mediante
rígidos controles burocráticos e barreiras tarifárias. Com queda do Muro de
Berlim e a aceleração do processo de globalização, conseqüência direta da
profusão de novas tecnologias que permitiram a movimentação muito mais dinâmica
da informação, dos capitais, dos produtos e do próprio trabalho, as sociedades
européias se viram, da noite para o dia, numa sinuca de bico, obrigadas a
promover uma reavaliação profunda do modelo, algo até então impensável.
E não é para menos: enquanto a
taxa de natalidade não pára de cair e os velhos vivem cada vez mais, os gastos
com saúde e aposentadorias ficam cada vez mais caros. Por outro lado, a relação
entre trabalhadores ativos e inativos segue diminuindo rapidamente. Tudo isso
em meio ao baixo crescimento econômico que já dura décadas. Uma eventual
mudança de rumo, entretanto, não deixará de ser traumática, notadamente para
aqueles que se acostumaram com privilégios “sociais” abundantes e pouco
trabalho.
Uma das primeiras a entender
que as políticas da social-democracia precisavam ser revistas foi Margareth
Thatcher, que compreendia a natureza daquela armadilha econômica em seus dois
aspectos principais. Em primeiro lugar, não é possível manter um mercado de
trabalho baseado na estabilidade do emprego, especialmente em vista da evolução
tecnológica que cria e destrói ofícios e profissões numa velocidade tremenda.
Em segundo lugar, as instituições de proteção social, concebidas
fundamentalmente para compensar o fracasso individual, fomentam de modo inexorável
a ineficiência, num mundo globalizado cada vez mais competitivo.
Thatcher concluiu, há trinta
anos, que as premissas do “marco social” – que imperou a partir da 2ª Guerra –
haviam sido derrubadas e, a menos que o modelo então vigente se transformasse
profundamente, seria varrido pelo furacão da globalização. As reformas liberais
que seu governo produziu, no entanto, se deram algum fôlego à economia
britânica por algum tempo, já foram completamente revertidas pelos governos
esquerdistas que o sucederam – preocupados, como sempre, não com os baixos
índices de crescimento e produtividade, mais com a utopia do “bem comum”.
Evidentemente, a falência do
“welfare state” não se dá de forma uniforme. Dependendo das instituições e da
cultura de cada país, ela é mais lenta ou mais rápida. O modelo é mais
resistente nos países nórdicos, germânicos e anglo-saxãos – ancorados numa
ética severa, na primazia da responsabilidade individual e na valorização do
trabalho - do que nos países mediterrâneos, mais chegados ao patrimonialismo e
à cultura de privilégios. Mas não se iludam: a médio prazo, mesmo esses países
precisarão promover mudanças liberalizantes que tornem suas economias mais
dinâmicas e competitivas.
Título e Texto:
João Luiz Mauad, O Globo
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