sábado, 24 de abril de 2021

Empresas devem apoiar causas políticas?

O livre mercado é impessoal e foca os resultados. Mas há grandes executivos querendo alterar essa equação virtuosa do capitalismo

Rodrigo Constantino

Dizem que em países ricos os negócios tentam influenciar a política, enquanto em países mais pobres, com o Estado fracassado, a política é o grande negócio em si. Se isso é fiel aos fatos eu não sei, mas vejo com preocupação a tendência de que parece cada vez mais difícil distinguir uns dos outros. Ou seja, mesmo em países ricos, o grau de simbiose entre política e negócios tem se mostrado bastante além do razoável, e em muitos casos assustador.

Ilustração inspirada em montagem fotográfica realizada pela revista The Economist

Se decisões políticas podem mexer com o ambiente de negócios, é natural que empresas tentem influenciar esse jogo. O problema é quando tudo parece excessivamente politizado. Uma das grandes vantagens do capitalismo é sua impessoalidade, seu foco na meritocracia, no resultado. Não compro uma pizza pensando em qual a visão de mundo do dono da pizzaria, o que ele pensa sobre o aborto ou as armas, mas sim pela qualidade do produto em relação a seu preço e às alternativas concorrentes.

E é bom que seja assim. Como Walter Williams já explicou, é graças a esse sistema que o racismo custa caro para o empresário racista, por exemplo. O racismo é ineficiente do ponto de vista econômico. O livre mercado, ao contrário da alocação de recursos pela via política, é do interesse das minorias normalmente discriminadas. Para sustentar seu ponto, o economista utiliza argumentos teóricos, assim como vários casos empíricos em seu livro Race & Economics.

A teoria econômica não pode responder a questões éticas; mas pode mostrar as consequências de medidas tomadas em seu nome. Williams alega que as políticas econômicas necessitam de análises desapaixonadas. Afinal, os efeitos muitas vezes não guardam relação alguma com as intenções iniciais. Esse é justamente um caso comum quando se trata de políticas para combater o racismo ou ajudar minorias.

O que o autor mostra no livro é que diversos problemas que os negros norte-americanos enfrentam não têm ligação com a discriminação racial. Ele não nega que tal discriminação existe; apenas demonstra que as principais causas dos problemas estão em outro lugar. E quais seriam essas causas, então? O que fica evidente ao longo do livro é que as regulamentações do governo representam o grande vilão dos negros, especialmente os mais pobres.

No livre mercado, se o empregador se recusar a contratar alguém por causa da “raça”, ele pagará um preço por isso, seja por limitar a quantidade de candidatos às vagas, seja por deixar de empregar gente mais produtiva pelo mesmo salário. Nesse caso, basta o concorrente ignorar o racismo para ser mais eficiente. Com o tempo, a tendência é o empregador racista ir à bancarrota.

Em suma, Williams defende o fim das restrições legais ao mercado de trabalho como a melhor medida para ajudar as minorias, incluindo os negros. O livre mercado é impessoal e foca os resultados. Essa é a mais poderosa arma contra o racismo. Infelizmente, a política de identidades pregada pela esquerda “progressista” ignora tudo isso, e parte para uma politização que mata a lógica econômica.

Movimentos passam a pregar o boicote ao restaurante A ou B pois seus donos não são politicamente corretos, não apoiam certas causas ou candidatos. Esse tribalismo, estendendo-se para o mercado, pode ser fatal. O foco sai do resultado e da meritocracia e migra para essas questões ideológicas ou partidárias, como se cada um devesse comprar não o melhor produto, mas aquele cujos fabricantes pensam de forma política semelhante a nós. Isso é absurdo.

Mas, por conta do crescente tribalismo, alimentado pelas redes sociais e pelos “justiceiros sociais”, cada vez mais empresas se veem tentadas a se manifestar com base no prisma político ou ideológico. A The Economist recentemente tratou do assunto numa reportagem sobre o ativismo de CEOs, considerado um negócio arriscado. Ela abre com o caso da Coca-Cola, que resolveu “lacrar” contra o Estado da Geórgia este ano, quando seu governador assinou uma lei exigindo identidade de eleitores. Por algum motivo estranho, os movimentos raciais viram aí racismo, afirmando que cobrar uma identidade prejudicaria eleitores negros, e o gigante dos refrigerantes resolveu aderir.

A limpeza iliberal e intolerante da vida pública agora é coisa da elite empresarial

No The Wall Street Journal, Harvey Golub publicou um texto na mesma linha, alertando que a política é um negócio arriscado para CEOs e que é imprudente colocar peso demais em assuntos que não afetam diretamente os negócios da empresa. Sobre os vários executivos que se manifestaram com ameaças de boicote ao Estado, Golub diz: “Conheço a maioria deles pela reputação e alguns pessoalmente. São pessoas de boa-fé, que se preocupam sinceramente com a nação, suas empresas e seus funcionários e clientes. A maioria fez um excelente trabalho como líder de suas empresas. Todos têm o meu respeito e acredito que conquistaram o respeito do público. Mas eu creio que eles estão errados em assumir posições públicas sobre esta lei”.

O autor nem entra tanto no mérito da questão, pois seu foco é outro: “A razão pela qual eu acho que os CEOs devem ficar em silêncio sobre essa questão não é porque discordo de seu julgamento sobre os méritos. É porque acho que é errado os executivos assumirem uma posição da empresa em questões de políticas públicas que não afetam diretamente seus negócios”. Afinal, eles não falam apenas como indivíduos nesses casos, mas em nome da empresa e de seus milhares de acionistas. Além disso, suas opiniões sobre tais temas polêmicos vão inevitavelmente incomodar acionistas, empregados e clientes que divergem delas. A reação de grupos que pediram boicote a essas empresas, por boicotarem a Geórgia, comprova o risco disso.

E é nessa espiral que mora o perigo. Muitos executivos e empresários adotam posições ideológicas ou políticas por convicções sinceras, e mesmo assim põem em risco suas empresas. Outros sucumbem diante da pressão da patrulha, que faz chantagem, ameaças diretas ou veladas, para extorquir ajuda financeira ou apoio moral. Basta verificar como age o Sleeping Giants, demonizando publicamente empresas que não “sinalizam virtude” de acordo com a ideologia esquerdista, que anunciam em canais “reacionários” ou coisa similar. O fundador do Sleeping Giants, Matt Rivitz, permaneceu no anonimato até julho de 2018, quando Peter J. Hasson expôs sua identidade após longo trabalho investigativo. Rivitz, pasmem, trabalha com publicidade e era consultor de algumas das empresas que achacava por meio de seu movimento.

Hasson é autor do livro Os Manipuladores, sobre as Big Techs e sua guerra contra conservadores. Ele mostra como essas empresas, repletas de esquerdistas no comando, usam critérios subjetivos e obscuros para censurar o pensamento mais à direita em suas plataformas, que deveriam ser neutras. Sobre o Sleeping Giants, ele relata como o movimento de intimidação aos anunciantes foi eficaz para praticamente destruir o site conservador Breitbart. O grupo instou universidades e outras instituições a boicotar um fundo de investimentos porque seu presidente, Robert Mercer, era o principal investidor em Breitbart. Não demorou muito para Mercer renunciar ao cargo.

Tudo isso mostra que o que antes era feito pelo Estado agora é feito por corporações. A limpeza iliberal e intolerante da vida pública de ideias consideradas ofensivas ou perigosas deixou de ser coisa do Estado para ser coisa da elite empresarial. Quando executivos aceitam fazer esse jogo sujo, ainda que com a melhor das intenções (que pavimentam o caminho do inferno), eles alimentam um monstro totalitário.

Alguns podem achar que é inofensivo acender velas para o Diabo, pagar uma espécie de resgate para “ficar em paz” ou até ganhar alguns pontos com a turba woke. Na prática, estão contribuindo para o avanço de uma mentalidade incompatível com aquela responsável pelo sucesso do capitalismo liberal, calcado na impessoalidade e na meritocracia. É ingenuidade achar que não haverá consequências, que o “outro lado” não vai reagir.

E como isso pode acabar bem? O tribalismo tende a terminar em guerra. Se eu deixar de consumir o refrigerante da minha preferência, e passar a consumir aquele do fabricante cujo CEO parece mais alinhado ao meu pensamento político, como isso beneficia um sistema que depende do mérito, não das conexões políticas? As empresas que politizam seus negócios dessa forma estão brincando com fogo.

Título e Texto: Rodrigo Constantino, revista Oeste, nº 57, 23-4-2021

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