Bata forte, bata rápido!
Roberta Lacerda
A frase “bata forte, bata
rápido” tem sua origem na Política do Big Stick (“Grande Porrete”, em tradução
livre), quando o 26º presidente norte-americano, Theodore Roosevelt, em 1901,
utilizou um provérbio africano — “fale manso, mas carregue sempre consigo um
grande porrete e irás longe” — como estratégia diplomática para diminuir a
interferência europeia nos Estados Unidos e fortalecer sua influência por toda
a América Latina.
Mais tarde, quando Bill
Clinton concorreu ao cargo de presidente dos EUA, em 1992, foi a vez do
assessor político James Carville instalar a seguinte placa na parede da sede da
campanha do democrata: “Mudança versus mais do mesmo”; “Não se esqueça dos
cuidados de saúde”; e, aquela expressão já consagrada – “É a economia,
estúpido.”
Mas como esses ideais políticos
se conectam com a medicina? Aplicada à ciência médica, a citação do
ex-presidente Roosevelt se relaciona com o conceito do médico alemão Paul
Ehrlich sobre a otimização da terapia de infecções graves: ‘bater rápido e com
força’. O princípio defendido por Ehrlich tem muitas implicações usadas na
estratégia antimicrobiana. Por exemplo, a preferência por regimes
antimicrobianos altamente potentes para eliminar de maneira mais rápida as
doenças.
Em 1995, após dez anos do início das pesquisas em torno da pandemia da aids, um dos maiores virologistas e pesquisadores do HIV, David Ho, parafraseou Carville: “É o vírus, estúpido”. A expressão usada por Ho lançou luz à importância de exames para quantificar a carga viral em um organismo contaminado pelo HIV e abriu caminho para defender a necessidade de uma terapia contra o vírus cada vez mais precoce, sem esperar que a infecção se torne crônica e com graves sequelas aos indivíduos. Atenção: qualquer semelhança entre a lógica anterior a 1995 de terapia antirretroviral do HIV e a atual política de saúde do “fique em casa” e do “só se interne se faltar ar” é mera coincidência.
Diante das descobertas e
avanços da medicina nos últimos anos e dos erros de agências e organismos
internacionais como a Organização Mundial da Saúde (OMS), gostaria de apontar
alguns fatos sobre a condução de políticas de saúde pública durante a pandemia
de covid-19:
– A OMS atrasou no
reconhecimento da transmissão do coronavírus entre humanos. Ainda em 31 de
dezembro de 2019, o Chinese Center for Disease Control (CDC, na sigla em
inglês) alertou a OMS sobre os primeiros casos de pneumonia grave por agente
etiológico desconhecido. E mais, desde o início de janeiro a entidade já sabia
que se tratava do sequenciamento genético de um novo coronavírus humano. Mesmo
assim, em 14 de janeiro de 2020, a OMS publicou em seu Twitter: “as
investigações empreendidas pelas autoridades chinesas não haviam encontrado
‘evidências claras’ de transmissão humano-humano”. Só em 20 de janeiro é que a
OMS voltou atrás e reconheceu que havia, de fato, transmissão humano-humano –
como se já não soubéssemos disso em razão do que aprendemos com as epidemias
por sars-CoV-1, na província de Guangdong, na China, em 2002 e do mers CoV, na
Arábia Saudita, em 2012.
– A OMS declarou que o mundo
vivia uma pandemia do novo coronavírus apenas em 11 de março de 2020. O atraso
no reconhecimento da crise sanitária global trouxe graves consequências. O
espaço aéreo externo chinês demorou a fechar – nas primeiras semanas, qualquer
um poderia pegar um voo de Wuhan para a Itália, por exemplo. Entretanto,
ninguém conseguia sair de Wuhan para outra província chinesa, já que a China
restringiu a circulação da população dentro do país.
– Foi apenas em julho de 2020,
após carta assinada por 239 cientistas e pesquisadores independentes de 32
países, que a OMS reconheceu a possibilidade de transmissão do sars-CoV-2,
prioritariamente, por aerossóis – partículas líquidas cujo diâmetro é menor que
5 micrômetros e que ficam dispersas no ambiente aéreo por tempo prolongado,
podendo percorrer distâncias maiores que 1,5m entre um espirro de alguém
infectado e outra pessoa não contaminada. Esse posicionamento tardio levou a
prejuízos na mudança de políticas de biossegurança ao trabalhador de saúde,
controle de infecção hospitalar e protocolos sanitários com a necessidade cada
vez maior de sistemas de renovação da circulação do ar em ambientes fechados.
Com o reconhecimento da OMS, foi reforçada a necessidade do uso de máscaras do
tipo PFF2 ou N95 em diversos procedimentos médicos reconhecidamente causadores
de aerossóis ou mesmo gerados durante procedimentos de reanimação
cardiorespiratória. E pasmem, foi apenas e tão somente em 3 de maio de 2021 que
todos os documentos oficiais da OMS foram definitivamente alterados para
considerar o aerossol a principal forma de transmissão do Sars-CoV-2. Fato:
qualquer estudante de medicina ou leitor mais curioso já deve ter pesquisado
que houve duas outras epidemias por coronavírus causadores de pneumonia grave e
cuja transmissão era predominantemente por aerossóis – por que então a demora
para se tomar as medidas cabíveis em 2020?
Todos esses fatores levaram a
um cenário de catástrofe mundial, com 3,8 milhões de mortos e o colapso dos
serviços de saúde, bem como a falência de economias inteiras e da cadeia
produtiva do pequeno e médio empresário, em detrimento do maior enriquecimento
das Big Pharma, Big Techs e grandes conglomerados de e-commerce e
entretenimento online. De novo, recorrendo às frases do estrategista de campanha
James Carville, qual seria a estratégia de saúde pública a seguir?
“Mudança x mais do mesmo”
Por que não mudar a política
de saúde pública no combate à pandemia, investindo no tratamento com drogas
reposicionadas (que não são aprovadas para combater aquela doença específica)
seguras, que, de novo, foram demonizadas e suas pesquisas fraudadas para
enriquecer o discurso de que apenas o tratamento em pacientes internados
funciona para a covid-19?
Com a premissa de que a OMS, o
Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês), Cochrane e
diversos periódicos científicos não trouxeram respostas nem estratégias
verdadeiramente efetivas para reduzir a mortalidade dos pacientes, médicos que
fazem a chamada abordagem precoce propuseram desde 2020 um protocolo clínico ao
Ministério da Saúde que nunca recebeu apoio nem foi levado adiante.
Tomando-se os gráficos
epidemiológicos da Universidade John Hopkins acerca do número de casos novos e
óbitos entre janeiro e maio de 2021, superando os números de todo o ano de
2020, não é preciso pós-graduação nessa conceituada instituição de ensino para
depreender que não haveria leitos de hospital nem tampouco equipes bem
treinadas de UTI para conter as mortes que se anunciavam com a chegada da
variante indiana.
Neste cenário, nós, médicos
que fazemos o tratamento precoce, que nunca fomos suficientemente ouvidos nem
nossos números contabilizados pelo Ministério da Saúde, pedimos atenção para a
condução das políticas de saúde pública, considerando os excelentes e exitosos
exemplos de gestores em Porto Feliz (SP), Porto Seguro (BA), Macapá (AP),
Chapecó (SC) e Rancho Queimado (SC).
Mais de 90% de nossa coorte e
100% dos pacientes que iniciaram o tratamento até o terceiro dia de sintoma,
mesmo com várias comorbidades, estão vivos! É só o Ministério da Saúde fazer um
inquérito epidemiológico simples e os senhores saberão que falamos a verdade.
Eles são nossas testemunhas.
2.”Não se esqueça dos cuidados
de saúde”
A atenção básica deveria ser,
portanto, a desencadeadora dessa abordagem precoce, diagnosticando, isolando
pacientes e cessando a cadeia de transmissão com medidas farmacológicas e não
farmacológicas – se o paciente assim concordar.
a) Profilaxia de vulneráveis,
controle de doenças crônicas e reposição de vitaminas, conforme já preconizado
pelo sistema de saúde do Reino Unido desde janeiro de 2021, ao orientar
reposição de vitamina D a idosos, obesos e portadores de doenças crônicas;
b) Identificar precocemente
pacientes, orientar isolamento adequado, monitorar sinais vitais diariamente,
introduzir medicamentos a cada etapa da evolução dos sintomas (a exemplo do que
aprendemos na história do tratamento do HIV, “é o vírus, estupido!”).
“Bata forte, bata rápido”
Os médicos devem iniciar
drogas reposicionadas que façam cair a carga viral e reduzir a inflamação e a
trombose. “Bata forte, bata rápido” – no caso, na abordagem à inflamação: por
que esperar falta de ar para introduzir anticoagulantes e corticoides?
Esses medicamentos deveriam
ser iniciados em um momento chave, que consideramos “golden hour”, quando
ocorre o retorno ou manutenção dos sintomas inflamatórios além do sexto dia. As
autoridades deveriam ouvir mais quem estuda, quem está na linha de frente, e
menos os cientistas burocratas que têm tudo, menos isenção e lastro moral para
conduzir pesquisas – ora fraudadas, ora com doses tóxicas e antiéticas que só
serviram para atrasar, usando argumentos de autoridade à adesão de tantos
médicos brasileiros ao tratamento precoce.
Em resumo, a corrupção, a
desinformação parcial e militante da mídia e o “argumentum ad verecundiam”
cheio de conflito de interesses através de argumentos de autoridade e
sinalização de virtude ditaram políticas de saúde contestáveis e foram a letal
combinação que mais contribuiu para o grande número de equívocos tomados por
gestores na condução de políticas de saúde pública nesta pandemia.
A tríade 1) lockdowns longos
restritivos, 2) a negação da eficácia dos remédios do tratamento precoce e 3) o
foco no tratamento do paciente internado como estratégia para vencer esta
pandemia não se mostrou efetiva para reduzir a letalidade pela covid-19 em
nenhuma unidade federativa brasileira que as tenha aplicado de maneira
draconiana. Novamente, não ao “mais do mesmo.”
Por isso nosso apelo ao
Ministério da Saúde para considerar mudanças nas estratégias: fortalecer a
adesão ao tratamento precoce, capacitar médicos e equipe multidisciplinar na
atenção básica para reconhecer e isolar precocemente suspeitos e cessar a
cadeia de transmissão com profilaxia farmacológica dos contatos
intradomiciliares — estratégia que se mostrou efetiva em diversos estudos. Só
assim poderemos impedir contaminações em maior número com a chegada de cepas
variantes.
Título e Texto: Roberta
Lacerda, revista
Oeste, 18-7-2021, 12h46
Roberta Lacerda A. de M. Dantas é médica infectologista pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
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