Apesar do seu radicalismo, há uma enorme
diferença entre o Chega e o PCP e o Bloco. Como mostra a guerra na Ucrânia, o Chega
apoia a democracia e está ao lado dos aliados ocidentais de Portugal
João Marques de Almeida
A guerra na Ucrânia é um daqueles momentos que clarificam de um modo cristalino as águas políticas. Regressando à linguagem mural, de que o PM António Costa tanto gosta, não se pode ficar em cima do muro. As forças políticas estão num lado, ou noutro; não há terceiras vias. Na Ucrânia, ou se está ao lado de um país democrático, ou apoia-se a ditadura de Putin. E há quem apoie Putin, países como Cuba, Coreia do Norte, Síria e Venezuela.
O que se passou em Portugal?
Na esquerda, os muros continuam onde sempre estiveram: entre o PS e os partidos
à sua esquerda, o PCP e o Bloco. O PCP nem sequer disfarça o seu apoio a Putin.
É espantoso como os comunistas nunca perdem uma oportunidade para estar no lado
errado da história, e sempre ao lado de quem esmaga, brutaliza e explora as
populações nacionais e estrangeiras. O PCP continua com muitas saudades da
antiga União Soviética. Cada vez que algum comunista ataque o “radicalismo antidemocrático”
do Chega, merecem ouvir logo um nome, Putin.
O Bloco como sempre procura ficar em cima do muro. Reconhece que a Rússia de Putin é uma ditadura, mas coloca-a num plano idêntico ao “imperialismo norte-americano.” Para o Bloco a democracia americana e a ditadura de Putin estão no mesmo nível. Ou seja, o Bloco discorda de todos os governos europeus, aliados dos Estados Unidos, e a combater a agressão da Rússia. Quando coloca um aliado da Europa no mesmo plano da Rússia de Putin, o Bloco está a mostrar a sua verdadeira natureza: um partido que continua a ser contra as democracias liberais e anti-europeu.
Mas se é óbvio que o muro à
esquerda nunca caiu, o PS está a tentar erguer um muro à direita entre o Chega
e os outros partidos, PSD, IL e CDS. Ora esta guerra mostrou que, tal como o
PS, e os outros partidos das direitas, o Chega está ao lado da democracia
Ucraniana contra a ditadura de Putin. Os dirigentes do Chega não deixaram
qualquer dúvida sobre o lado do muro onde estão: do lado da democracia.
Há divergências entre o Chega
e o PSD e a IL e o CDS? Obviamente que há. Mas não é na defesa da democracia
liberal. Aí estão todos do mesmo lado. E ao contrário do PCP e do Bloco, o
Chega defende a posição da União Europeia e defende a Aliança Atlântica. Na
direita, há pluralismo, mas não há muros.
Há um lado radical no Chega?
Também há. Mas radicalismo político não significa necessariamente oposição à
democracia. Qualquer pessoa com o mínimo de educação política e preparação
intelectual entende a diferença entre os conceitos antissistema e anti-regime.
A posição antissistema assume críticas fortes ao modo como o regime democrático
funciona, não significa ser antidemocrático. Apesar do seu radicalismo, há uma
enorme diferença entre o Chega e o PCP e o Bloco. Como mostra a guerra na
Ucrânia, o Chega apoia a democracia e está ao lado dos aliados europeus e
ocidentais de Portugal. O PCP e o Bloco não estão.
Entendo que o PS queira erguer
um muro entre o PSD e o Chega, para se perpetuar no poder. O que não se
compreende é que na direita haja quem siga a estratégia do PS. Sei muito bem
que essas pessoas combatem o PCP e o Bloco, e estarei sempre ao seu lado nessa
luta. Mas também é fundamental combater a estratégia de hegemonia política do
PS. Há muitos na direita que não o fazem quando continuam a considerar que o
Chega não é um partido democrático.
Mesmo agora com o Chega a
defender a Ucrânia contra a agressão russa, há quem diga e escreva que na “na
direita portuguesa há quem apoie Putin”. Sendo assim, quem são essas forças
políticas na direita que apoiam Putin? Digam os nomes e provem o apoio a Putin.
Acho muito bem que se mantenha um escrutínio exigente sobre o Chega, tal como
sobre todos os outros partidos, mas o que deve fazer ainda mais o Chega para
mostrar que é um partido democrático?
O futuro da direita em
Portugal exige que se impeça a criação de muros entre o Chega e os outros
partidos, como está a fazer o PS. Quando o novo Parlamento iniciar o seu
mandato, haverá a votação para as Vice-Presidências da AR, o PS já disse que
vai votar contra o candidato do Chega. Vamos ver como votam as bancadas
parlamentares do PSD e da IL. E também iremos assistir a uma maioria
parlamentar a justificar a recusa de um deputado de um partido que apoia a
democracia ucraniana depois da AR ter elegido vice-presidentes que estão ao
lado da ditadura de Putin.
As pessoas de direita em
Portugal devem perceber que os principais obstáculos à construção de novas
maiorias de direita é a estratégia de hegemonia do PS e a diabolização do
Chega. A continuar assim, não haverá maiorias de direita presidenciais ou
parlamentares em 2026. A guerra na Ucrânia é a oportunidade para impedir o muro
entre democracia e antidemocracia na direita. Em Portugal, todas as forças
partidárias de direita são democratas. Foi isso que a reação à agressão militar
de Putin demonstrou.
Título e Texto: João Marques
de Almeida *, Observador,
2-3-2022
* Nasci em Luanda, em
1965. Licenciei-me em Relações Internacionais na Universidade Lusíada, depois
fiz o Mestrado também em Relações Internacionais na Universidade de Kent, no
Reino Unido e, a seguir, o Doutoramento em Relações Internacionais e Ciência Política
na London School of Economics. Em Portugal dei aulas de Relações Internacionais
e de Ciência Política na Universidade Lusíada, na Universidade de Coimbra e no
Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica. Fui assessor e,
depois, Diretor do Instituto da Defesa Nacional, entre 2004 e 2006. Fiz
igualmente investigação no Instituto Português de Relações Internacionais
(IPRI). Em 2006, fui trabalhar para a Comissão Europeia, como assessor político
de Durão Barroso, onde permaneci até ao final de 2012. Em janeiro de 2013,
regressei a Londres, para trabalhar no setor privado numa consultora, a
Holdingham Group.
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