Rivadávia Rosa
José Ortega y Gasset, filósofo espanhol (1883-1955), ao contrário de certos intelectuais
orgânicos encantados com o poder compreendeu ainda em 1930 que tanto o nacional-socialismo,
quanto o fascismo e o bolchevismo, constituíam um brutal
retrocesso histórico, assim identifica a conduta sociopatológica:
“Em todos os séculos, os
exemplos mais vis da natureza humana deparam-se entre os demagogos”.(In a
Rebelião das Massas).
Confira num breve relato como
opera a barbárie.
“Juan e Evita Perón faziam
seus oponentes (jornalistas dissidentes, esquerdistas, críticos independentes)
ser presos, às vezes mortos, com frequência torturados. Segundo Dujovne, em
pelo menos um caso, envolvendo tortura com eletricidade de mulheres empregadas
na Companhia Telefônica que haviam recusado a se filiar ao Partido Peronista,
correu o boato de que a própria Evita deu a ordem de aplicar os choques. Os
fatos permanecem incriminadores ainda que deva ser acrescentado que o uso que
Perón fez da tortura e do assassinato não pode ser comparado à orgia de sadismo
desencadeada pelo governo militar e por seus aliados paramilitares durante a
“Guerra Suja” na Argentina do final da década de 1970 e início dos anos 80.
Mas, perto do fim do primeiro período de Perón no poder, seus torturadores
aprenderam técnicas mais sofisticadas de alguns dos maiores especialistas do
século no assunto: os criminosos de guerra nazistas que fluíram para o
santuário da Argentina.
A admiração do exército
argentino pelos militares alemães (proverbial durante as últimas décadas do
século XIX) ficou ainda mais forte com a crise de 1929 – um período humilhante
para a Argentina, com sua economia de exportação dependente da Inglaterra – e
se tornaria ainda mais firme e sólida com a ascensão de Hitler. Perón era um
membro do grupo militar que, em 1943, não deixou dúvidas sobre suas simpatias
em um manifesto secretamente preparado: “Hoje a Alemanha está dando vida a um
significado heroico. É um exemplo a ser seguido ... A luta de Hitler, tanto na
paz quanto na guerra, deve nos conduzir”. O governo da Argentina apostou no
Eixo, literalmente até o último minuto. Quando a Argentina declarou guerra
(nominalmente tomando o lado dos Aliados) em 27 de março de 1945, a verdadeira
razão – segundo o relato cínico do próprio Perón – foi proporcionar um maneira
de salvar as vidas dos nazistas. E ele foi bem sucedido. Em 1947, de acordo com
Dujovne, 90 mil nazistas viviam em segurança na Argentina de Juan e Evita.
Não muito tempo depois de
conhecer Perón, Evita se mudou para uma suntuosa mansão: presente respeitoso de
um dos amigos do marido, o milionário alemão (e agente nazista) Rudolf Ludwig
Freude. Esse indivíduo, junto com três de seus compatriotas chamados Dörge, Von
Leute e Straudt, apareceria em um episódio ainda obscuro. (Dujovne comenta que
os fatos nunca foram totalmente comprovados, mas as evidências que ela
apresenta, baseadas nas dezenas de fontes e investigações, são esmagadoras) A
questão foi nada menos que a entrega do tesouro dos nazistas para a custódia da
Argentina. A ação ocorreu em torno da época do colapso da Alemanha nazista em
1945. Dois submarinos alemães depositaram sua carga nas docas de La Plata.
Havia pelo menos duas documentações precisas dos conteúdos. A lista coincide:
dez milhões de dólares em várias moedas, 2 511 quilos de ouro, 4.638 quilates
de diamantes e um rio de joias, obras de arte e objetos preciosos roubados dos
judeus da Europa e anteriormente depositados no Reichsbank de Berlim. Consta
que o vice-führer Martin Bormann confiou a operação a Otto Skorzeny, chefe das
forças de comando de Hitler. Segundo Dujovne, a operação também foi apoiada por
membros da hierarquia do Vaticano. Seja isso verdade ou não, o certo é que os
padres croatas foram figuras centrais na operação que a inteligência dos
Aliados chamou de “the rat line” (literalmente “linhas de rato”), que
canalizaram nazistas e os “bens” dos nazistas para países latino-americanos
simpatizantes, mais especialmente a Argentina.
Consta também que esta
previsto que o próprio Bormann chegaria à Argentina para supervisionar o
tesouro. Segundo várias fontes – entre elas Skorzeny, que liderou a incursão
que libertou Mussolini em 1943 e, em 1948, encontraria um confortável refúgio
pós-guerra na Argentina -, os verdadeiros supervisores não eram outros senão
Juan e Evita Perón. Certamente Perón foi um elemento-chave na operação, e nunca
esconderia sua grande simpatia pelos nazistas. Entre outras ações diretas,
suspeita-se que ele proveu o adido militar da embaixada alemã com oito mil passaportes
argentinos e 1 100 carteiras de identidade; e se referia aos refugiados da
Luftwaffe como “justicialistas do ar”. Em recompensa por seus serviços,
os nazistas abriram uma conta para ele na Suíça e lhe deram uma mansão no Cairo
onde, em 1960, ele viveria durante algum tempo.
Talvez, a essa altura, Evita
desempenhasse um papel mudo; servindo café, aceitando presentes. Mas
posteriormente, durante sua “travessia do Arco-Íris” pela Europa, eventos
estranhos começaram a se multiplicar. Em Rapallo, na Itália, ela se encontrou
com uma importante figura da hierarquia do Vaticano. Quase ao mesmo tempo, um
navio com uma carga de trigo da Argentina atracava em Gênova. Ela estava apenas
discutindo o trigo? E seu itinerário parecia sem sentido: de Lisboa para Paris,
de lá para a Côte d’Azur, a Suíça, Lisboa e Dacar. Passou cinco dias na Suíça e
em Lisboa teve um longo encontro com o deposto rei Umberto da Itália. Várias
pistas coletadas por Dujovne, derivadas de monografias sobre o assunto, assim
como o testemunho do próprio Skorzeny, sugerem que Eva, com a ajuda de alguém
da hierarquia do Vaticano e a mediação do rei Umberto, depositou na Suíça pelo
menos parte do tesouro dos nazistas. A morte de seu irmão Juan, menos de um ano
depois da sua, sob circunstâncias que nunca foram esclarecidas (supôs-se que se
suicidou, mas provavelmente foi assassinado), pode corroborar a hipótese de que
ele era o guardião do depósito secreto no banco. Os quatro alemães supostamente
envolvidos – Dörge, Von Leute, Staudt e o próprio milionário Freud – morreram
todos entre 1948 e 1952, talvez executados por ordem da hierarquia nazista no
“exílio”, que poderia assim reclamar o pleno uso do tesouro para seus
propósitos. Consta também que Perón devolveu parte dele para Skorzeny. A
história real continua envolta em mistério. Dujovne ainda especula que o
bombardeio do Centro da Comunidade Judaica em Buenos Aires, em 1994, teve
alguma conexão com a documentação que estava sendo guardada ali sobre as redes
e contatos dos nazistas na Argentina.
Não há mistério nenhum sobre a
ajuda direta dada por Evita aos assassinos em massa da Croácia, um dos
satélites mais selvagens de Hitler. Em 1954, Izbor, a revista da
comunidade croata argentina, escreveria: “Andamos pela Europa de país em país
até o dia em que nosso sofrimento bateu as portas do coração mais nobre que
então batia no mundo, o de Eva Perón, que na época estava em Roma”. Entre os
criminosos de guerra que, graças a Eva Perón, obtiveram vistos ou passaportes
através da Cruz Vermelha Internacional, estava Ante Pavelic, o próprio führer
croata, que havia dirigido os assassinatos – por métodos diretos ou delegados –
de muitas centenas de milhares de sérvios, judeus e ciganos nos campos de
concentração da Croácia fascista. Ele chegou a Buenos Aires sob um falso nome e
usando um hábito de padre, junto com seus compatriotas Vjekoslav Vrancic
(condecorado por Hitler por suas habilidades de planejamento da deportação em
massa) e Branco Benzon, que se tornou médico pessoal de Perón. Com eles veio um
bando de Ustashe (fascistas croatas), alguns dos quais, diz Dujovne,
contribuíram com suas mais desenvolvidas habilidades em tortura para o
repertório da polícia peronista.
Em 1955, a Revolução
Libertadora (que derrubou Perón) exibiu alguns pertences de Juan e Evita. Entre
os objetos estava uma suntuosa caixa contendo um conjunto de prata.
Na tampa havia uma Estrela de
Davi em madrepérola. Obviamente uma parte do saque nazista, sua significância
não poderia ter passado despercebida nem mesmo para a mais desinformada das
fadas madrinhas.” KRAUZE. Enrique. In EVA PERÓN - A Madona dos Descamisados,
capítulo IV de Os Redentores - Ideias e poder na América Latina. São
Paulo: Saraiva (Benvirá), 2011, pp. 332-336
Título e Texto: Rivadávia Rosa
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