João Marques de Almeida
O regime democrático português democratizou
a direita. Não há direitas antidemocráticas em Portugal. Mas quase 50 anos de
democracia não foi suficiente para democratizar parte da esquerda portuguesa
José Manuel Fernandes explicou
aqui
no Observador há duas semanas porque não é socialista. Concordo com quase tudo
o que JMF disse, só discordo do título. Por várias razões históricas, em
Portugal muita gente não é socialista, nem sequer de esquerda, mas não é capaz
de se assumir de direita (ou acredita mesmo que não é de direita). Há duas explicações.
Uma tem a ver com a experiência pessoal. Muitos daqueles que despertaram para a
política no Estado Novo não conseguem deixa de associar o termo direita com o
Salazarismo. Está profundamente instalado no seu pensamento. Muitos deles
encontram-se numa posição curiosa. Começaram o seu percurso intelectual e
político na esquerda, a maioria nas esquerdas radicais. Entretanto abandonaram,
desiludidos, a militância de esquerda, mas não conseguem identificar-se como
sendo de direita. Definem-se como não socialistas ou não-esquerda.
Respeito muito as experiências
pessoais e não as julgo, sobretudo aquelas que começaram em tempos que não
vivi. Passar do marxismo radical para o não-socialismo é uma evolução que
admiro e que vejo com muitos bons olhos. Mas a minha experiência intelectual e
política é diferente. Tinha oito anos quando se deu o 25 de Abril. Para mim, o
Estado Novo faz parte da história que nunca vivi. Nasci para a política com uma
ameaça muito bem identificada: o comunismo. Em Portugal, o PCP e as esquerdas
radicais. Na Europa e no mundo, a União Soviética e a China. Aprendi depressa o
que não queria: viver num país comunista ou ver a União Soviética dominar a
Europa. Em Portugal, Sá Carneiro tornou-se rapidamente a minha referência
política. Representava para mim a resistência à ameaça comunista. No mundo e na
Europa, Reagan e Thatcher lideravam a luta contra o império comunista e o poder
soviético.
Na universidade, As Origens do Totalitarismo de Hannah Arendt
foi um dos livros que mais me marcou. As sociedades democráticas e pluralistas
permitem a realização individual. As sociedades totalitárias corrompem a
condição humana até a reduzir à miséria moral absoluta.
Arendt mostra que há uma
divisão anterior à oposição entre a esquerda e a direita: a distinção entre a
democracia e o totalitarismo, a mais importante da política do curto século XX
que vai da Revolução Bolchevique às quedas do Muro de Berlim e da União
Soviética. Para mim, o PS era um aliado contra o totalitarismo comunista em
Portugal. Tal como Mitterrand e Helmut Schmidt eram aliados contra a ameaça
soviética.
É neste contexto que a aliança
de António Costa com as esquerdas totalitárias portuguesas é muito grave. O PCP
e o BE não tiveram que se democratizar para se aliarem a um governo de um país
democrático. A decisão de Costa constituiu uma traição à luta dos portugueses
contra o totalitarismo comunista. O regime democrático português democratizou a
direita. Não há direitas antidemocráticas em Portugal. Mas quase cinquenta anos
de democracia não foi suficiente para democratizar parte da esquerda
portuguesa. Hoje essa esquerda antidemocrática está no poder. Terá António
Costa lido Arendt?
A minha educação intelectual e
política continuou em Inglaterra, com o mestrado e o doutoramento, onde aprendi
que a liberdade é o valor mais importante para a realização individual. Mas a
liberdade é muito mais do que a capacidade de chegar ao poder, como muitos nas
esquerdas julgam. A liberdade é sobretudo a possibilidade de ser livre sem
nunca chegar ao poder. Nas últimas quatro décadas, em Portugal, na Europa e no
mundo, as direitas têm estado muito mais do lado da liberdade do que as
esquerdas. Vou mesmo mais longe. A direita é a escolha natural para quem ama a
liberdade. Os países onde os cidadãos gozam de mais liberdade são aqueles onde
existem tradições de direita democrática fortes.
A minha direita também é uma
direita céptica. Não gosto nada da direita nacionalista e radical de Le Pen, da
AfD, de Orban e de Salvini, os amigos europeus de Putin. Entristece-me e
preocupa-me assistir ao modo como o partido republicano nos Estados Unidos se
entrega a um Presidente como Trump, sem quaisquer escrúpulos e sem a mínima
cultura democrática. A minha direita americana é a de Reagan. Não é a de Trump.
É dramático assistir ao modo com os radicais anti-europeus estão a destruir o
partido Conservador no Reino Unido. A ideologia nacionalista está a substituir
a sensatez e o pragmatismo que sempre definiram os Tory, e está a matá-los.
O calculismo político é a
segunda razão que explica a utilização do termo não-socialista. A maioria dos
políticos das direitas em Portugal, do PSD, da Aliança e do CDS, está
absolutamente convencida que não consegue construir uma maioria eleitoral
usando o termo direita. Em Portugal só há duas maiorias políticas: uma maioria
de esquerda, ou uma maioria não-socialista. Estou disposto a aceitar esse
argumento e não vou perder tempo com essa discussão. Só faço um pedido: aceitem
as direitas nessa maioria não-socialista.
No fundo, para mim, é uma
questão de identidade, de igualdade (por que razão em Portugal a esquerda pode
ser de ‘esquerda’ e a direita não pode ser de ‘direita’?) e de orgulho. Desde o
25 de abril, a direita tem sido discriminada em Portugal, e em grande medida
essa descriminação é uma auto descriminação. Não contribuo para isso. Para mim,
as escolhas políticas fundamentais são simples: entre a democracia e a
ditadura; e na democracia entre a direita e a esquerda. Sou um democrata que
ama a liberdade, sou de direita e sempre fui de direita. Mais, tenho orgulho na
direita portuguesa. Fez um corte absoluto com a ditadura e com as tradições não
democráticas. Não se pode dizer o mesmo da esquerda socialista, como se vê com
a geringonça.
Título e Texto: João Marques de Almeida, Observador,
7-4-2019
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