Podemos especular se Barroso é um cínico ou um crente, mas a resposta importa apenas para avaliar o grau de fanatismo dessa postura arrogante
Rodrigo Constantino
“É preciso não supervalorizar o inimigo, nós somos muitos poderosos. Nós é que somos a democracia. Nós é que somos os poderes do bem. Nós é que ajudamos a empurrar a história na direção certa. O mal existe, é preciso enfrentá-lo, mas o mal não pode mais do que o bem.” Quem disse isso foi o ministro Luís Roberto Barroso [foto], do Supremo Tribunal Federal, em evento ao lado da jornalista Natuza Nery. A fala é temerária!
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Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil |
Podemos especular se Barroso é
um cínico ou um crente, mas a resposta importa apenas para avaliar o grau de
fanatismo dessa postura arrogante. Mesmo as cobras-corais falsas agem como se
tivessem veneno, pois do ponto de vista evolutivo é útil esse autoengano.
Talvez Barroso tenha começado como um cínico, mas hoje passou a acreditar em
suas palavras perigosas. Como não podemos avaliar a psicologia, a real intenção
dos outros, tudo o que podemos fazer é julgar seus atos. E aqui o veredicto é
preocupante.
Barroso, o mais pavão dos
pavões supremos, comporta-se com tal empáfia que podemos apenas sentir
calafrios quando lembramos do poder de sua caneta. É, sem dúvida, o ministro
mais ativista da Corte, alguém que pretende legislar sem votos, pois imbuído de
uma missão redentora. De cima de sua Torre de Marfim, Barroso acha — ou finge
achar — que recebeu raios especiais do Deus da Razão, e que está, portanto,
numa cruzada moral. Ele mesmo confessa que seu intuito é “empurrar a história”.
Isso, vindo de um militante
jacobino, já é assustador o suficiente. Mas vindo de um juiz cuja missão
deveria ser a de guardião da Constituição é simplesmente bizarro, inaceitável.
Barroso sequer pretende dissimular seu verdadeiro objetivo com a toga: não é
avaliar caso a caso a constitucionalidade da questão, e sim alterar a
Constituição, por conta própria, não para fazer justiça, mas, sim, apontar para
uma suposta “justiça social” que ele imagina adequada.
Em suma, Barroso é um revolucionário de toga, um ativista, um militante. Se ele considera “progresso” o casamento gay, por exemplo, então ele prefere ignorar a Constituição e o processo legislativo para qualquer mudança dela, e simplesmente decretar uma nova lei de sua cabeça. Barroso se vê como um ungido, alguém acima dos reles mortais, uma pessoa “do bem” que precisa iluminar nosso caminho, liderar rumo ao avanço moral.
Tal arrogância prometeica é
nefasta em qualquer ser humano. Imagina em alguém que considerava o terrorista
assassino Cesare Battisti um inocente, ou o abusador João de Deus uma pessoa
com poderes transcendentes! Com tal julgamento falho, Barroso pretende ser o
Nosso Guia, não mais um entre outros dez juízes constitucionais. Isso seria
humildade demais para um pavão com plumas tão belas, não é mesmo?!
O foco de boa parte da
população tem sido o ministro Alexandre de Morais, com razão. O “xerife”,
segundo um próprio colega supremo, tem usado sua caneta de forma arbitrária e
abusiva para perseguir bolsonaristas, mandar prender deputado e jornalista sem
crimes cometidos, e isso tudo é extremamente nocivo à democracia, conduta típica
de tiranias. Mas nem por isso Barroso deve ser ignorado. Ele é um dos mais
perigosos ali, justamente por se enxergar nessa cruzada moralista.
O presidente, eleito com quase
58 milhões de votos, é tratado como um inimigo a ser derrotado pelo “iluministro”
Em bate-boca com o ministro
Gilmar Mendes em 2018, Barroso disse: “Vossa Excelência devia ouvir a última
música do Chico Buarque: a raiva é filha do medo e mãe da covardia. Vossa
Excelência fica destilando ódio o tempo inteiro. Não julga, não fala coisas
racionais, articuladas, sempre fala coisa contra alguém, está sempre com ódio
de alguém, está sempre com raiva de alguém. Use um argumento”. Em se tratando
de Gilmar como alvo, podemos quase aplaudir. Mas a fala demonstra essa
arrogância do ministro até para com seus pares!
“Me deixa de fora desse seu
mau sentimento, você é uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e
pitadas de psicopatia”, disse Barroso. “Feche seu escritório de advocacia”,
rebateu Mendes. Eis o nível do nosso STF! Mas, para o propósito desse texto, o
que interessa é a insistência nessa visão messiânica de Barroso, que, de tanto
repetir ser alguém que incorpora o Bem, deve ter passado a acreditar nessa
baboseira. E, como os cristãos sabem, pessoas realmente boas não partem de uma
premissa arrogante dessas, e sim reconhecem o mal dentro delas, a besta sempre
à espreita, que precisa ser domesticada em nós.
Todas as pessoas realmente
boas que conheci na minha vida nunca disseram, uma única vez, que eram pessoas
maravilhosas, fantásticas, “do bem”. Ao contrário: sempre notei nelas a
humildade para admitir que tinham muitos defeitos, que eram pecadoras, como
somos todos nós. A postura de Barroso nos remete aos jacobinos fanáticos, que
criaram o Templo da Razão no lugar da Igreja de Notre-Dame, que fizeram tábula
rasa de todas as instituições herdadas pelos antepassados, pois se colocavam
como iluminados e incorruptíveis. A consequência prática foi o Terror da
guilhotina, um banho de sangue inocente.
Se Barroso pudesse operar uma
guilhotina, não restam dúvidas de que o pescoço de Bolsonaro seria o primeiro a
rolar. O presidente, eleito com quase 58 milhões de votos, é tratado como um
inimigo a ser derrotado pelo “iluministro”, uma pessoa maligna que se tornou
oponente de Barroso. Isso não é aceitável numa Suprema Corte. Barroso não
recebeu um só voto para tal missão. Não é condizente com seu cargo. E
certamente ele não incorpora o Bem e o Progresso, como quer crer ou de fato
acredita.
A permanência de alguém como
Barroso no STF é uma enorme mancha na reputação de tão importante instituição
republicana. Seria muito melhor se Barroso abandonasse a toga e se filiasse ao
Psol para seguir em sua luta revolucionária…
Título e Texto: Rodrigo
Constantino, Revista Oeste, nº 108, 15-4-2022
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Nem cínico, nem profeta. O 'ser crente', então, passou longe. Quem o descreveria bem? No meu entender, dois escritores famosos: Zola, certamente o cognominaria, se vivo fosse, como 'A Besta Humana'. Outro que lhe daria uma alcunha bonita e bem a seu gosto pessoal: O norte-americano Rick Riordan. E qual seria? 'O ladrão de raios'. Mas por Deus, que raios?! Os Raios que o parta.
ResponderExcluirCarina Bratt
Ca
de Sertãozinho, interior de São Paulo