O livre mercado é impessoal e foca os resultados. Mas há grandes executivos querendo alterar essa equação virtuosa do capitalismo
Rodrigo Constantino
Dizem que em países ricos os negócios tentam influenciar a política, enquanto em países mais pobres, com o Estado fracassado, a política é o grande negócio em si. Se isso é fiel aos fatos eu não sei, mas vejo com preocupação a tendência de que parece cada vez mais difícil distinguir uns dos outros. Ou seja, mesmo em países ricos, o grau de simbiose entre política e negócios tem se mostrado bastante além do razoável, e em muitos casos assustador.
Ilustração inspirada em montagem fotográfica realizada pela revista The Economist |
Se decisões políticas podem
mexer com o ambiente de negócios, é natural que empresas tentem influenciar
esse jogo. O problema é quando tudo parece excessivamente politizado. Uma das
grandes vantagens do capitalismo é sua impessoalidade, seu foco na
meritocracia, no resultado. Não compro uma pizza pensando em qual a visão de
mundo do dono da pizzaria, o que ele pensa sobre o aborto ou as armas, mas sim
pela qualidade do produto em relação a seu preço e às alternativas concorrentes.
E é bom que seja assim. Como
Walter Williams já explicou, é graças a esse sistema que o racismo custa caro
para o empresário racista, por exemplo. O racismo é ineficiente do ponto de
vista econômico. O livre mercado, ao contrário da alocação de recursos pela via
política, é do interesse das minorias normalmente discriminadas. Para sustentar
seu ponto, o economista utiliza argumentos teóricos, assim como vários casos
empíricos em seu livro Race & Economics.
A teoria econômica não pode responder a questões éticas; mas pode mostrar as consequências de medidas tomadas em seu nome. Williams alega que as políticas econômicas necessitam de análises desapaixonadas. Afinal, os efeitos muitas vezes não guardam relação alguma com as intenções iniciais. Esse é justamente um caso comum quando se trata de políticas para combater o racismo ou ajudar minorias.
O que o autor mostra no livro
é que diversos problemas que os negros norte-americanos enfrentam não têm
ligação com a discriminação racial. Ele não nega que tal discriminação existe;
apenas demonstra que as principais causas dos problemas estão em outro lugar. E
quais seriam essas causas, então? O que fica evidente ao longo do livro é que
as regulamentações do governo representam o grande vilão dos negros, especialmente
os mais pobres.
No livre mercado, se o
empregador se recusar a contratar alguém por causa da “raça”, ele pagará um
preço por isso, seja por limitar a quantidade de candidatos às vagas, seja por
deixar de empregar gente mais produtiva pelo mesmo salário. Nesse caso, basta o
concorrente ignorar o racismo para ser mais eficiente. Com o tempo, a tendência
é o empregador racista ir à bancarrota.
Em suma, Williams defende o
fim das restrições legais ao mercado de trabalho como a melhor medida para
ajudar as minorias, incluindo os negros. O livre mercado é impessoal e foca os
resultados. Essa é a mais poderosa arma contra o racismo. Infelizmente, a
política de identidades pregada pela esquerda “progressista” ignora tudo isso,
e parte para uma politização que mata a lógica econômica.
Movimentos passam a pregar o
boicote ao restaurante A ou B pois seus donos não são politicamente corretos,
não apoiam certas causas ou candidatos. Esse tribalismo, estendendo-se para o
mercado, pode ser fatal. O foco sai do resultado e da meritocracia e migra para
essas questões ideológicas ou partidárias, como se cada um devesse comprar não
o melhor produto, mas aquele cujos fabricantes pensam de forma política
semelhante a nós. Isso é absurdo.
Mas, por conta do crescente
tribalismo, alimentado pelas redes sociais e pelos “justiceiros sociais”, cada
vez mais empresas se veem tentadas a se manifestar com base no prisma político
ou ideológico. A The Economist recentemente tratou do assunto
numa reportagem sobre o ativismo de CEOs, considerado um negócio arriscado. Ela
abre com o caso da Coca-Cola, que resolveu “lacrar” contra o Estado da Geórgia
este ano, quando seu governador assinou uma lei exigindo identidade de
eleitores. Por algum motivo estranho, os movimentos raciais viram aí racismo,
afirmando que cobrar uma identidade prejudicaria eleitores negros, e o gigante
dos refrigerantes resolveu aderir.
A limpeza iliberal e intolerante da vida pública agora é coisa da elite
empresarial
No The Wall Street
Journal, Harvey Golub publicou um texto na mesma linha, alertando que a
política é um negócio arriscado para CEOs e que é imprudente colocar peso
demais em assuntos que não afetam diretamente os negócios da empresa. Sobre os
vários executivos que se manifestaram com ameaças de boicote ao Estado, Golub
diz: “Conheço a maioria deles pela reputação e alguns pessoalmente. São pessoas
de boa-fé, que se preocupam sinceramente com a nação, suas empresas e seus
funcionários e clientes. A maioria fez um excelente trabalho como líder de suas
empresas. Todos têm o meu respeito e acredito que conquistaram o respeito do
público. Mas eu creio que eles estão errados em assumir posições públicas sobre
esta lei”.
O autor nem entra tanto no
mérito da questão, pois seu foco é outro: “A razão pela qual eu acho que os
CEOs devem ficar em silêncio sobre essa questão não é porque discordo de seu
julgamento sobre os méritos. É porque acho que é errado os executivos assumirem
uma posição da empresa em questões de políticas públicas que não afetam
diretamente seus negócios”. Afinal, eles não falam apenas como indivíduos
nesses casos, mas em nome da empresa e de seus milhares de acionistas. Além
disso, suas opiniões sobre tais temas polêmicos vão inevitavelmente incomodar
acionistas, empregados e clientes que divergem delas. A reação de grupos que
pediram boicote a essas empresas, por boicotarem a Geórgia, comprova o risco
disso.
E é nessa espiral que mora o
perigo. Muitos executivos e empresários adotam posições ideológicas ou
políticas por convicções sinceras, e mesmo assim põem em risco suas empresas.
Outros sucumbem diante da pressão da patrulha, que faz chantagem, ameaças
diretas ou veladas, para extorquir ajuda financeira ou apoio moral. Basta
verificar como age o Sleeping Giants, demonizando publicamente empresas que não
“sinalizam virtude” de acordo com a ideologia esquerdista, que anunciam em
canais “reacionários” ou coisa similar. O fundador do Sleeping Giants, Matt
Rivitz, permaneceu no anonimato até julho de 2018, quando Peter J. Hasson expôs
sua identidade após longo trabalho investigativo. Rivitz, pasmem, trabalha com
publicidade e era consultor de algumas das empresas que achacava por meio de
seu movimento.
Hasson é autor do livro Os
Manipuladores, sobre as Big Techs e sua guerra contra conservadores. Ele mostra
como essas empresas, repletas de esquerdistas no comando, usam critérios
subjetivos e obscuros para censurar o pensamento mais à direita em suas
plataformas, que deveriam ser neutras. Sobre o Sleeping Giants, ele relata como
o movimento de intimidação aos anunciantes foi eficaz para praticamente
destruir o site conservador Breitbart. O grupo instou universidades
e outras instituições a boicotar um fundo de investimentos porque seu
presidente, Robert Mercer, era o principal investidor em Breitbart.
Não demorou muito para Mercer renunciar ao cargo.
Tudo isso mostra que o que
antes era feito pelo Estado agora é feito por corporações. A limpeza iliberal e
intolerante da vida pública de ideias consideradas ofensivas ou perigosas
deixou de ser coisa do Estado para ser coisa da elite empresarial. Quando
executivos aceitam fazer esse jogo sujo, ainda que com a melhor das intenções
(que pavimentam o caminho do inferno), eles alimentam um monstro totalitário.
Alguns podem achar que é
inofensivo acender velas para o Diabo, pagar uma espécie de resgate para “ficar
em paz” ou até ganhar alguns pontos com a turba woke. Na prática,
estão contribuindo para o avanço de uma mentalidade incompatível com aquela
responsável pelo sucesso do capitalismo liberal, calcado na impessoalidade e na
meritocracia. É ingenuidade achar que não haverá consequências, que o “outro
lado” não vai reagir.
E como isso pode acabar bem? O
tribalismo tende a terminar em guerra. Se eu deixar de consumir o refrigerante
da minha preferência, e passar a consumir aquele do fabricante cujo CEO parece
mais alinhado ao meu pensamento político, como isso beneficia um sistema que
depende do mérito, não das conexões políticas? As empresas que politizam seus
negócios dessa forma estão brincando com fogo.
Título e Texto: Rodrigo Constantino, revista Oeste, nº 57, 23-4-2021
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