Reinaldo Azevedo
A França tem 67 milhões de habitantes. Estima-se que 3,7 milhões — 5,5%
da população — foram às ruas neste domingo para protestar contra os atos
terroristas e em defesa da liberdade de expressão: é como se toda a Paris
tivesse decidido marchar (2,2 milhões), com um acréscimo de 1,5 milhão… No
Brasil, seria uma manifestação de 11 milhões — quase toda a cidade de São
Paulo.
Quarenta líderes mundiais estavam presentes e lideravam simbolicamente a
marcha, que mal podia se mover. Nem a Paris de espaços tão amplos esperava por
aquilo. De braços dados, caminharam François Hollande, presidente da França;
Angela Merkel, a chanceler alemã; o primeiro ministro de Israel, Binyamin
Netanyahu, e um de seus adversários no xadrez do Oriente Médio, o presidente da
Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas. Em nova evidência — mais uma! — de que
nunca esteve nem está à altura do cargo que ocupa, Barack Obama, o presidente
dos EUA, se fez notar pela ausência.
A sociedade francesa dá, assim, um sinal de vigor na defesa de um dos
valores essenciais da democracia: a liberdade de expressão. De vigor e de
enfaro com a lógica do terror, que vai aos poucos sendo metabolizada e
incorporada pela intelectualidade ocidental. As evidências de estupidez estão
em toda parte.
Querem um exemplo? Na Folha desta segunda, e historiador Daniel Serwer,
professor de Gerenciamento de Conflitos na Escola de Relações Internacionais da
Universidade Johns Hopkins, de Washington, concede uma entrevista sobre os atos
terroristas na França. Afirma o seguinte, prestem atenção: “Os extremistas
querem guerra. Para eles, se Marine Le Pen tiver mais votos, é ótimo, porque
comprova a tese de que a França é tão ruim quanto eles pregam. Eles se
alimentam da extrema direita. Também é mais fácil recrutar novos militantes com
atentados de alto impacto — ainda que esses grupos não estejam tendo a menor
dificuldade em recrutar novos radicais. Mas devemos nos perguntar o porquê
disso”.
Serwer, que faz questão de deixar claro que é judeu — para que não pese,
suponho, suspeita de que alimente alguma simpatia pelos extremistas islâmicos
—, também acha, a exemplo do paquistanês Tariq Ali, que a culpa é das vítimas.
Aplicando a sua fórmula ao conflito israelo-palestino, por exemplo, teríamos de
chegar à conclusão de que o terrorismo do Hamas só existe por causa da direita
israelense, e não porque os terroristas não aceitam, afinal, a existência do estado
judaico. Se o partido de Marine Le Pen for esmagado nas urnas, o terror sai
enfraquecido? Ora… O atentado acontece na França num momento em que a esquerda
está no poder.
A verdade insofismável é que a França e a Europa como um todo têm
tolerado, em nome da diversidade e dos valores do multiculturalismo, a
intolerância das comunidades muçulmanas, que têm a ambição de viver segundo
valores que desafiam as regras da democracia. Na entrevista, Serwer investe num
mantra que têm servido para tentar “compreender” os atos terroristas: os
muçulmanos na França, quase na sua totalidade de origem árabe, não gozariam dos
mesmos benefícios dos cidadãos franceses.
É verdade! Mas será assim porque o país é relapso — não é!!! — ou porque
a religião dessas comunidades se mostra incompatível com os valores de uma
sociedade democrática e leiga? Bingo! Os imigrantes e seus descendentes custam
os tubos ao estado de bem-estar social francês. E nunca será demais destacar
que os únicos árabes que vivem sob um regime de liberdades públicas plenas ou
estão em democracias ocidentais ou, vejam que coisa!, em Israel.
Quase quatro milhões de franceses foram às ruas porque estão cansados de
carregar a suposta culpa das vítimas.
Título e Texto: Reinaldo Azevedo, 12-1-2015
Título e Texto: Reinaldo Azevedo, 12-1-2015
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