quarta-feira, 2 de março de 2022

A Ucrânia e as diferenças com o "whataboutismo"

João Pedro Pimenta

Perguntava-me há dias se a situação na Ucrânia provocaria tanta comoção como quando houve a questão do Iraque. Nessa altura, houve uma jornada mundial de manifestações (talvez dos primeiros grandes efeitos da Internet), a 15 de fevereiro de 2003, de protesto contra a iminente invasão do Iraque, com manifestações por toda a parte (se me perguntarem, sim, eu estive numa nessa data, no Porto, e no dia em que começou a guerra estive ao lado dos iraquianos em Atenas).

Neste momento, felizmente, começa a haver um grande movimento contra esta invasão e a favor da Ucrânia. A diferença, pelo que me pareceu, é que é sobretudo no mundo ocidental, com o resto um pouco mais indiferente, mas espero estar enganado.

A propósito do Iraque, tenho visto as estafadas perguntas "então e o Afeganistão, o Iraque, a ex-Jugoslávia"...normalmente é um estratagema de whataboutismo para se poupar a Rússia por birra com o ocidente (a que pertencemos), porque uns não implicam outros. E quem as faz assobia para o ar perante a flagrante violação do direito internacional, que antes tanto dizia defender. Mas há apesar de tudo, diferenças, pelo menos nestes três.

O Afeganistão invadiu-se porque albergava uma colónia de terroristas que tinha provocado o 11 de Setembro. Os Estados Unidos sofreram um ataque armado e pelo Direito internacional tinham todo o direito de se defender, como a ONU concordou. Outra questão será saber se administraram bem a situação após a fase militar.

Na ex-Jugoslávia, ou antes no Kosovo, estava a haver uma limpeza étnica das populações albanesas locais, de tal forma que tanques sérvios chegaram a atravessar a fronteira com a Albânia atrás de kosovares. Deu-se então uma intervenção da NATO, bombardeando não só forças militares, mas também pontos estratégicos em Belgrado, o que levou à morte de alguns civis (e até ao bombardeamento por engano da embaixada chinesa). Sendo certo que uma intervenção para evitar situações como a que tinham ocorrido na Bósnia anos antes era mais que aconselhável, a verdade é que a NATO não tinha mandato da ONU e levou a ação longe demais para além dos objetivos.

O Iraque é o que se sabe. Os EUA e alguns aliados, como a campanha contra o "Axis of Evil" dos neoconservadores, conseguiram implicar Saddam Hussein com a Al-Qaeda, com a qual não tinha rigorosamente nada a ver, e inventar umas fantasiosas armas de destruição maciça, que Colin Powell "revelou" numa sessão das Nações Unidas em que o seu prestígio de décadas se estampou. O resto é história.

Qual é então, a grande diferença para os casos do Kosovo e do Iraque? É que no primeiro, apesar de ser ilegal, a intervenção conseguiu parar uma limpeza étnica que estava a ser comandada por um tirano, Slobodan Milosevic, de tal forma que no ano seguinte os sérvios não hesitaram em derrubá-lo.

No segundo, apesar de ser um desastre baseado numa mentira, a verdade é que o regime de Saddam era um dos piores facínoras da época e crimes contra a humanidade não faltavam.

E similar ao caso da ex-Jugoslávia poderíamos ir ao caso da Líbia, regida por um assassino que ia desencadear uma repressão violenta contra o seu povo.

No caso da Ucrânia, não só se trata de uma violação flagrante do direito internacional com base em mentiras descaradas (a suposta adesão do país à NATO) como atenta contra um presidente livremente eleito (venceu até o seu antecessor, que estava no cargo), e não um "neonazi", ao contrário do que se passa na Rússia. Ou seja, pelos argumentos da Rússia, a Ucrânia tinha todas as razões para a invadir, já que o regime de Putin ameaça a sua soberania, comete crimes contra o seu povo e só se "elege" prendendo e abatendo adversários.

Em suma: se havia razões para contestar a guerra do Iraque, mais razões ainda há para protestar contra a agressão à Ucrânia.

Título, Imagem e Texto: João Pedro Pimenta, Delito de Opinião, 2-3-2022 

Relacionados: 
[Atualidade em xeque] Chaplin e Zelenski, dois fantásticos discursos contra a psicopatia mundial que ronda a humanidade 
A guerra e a moral 
[Atualidade em xeque] O boquirroto atômico 
Um recado de soberania e liberdade 
A síndrome do bicho-da-seda 
[L’édito de Valérie Toranian] Les premières victoires de Volodymyr Zelensky, héros européen 
Presidente: posição do Brasil sobre conflito na Ucrânia é de cautela 
Brasileiros que saíram de Kiev chegam à Romênia 
Guerra entre Rússia e Ucrânia pode impactar inflação e PIB no Brasil 
Falta um cordão sanitário em redor de PCP e BE 
Filhos da Guerra Fria 

Um comentário:

  1. Me irrita a ingenyuidade no mundo cibernético.
    Não existem mais ingênuos.
    Vociferam textos eróticos e vídeos semelhantes na rede.
    TUDO É SEXO PARA ALGUNS IMBECIS.
    Brasileiros se naturalizaram ucranianos e agora querem alforria.
    Não existe lado certoda história.
    Elegeram o tiririca de presidente e aqui querem um animal corrupto de 9 dedos fingindo serem ingênuos.
    Não me venham com paos de confiança.
    Confiança é água e pão na mesa;
    Me enganaram aí vem um putinho e acaba com a covid.
    Os europeus esqueceram o holodomor e o massacre de Katyn e só lembram do holocausto;
    A Ucrânia era russa desde o século XVII.

    ResponderExcluir

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-