"Torna-se cada vez mais alarmante a
crescente normalização de ideias tipicamente autoritárias sob retóricas banais
e até infantis"
Pedro Henrique Alves
“Existem valores
fundamentais, dos quais nenhuma sociedade pode se constituir árbitra ou dona,
valores como a justiça, a verdade, a liberdade, a vida, a honestidade, a
santidade (…). Esses são valores primários, acima de todas as concepções e de
qualquer arbítrio, que cada grupo social inclui na própria cultura,
reconhecendo-os, defendendo-os, promovendo-os e os propondo aos próprios
membros para que os assimilem e os incluam no seu projeto de humanidade”.
Battista Mondin, Os valores fundamentais
É impressionante a falta de
maturidade no debate político atual, o que fica ainda mais exasperador quando
os “especialistas”, “formadores de opinião”, os ditos “ungidos” — como os chama
Thomas Sowell — começam a falar de valores. Torna-se cada vez mais
alarmante a crescente normalização de ideias tipicamente autoritárias sob
retóricas banais e até infantis. A dispensa cada vez mais comum
daqueles princípios que servem justamente como antídoto contra as barbáries e
despotismos é o novo normal de nossos dias. Tal novo senso “pós-modernista” —
baseado no centralismo político e na dominância estatal — parece caminhar
enamorada de uma nova espécie de tirania, uma que usa algemas de pelúcia e
tapumes de arco-íris, e por isso mesmo encontra adeptos afoitos que, ao verem
as purpurinas e ouvirem os discursos fofos, ignoram solenemente a essência
absolutista das intenções progressistas.
Joel Pinheiro afirmou em seu recente texto satírico para a Folha de São Paulo que a liberdade de expressão “irrestrita” é um combustível para ideias extremistas e criminosas. Ele representou de forma sensacional as ideias correntes do pós-modernismo progressista de nossa era; e, não à toa, não percebendo o tom sarcástico do escrito, os elogios frondosos dos leitores do jornal ao artigo pró-autoritarismo deu aquele ar nauseabundo, um climão de porão soviético para a página.
Dentre os absurdos propostos à esmo pela sátira de Joel, está a criação de um “comitê de notáveis”, representado por todas as minorias sociais existentes, a fim de julgar o que deve ou não ser dito em podcasts, vídeos e artigos. Ele reflete exatamente o que grande parte da mídia pede em segredo nas redações, nas reuniões a portas fechadas, naquele grupo de WhatsApp dos mais íntimos, de forma ainda um tanto quanto acanhada, é verdade, embora não haja dúvidas de que nosso mainstream sonha excitado com um órgão de controle. Atila Imarino pediu isso com todas as letras — e sem tom sarcástico.
Liberdade de expressão
impõe responsabilidade
No fundo essa alegoria
levantada pelo colunista da Folha é o boi de piranha do
progressismo, pois desde quando a liberdade de expressão passou a ser a manta
política das sociedades ocidentais livres, ela teve freios — o que não é o
mesmo que censura. A liberdade de expressão não impede processos de
injúria, difamação, muito menos a condenação judicial e retratação pública ante
os exageros. Assim sendo, a falta de impedimento e punições legais a
difamadores e agressores é um discurso oco. Todos podem ser punidos — depois de
um julgamento justo — por ter usado da sua liberdade de para atacar
abusivamente a honra de alguém.
“A quem interessa a liberdade
irrestrita?”, eis o título do artigo do Joel. E eis também um questionamento
instigante quando falamos de valores, pois quando defendemos ideias, diria
Ludwig von Mises, as defendemos porque acreditamos em sua validade intrínseca.
Defendemos o fim da escravidão não somente porque gostamos dos negros, mas
porque a escravidão é errada em si mesma, não importando contra quem ela seja
praticada. Defende-se a isonomia do direito não porque gostamos de determinados
indivíduos de uma sociedade, mas porque é preciso um princípio de igualdade
judicial para se alcançar a justiça possível nas instituições da nação.
A ditadura autorizada
“Quando um branco questiona
consensos estabelecidos da pauta antirracista, isso não é liberdade de expressão,
é racismo”, diz Joel. A parte bizarra disso tudo, e que Joel captou com bom
tato, é que voltamos a ter que reafirmar a inegociabilidade da liberdade de
expressão dos indivíduos. Liberdade essa que Joel “defendeu” nos seguintes
termos: “A liberdade de expressão é um valor inegociável, mas é preciso impor
limites”. Pitoresco, pois consigo ver os ditadores populistas do século passado
dizendo isso sem nenhuma parcimônia.
A pergunta “a quem interessa”
demonstra exatamente a infantilidade e o autoritarismo das ideias
pós-modernistas. No seu cerne está a concepção de que o Estado — herói máximo
na busca pela Justiça Social — deve regular princípios, resguardar certos
benefícios, dar prioridades e garantias a determinados grupos em detrimento de
outros. Tudo isso mostra como a universalidade dos direitos mais básicos foram
simplesmente trocados em nome de um controle ideológico do debate e da
sociedade.
Por isso, afirmo que o
debate político moderno é um grande engodo, que a maioria de seus debatedores
parecem crianças mimadas que, ao menor sinal de contrariedade às suas
sacrossantas ideologias, pedem para que a mamãe Estado intervenha e cale o
amiguinho que o ofende.
No trecho mais aberrante do
texto de Joel, ele assim diz:
“Poderíamos formar algo como
um comitê de notáveis, apenas com referências indiscutíveis das ciências
(exatas, biológicas e humanas), com a devida representatividade de todas as
minorias sociais, para julgar previamente artigos, podcasts ou vídeos que
possam ter conteúdo problemático. É isso ou a barbárie. Aliás, se nada for
feito, e rápido, contra aplicativos como o Telegram, Bolsonaro pode até vencer
as eleições. Estão vendo onde leva essa ‘liberdade’?”.
Se a liberdade de expressão
de fato significa algo, é justamente ter que tolerar o quase intolerável em
nome de um amadurecimento social. Se liberdade de expressão não
significa ter que ouvir absurdos, teorias da conspiração, fanatismos religiosos
e políticos, e ainda assim ter a maturidade humana de seguir adiante buscando
consertar as mentiras através de um debate franco de ideias, então ela não vale
mais do que as promessas de castidade de um devasso.
Os histéricos progressistas se
apegam ao sentido de “necessidade” de “obrigatoriedade” e justificam ideias
autoritárias sobre um falso paradigma de “liberdade vs. segurança”. Como se só
tivéssemos duas escolhas: atrofiar nossas liberdades ou sucumbir num apocalipse
político. Em uma criança de 4 anos tal apelo por segurança paterna é fofo, num
colunista da Folha como o Atila Iamarino, é patético.
O iluminismo obscuro
O ministro do STF Luis Roberto
Barroso diz constantemente que precisamos de um novo iluminismo. Sua tese de
“iluminismo” judicial, em suma, diz que quando existe uma demanda social não
legislada, ou seja, que a Câmara dos Deputados não tornou lei, a Suprema Corte
— e outros tribunais de Estado — podem “quebrar o galho” da população e fazer
tais demandas se tornarem leis, independentemente da vontade dos legisladores.
Os togados despontam como iluminados, os “ungidos”, o “comitê de notáveis”;
eles sabem o que precisamos mesmo que nós não queiramos o que eles dizem que
precisamos. Mais democrático que isso somente um Gulag soviético.
É assim que atualmente age
o mainstream no geral. Eles decidem o que injetamos em nossos
corpos, como devemos cuidar de nossos filhos e o que autorizaremos injetar
neles também, o que devemos falar nas redes sociais, quais críticas devemos ou
não externar, qual aplicativo de troca de mensagens podemos usar, até que ponto
podemos ser livres sem ferir um grupo e seu lugar de fala. Afinal, eles são
iluminados, eles sabem o que queremos antes mesmo que passamos a querer. Aí jaz
uma democracia onde um comitê de notáveis — “apenas com referências
indiscutíveis das ciências (exatas, biológicas e humanas)” ˗ decide o que
queremos, quais são os limites de nossa liberdade e demais direitos… como se
chama isso mesmo?… ah é, ditadura!
Título e Texto: Pedro
Henrique Alves, revista
Oeste, 12-3-2022, 20h
A rapaziada que tem medo da verdade vir à tona. Igualmente a todos os bandidos e salafrários que tem o rabo preso. Os puros de espírito, os honestos, os que jogam limpo, para esses, a verdade está sempre em primeiro lugar. A começar os maiores 'medrosos' do nosso agora, são os ministros, os deputados, os senadores... a lista é grande e certamente não caberia num simples comentário.
ResponderExcluirCarina Bratt
Ca
Lagoa, Rio de Janeiro