sexta-feira, 23 de abril de 2021

[Aparecido rasga o verbo] Fogo pelos cotovelos

Aparecido Raimundo de Souza

O DOUTOR AUGUSTO MATRACA
, renomado professor e advogado criminalista foi convidado pelo reitor de uma importante faculdade do interior de São Paulo, ou mais precisamente da Faculdade de Direito de Itu, para dar uma aula show sobre direito penal e falar de seus esboços para serem inseridos na reformulação do Novo Código Penal, caso fosse chamado, para fazer parte de uma comissão que futuramente viesse cuidar da reforma geral e que permitisse, sobretudo, uma sistematização mais séria e objetiva no texto atualmente em vigor.

O brilhante causídico não perdeu tempo. Deu uma aula espetacular, que encantou a todos os que se formariam no final do ano. Para fechar seu discurso com chave de ouro, resolveu definir o Direito Penal com um de seus brilhantes pensamentos, aliás, um que estava no introito de seu livro mais recente:
— O Direito Penal, meus caros e futuros doutores, é um mundo imenso de relações sociais que se interligam harmoniosamente e, dentro do qual, o homem de bem vive a sua vida inteira, sem transgredir as sanções de qualquer um de seus artigos ali existentes.

Em seguida, pediu a um aluno que se especializara na área criminal, que subisse ao palco e transmitisse, também a sua abalização do que, para ele, seria o direito penal como um todo. O aluno em questão, pego de calças curtas e não tendo tempo de pensar em alguma coisa concreta para falar aos seus colegas e, claro, o mais importante, para não fazer feio e dar mancada diante do catedrático da matéria na qual ele se especializara, mandou brasa na primeira ideia que lhe veio à cabeça:
— O Direito Penal... — Começou ele — O Direito Penal nada mais é que um quadrado hermeticamente fechado, tipo um circulo redondamente triangular, com um amontoado de normas insculpidas e desajustadas. Entretanto, estas normas são completamente desconhecidas para os cidadãos leigos e comuns (não para nós que, daqui para frente, lidaremos cotidianamente com seus mais intrincados artigos).

E terminou, assim: 
— A nós, cultivadores do Direito Penal, deveremos saber dimensionar tudo de excelente, que ele nos trará e, onde nossos futuros clientes depositarão aqueles pedaços estragados dos bolos alimentares que estiverem entalados em suas gargantas. Em favor de nossa futura clientela, faremos de tudo —, o possível e o impossível —, para que todos se sintam felizes por terem nos procurado e, claro 'obrado'. Caberá a nós, representa-los em juízo dignamente, observando que, se eles 'obrarem' seus dissabores mais contundentes, nós os limparemos e os aliviaremos de suas dores de barrigas.

O doutor Augusto Matraca, neste exato momento, se levantou, furioso, soltando fogo pelas ventas, prestes a explodir. Derrubou a cadeira onde estava sentado. Os demais professores e diretores estranharam o seu gesto brusco e indelicado. O sujeito, todavia, não se conteve. Estava deveras transtornado. Em sua raiva, fuzilou o aluno com os olhos, como se lhe despisse das roupas.

— Com todo respeito, futuro colega, me perdoe a interrupção. Rogo também que me desculpem os brilhantes e exímios mestres que aqui se fazem à mesa, os alunos formandos que ouviram a minha palestra e, claro, o publico em geral que, igualmente, me prestigiou. Voltando ao que disse o abalizado e competente aluno aqui, ao meu lado, devo esclarecer o seguinte:
— O Direito Penal (tirando os erros da lingua Portuguêsa empregados pelo aqui futuro doutor), pode até ser um circulo de um, ou com um amontoado de novas normas desconhecidas. Todavia, veja bem... Eu disse todavia, com todas as vênias, porém, jamais será um círculo onde o homem comum, simplesmente chegará e ‘obrará’. Pelo amor de Deus, com suas palavras, caro aluno e futuro defensor, eu estou me sentindo acorrentado e impotente. Talvez, não sei, somos (eu e o senhor) como duas ervilhas perdidas no interior de uma vagem...

Tomou fôlego, se serviu de um gole do copo de água e completou:
—... No final, meu caro e nobre, eu irei para um lado e o prezado, para o outro e a vagem, possivelmente, se embrenhará por um direcionamento que nem ela saiba qual seja. Pois bem: concluindo, em cima do que o senhor disse ai, lhe asseguro que esta baboseira toda, nada tem, em comum, com o Direito Penal. Nada! Entenda que, onde o homem ‘obra’, meu caro e futuro advogado, é no reservado de uma privada, ou seja, num banheiro hermeticamente fechado, não de um, ou pôr um círculo redondamente triangular, com um amontoado de normas insculpidas...

E arrematou, em conclusão, sem perder a tremedeira das mãos e a vermelhidão que lhe tomara conta do rosto:
—... Neste particular, o senhor deverá ter em mente, não as normas do Direito Penal, apenas os preceitos e as características de uma privada, com um vaso obeso, uma bacia de porcelana branca que lhe fará as honras ao seu traseiro, para a expelição dos seus bolos alimentares. Consequentemente, tendo às suas costas —, espero —, uma cordinha de nylon para puxar a descarga e permitindo que as porções alimentares saídas de suas entranhas, se esvaiam pelos encanamentos esgotais.

Ditas à ótimo ouvir estas palavras, o sisudo doutor Augusto Matraca fechou a boca e calou a sua matraca. Não só ela. A cara também, de contrapeso. Pediu licença ao imenso auditório e ao corpo de professores e saiu de cena sumindo para a sala reservada onde se reuniam todos os docentes que ali naquele estabelecimento de ensino superior lecionavam.

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, do Sítio Shangri-La - ES/MG, 23-4-2021

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