sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Não adianta protestar se não sabemos (ou não queremos) votar!


VOTO: a arma do cidadão. Imagem: Rodrigo Flores

Dalmo Dallari, JB
Educação cívica contra a corrupção
Educação Cívica é Educação para a Cidadania, fundamental para a convivência democrática, livre e solidária, sem privilégios nem discriminações, com a consciência dos direitos e deveres de todos, tanto de natureza ética quanto jurídica. A Educação para a Cidadania é o instrumento adequado para combater a violência, a corrupção, o egoísmo e a intolerância e para a busca permanente de correção das injustiças sociais, que são um dos principais obstáculos à conquista da paz.
A Educação para a Cidadania deveria fazer parte do currículo básico das escolas brasileiras e deveria ter continuidade nos cursos de nível superior, devendo também ser lembrada nos concursos e na escolha de cidadãos e cidadãs para o exercício de qualquer função pública. Entretanto, é preciso ter uma noção correta do que deve ser essa educação, para que não se confunda a preparação para a cidadania com a simples realização de manifestações festivas ou, pior ainda, com o dever de respeito absoluto aos governantes e ocupantes de cargos públicos como se cobrar deles a obediência à ética e ao direito fosse um desrespeito às instituições.
É oportuno lembrar que no Brasil já existiu, nas escolas, a disciplina Educação Moral e Cívica, que, como era utilizada, melhor seria denominá-la Educação Imoral e Cínica. Isso ocorreu durante o período da ditadura de Getulio Vargas, que durou de 1937 a 1945, quando o povo não elegia representantes e não tinha qualquer possibilidade de influir sobre o governo. A disciplina era utilizada como instrumento de exaltação dos governantes, e eram promovidas grandes e vistosas manifestações nas datas nacionais, chamando-as de festas cívicas, sem que houvesse a mínima ligação desses eventos com o exercício da cidadania. Mais tarde, após o golpe de 1964 e com a instalação da ditadura, foi implantada uma disciplina denominada Estudos de Problemas Brasileiros, que também foi amplamente utilizada para elogiar o governo e impedir a conscientização da cidadania.
Conforme noticiário da imprensa, o dia 7 de Setembro deste ano teve muitas celebrações, com festividades contando com a presença de altas autoridades e a realização de desfiles e exibições militares. A grande novidade deste ano foi que na mesma oportunidade e em muitos lugares do Brasil, inclusive em São Paulo, ocorreram grandes concentrações populares espontâneas, tendo grande ênfase as manifestações contra a corrupção no setor público. Isso vem sendo interpretado como um despertar da cidadania. Entretanto, há poucos dias a imprensa noticiou, com expressivo registro fotográfico, as festividades de celebração dos 80 anos de Paulo Maluf, um dos mais notórios praticantes da corrupção na esfera pública brasileira. O que mais chamou a atenção foi a presença, ostensivamente alegre e entusiasmada, de políticos paulistas que exercem mandato popular nas homenagens a Maluf, que ninguém duvida que é corrupto e está sendo processado por corrupção no Brasil e no exterior. Lá estavam Michel Temer, vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, governador do estado de São Paulo, o deputado federal Aldo Rebelo, eleito por São Paulo para a Câmara dos Deputados. Embora não haja como fazer a constatação, é mais do que provável que entre os que foram às ruas fazer protestos contra a corrupção neste 7 de Setembro estavam eleitores desses políticos.
Aí está a falta que faz a Educação para a Cidadania. O cidadão educado e consciente perceberá que é absolutamente contraditório protestar contra a corrupção e, ao mesmo tempo, dar o seu voto, para representá-lo e agir em seu nome no Executivo ou no Legislativo, a um político que, direta ou indiretamente, participa da corrupção, ou praticando ilegalidades danosas ao interesse público ou apoiando quem notoriamente as pratica. É necessário e urgente que o povo se organize e que se repitam as manifestações populares, pois foi assim que os brasileiros derrubaram a ditadura e conquistaram a Constituição de 1988. Mas também é necessário que entre as reivindicações tenha grande ênfase a Educação para a Cidadania, que será extremamente valiosa para que num futuro próximo a vida pública brasileira não seja degradada pela presença e influência dos corruptos e seus protetores.
Texto: Dalmo de Abreu Dallari é jurista, 08-09-2011. Publicado originalmente no Jornal do Brasil.
Título e Edição: JP


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