Rui Ramos
Aproximamo-nos do prazo de
validade dos termos de estabilidade dos últimos anos. Em 2015, a actual maioria
pode não ser renovada. Em 2016, o Presidente será substituído. Depois, a Grécia
em português?
Logo no primeiro dia do ano, o Presidente da República encomendou aos partidos “soluções governativas
estáveis, sólidas e consistentes, capazes de assegurar o crescimento
económico e dar esperança aos Portugueses”.
É muito provável que o
Presidente estivesse a pensar na Grécia, onde a classe política resolveu jogar
mais uma vez à roleta russa, com a quarta eleição legislativa desde 2009. A
grande diferença entre Portugal e a Grécia foi que, aqui, houve uma coligação
de governo que, sob escrutínio do Presidente, durou e sustentou o ajustamento
durante quatro anos. A actual maioria de direita teve ainda este efeito
fundamental: dispensou o PS de se comprometer e deu-lhe uma razão para se
impor, à esquerda e entre os descontentes, como o líder necessário de uma
maioria alternativa. Deste modo, os partidos tradicionais do regime retiveram
os seus eleitorados, sem deixar muito espaço até agora para novos populismos e
extremismos.
Foi assim possível renegociar
e encerrar o Programa de Ajustamento Económico e Financeiro sem os alarmes das
“reestruturações” e resgates repetidos da Grécia. Apesar do alarido, os
portugueses foram poupados à experiência de maiores abismos. Entre Portugal e a
Grécia, ficamos a perceber o que vale a política.
Aliás, toda esta crise, antes
de ser financeira e económica, é política. Convém não esquecer como isto
começou. O projecto do Euro pressupunha uma nova fase de modernização das
sociedades inflacionistas do sul da Europa. Em vez disso, o crédito barato do
euro serviu para alimentar o endividamento e adiar o confronto com os
parasitismos (sindicais, empresariais e corporativos). O resultado foram
economias ainda menos competitivas e sobrecarregadas com a incerteza das
dívidas.
A questão continua a ser
política: é preciso que o regime, se quer preservar o quadro da moeda única,
adquira o poder necessário para resistir ao facilitismo e contrariar os
interesses instalados. Ora, neste momento aproximamo-nos do prazo de validade
das condições de estabilidade dos últimos quatro anos. Em 2015, a actual
maioria pode não ser renovada. Em 2016 o Presidente será necessariamente
substituído. Como será encontrada uma “solução governativa estável, sólida
e consistente” numa assembleia em que, por hipótese, nem a aliança do PSD e do
CDS, nem o PS sozinho possam garantir uma maioria absoluta?
Para preparar o terreno, o
Presidente pede aos partidos que evitem “crispações e conflitos artificiais”.
Certamente. Vivemos vários anos disso: conflito entre o governo e as oposições,
mas também conflito dentro do governo, conflito dentro do PS, e até conflito
dentro da extrema-esquerda, agora em esboroamento. Mas além da discórdia, há a
indefinição. Os partidos já estão todos em modo eleitoral. Ninguém se quer
comprometer: nem com alianças, nem com programas. PCP e BE já se excluíram de
quaisquer compromissos. O PSD e o CDS demoram a entender-se. O PS diz que se
alia com todos, o que é apenas uma forma de não ter de dizer com quem se alia.
Em resumo: ninguém sabe o que
está para vir. Perante esta incerteza, a tendência é, curiosamente, para o
optimismo: eles vão ter de entender-se. Vão? É que entretanto, atenuaram-se
também as urgências impostas pela bancarrota socrática de 2011. As incursões da
troika acabaram, pelo menos com a força que tiveram enquanto delas dependia o
cheque.
A crise do euro e, agora, o
fantasma da deflação, alimentado pelo petróleo barato, levaram o BCE de Mario Draghi a subtrair os países do sul à pressão dos mercados. Juros
historicamente baixos anestesiaram assim a questão do endividamento.
Um facto diz muita coisa: em
2014, segundo o INE,
os aforradores portugueses terão aplicado mais 4,5 mil milhões em produtos de
retalho do Tesouro (certificados de Aforro e do Tesouro Poupança Mais).
Por entre bancarrotas e escândalos de corrupções, o regime continua a
enquadrar tanto os votos como as poupanças dos portugueses. Mas isto também
quer dizer que há muito pouca pressão disciplinar sobre as facções políticas.
Há a probabilidade de as próximas eleições legislativas serem apenas as
primeiras de uma sequência grega que acabe por comprometer a confiança
europeia.
Nestas circunstâncias, não é
impossível que a possível extinção da actual maioria e a sucessão presidencial
acabem por dar à Europa uma segunda Grécia no extremo ocidental do continente.
Bastarão exortações como a de 1 de Janeiro para prevenir essa eventualidade?
Talvez seja tempo de nos prepararmos para viver perigosamente.
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