Aparecido Raimundo de Souza
TÃO LOGO ME SEPAREI da última companheira, passei numa papelaria e comprei um caderninho onde escrevia os nomes das mulheres que foram para a cama comigo. Quando estava casado eu não tinha nenhum caderninho, a minha mulher era muito possessiva e as suas crises de ciúme, além de longas, pareciam mais teatrais que condizentes com a verdade. Ela rasgava as minhas roupas novas. Eu não dava a menor importância à isso. Logo depois ela voltava atrás, passava a mão em mim e me levava para comprar tudo novo.
Eu escondia de Gioconda a existência das outras mulheres que povoavam o meu mundo tresloucado. Ainda não tinha caderninho naquela época, mas já ia para a cama com outras. O ciúme doentio de Gioconda vinha sempre causado por um gesto inocente da minha parte, como olhar uma dona que passava perto da nossa mesa no restaurante, ou rebolando no calçadão da Avenida Atlântica. Às vezes, num mero exercício especulativo, eu imaginava o que ela faria se soubesse que eu devorava outras mulheres, ainda que com os olhos cheios de desejos pecaminosos.
Mas eu não corria riscos. Caderninho de endereços, cartas, retratos, essas coisas clandestinas sempre são descobertas. Por que me separei dela? Talvez porque não aguentasse mais ter que usar as roupas da “última moda” que a Gioconda comprava para mim. Durante algum tempo eu achava graça em mim mesmo enfiado naqueles paramentos. Tenho senso de humor, como todo sujeito preguiçoso. Me lembro de um jantar, presentes as habituais figurinhas que se enfeitam com esmero para essas ocasiões, quando uma das mulheres, uma ruiva bonita, de fechar o comércio, elogiou os meus trajes.
Eu disse que Gioconda os havia escolhido. A ruiva se virou para o marido, um advogado vestido formalmente que suava pelos cotovelos apesar do ar refrigerado, e lhe disse que ele devia seguir o meu exemplo. O resto da noite, os casais presentes — havia profissionais liberais, empresários, escritores, jornalistas, até mesmo uma artista plástica, a maioria trajada conforme os ditames estilísticos da época — discutiram se as mulheres deviam ou não escolher a roupa que os maridos usavam.
Foi um debate acalorado e extenso, o advogado falastrão, que não gostava de mim, foi um dos mais eloquentes. No dia seguinte, empacotei minhas roupas velhas e alguns livros, os de Gabriel García Máques e Fernando Sabino, e mudei de casa. Minha ex-mulher era tão ingênua que rasgou todas as roupas novas, que eu deixara no apartamento, pensando que se vingava de mim, e contratou o advogado paspalhão que suava no jantar para tirar o meu couro, mas ele conseguiu menos do que ela queria. Por minha vez, eu consegui a ruivinha, a mulher dele, que fechava o comércio. De fato, ela fechou o meu.
Minha união com Gioconda havia durado treze anos, dois dias e oito horas, alimentada pela inércia, essa qualidade passiva que faz o sujeito resistir, não importa a magnitude da escala do cantor Richter, aos rotineiros abalos sísmicos de todo casamento. Sou um indolente. Mas a minha preguiça nunca interferiu na minha motivação de conquistar e possuir as mulheres. Só não quero é casar novamente. Jamais. Na vida tudo é motivação. É uma energia psíquica, como dizem os estudiosos, uma tensão que põe em movimento o organismo humano, determinando o nosso comportamento.
Às vezes eu penso que, no meu caso, é também uma maldição. Que mulheres eu queria conquistar? Famosas? Não me interessavam. Uma mulher famosa, não importa a origem da sua celebridade, costuma ter mais defeitos que atrativos, por mais bonita que seja. Ricas? Zero motivo. Cultas? Zero motivo. Elegantes? Isso é interessante, mas não basta — evidentemente não estou falando de roupas, elegância é outra coisa.
Esportivas? Pra quê, pra correr comigo na praia com um daqueles medidores de ritmo cardíaco atado no peito? Zero, evidentemente. Eu queria mulheres bonitas e bem-humoradas. De preferência, de dezoito a vinte e cinco. Só isso. É claro que se fosse um pouquinho feia mas tivesse um corpo muito bonito, tipo a Patrícia Abravanel Faria, filha do Silvio Santos, ela entrava no caderninho. E faria. Aliás, o corpo bonito se fazia mais importante do que o rosto bonito. Que dificuldades eu encontrava para conseguir registrar tudo depois, no meu caderninho?
Eu queria mulheres bonitas, mas às vezes acontecia que a mulher bonita por azar também se mostrava inteligente. Teoricamente, uma mulher inteligente perceberia logo que eu era... Era não, sou um mulherengo inveterado. Teoricamente. Mas, na prática, elas são ainda mais pacóvias do que as burras. Como, por exemplo, a penúltima, chamada Érica, que entrou no meu caderninho. Antes de prosseguir, devo dizer que gosto de pegar, pra comer, a mulher de hoje, no dia seguinte aquele em que a conheço, já que no mesmo dia é um açodamento que deve ser evitado: “a pressa é inimiga da imperfeição”.
Esqueci de dizer à Érica que sei falar francês, qualquer mandrião consegue aprender francês. Érica, jovem demais, não conhecia esse chavão centenário nem o autor da peça, apenas a ópera de Mozart, sabia um pouco de francês, mas como se mostrara razoavelmente inteligente, entendeu que eu dissera uma verdade: “o que nos diferencia dos animais é que bebemos quando não sentimos sede e fazemos amor a qualquer momento”. Faz parte da natureza humana, da nossa essência.
Então, Érica percebeu que devia seguir seus mais puros instintos e foi para a cama comigo. Pude pôr o nome dela no caderninho, com uma breve nota sobre as suas características principais. Podia contar outros casos, inúmeros, porém sinto que estou me tornando prolixo. Mas não posso deixar de falar de Andressa. Um exemplo de caso difícil. Andressa era filha única de novos-ricos — nessa esfera social ninguém dá à uma filha nomes como Maria.
Ela evitou ir para a horizontal
comigo no primeiro dia, no segundo, no terceiro e até mesmo — incrível, não? —
no quarto dia. E olha que eu morava no quinto...
— É assim que você vê as mulheres? Que você me vê? Como um objeto sexual? —, ela perguntou, quando da minha última tentativa. Protestei com veemência, disse que “caíra de quatro”, atraído pelos seus atributos físicos, morais e mentais, pela sua personalidade como um todo.
Senti que minha afirmativa categórica não a convencera. Ela ainda tinha fortes dúvidas a meu respeito, se eu merecia ou não a sua confiança. Para um indolente como eu, essa dificuldade poderia ser desestimulante. Mas, como disse, a minha motivação, ou maldição, se mostrava tão forte e inquebrantável quanto a de Sísifo. Sísifo para quem não sabe, foi aquele que sisi... Consegui, com muito esforço, convencê-la a se encontrar comigo, mais uma vez, no meu apartamento. Eu morava na Barata Ribeiro, numero 200.
Nesse dia crítico, esqueci sobre a mesa da sala o caderninho com os nomes das donzelas, em cuja capa vermelha estava escrito: “As mulheres que amei”. E aconteceu o que não podia deixar de acontecer. Andressa achou a merda do caderninho e pegou-o, estava aparente demais, com a sua capa gritante. As mulheres são curiosas, como sabemos, e essas coisas clandestinas sempre são descobertas por elas. Azar de quem não sabe disso!
Colunas anteriores:
O cobrador da geladeira
E assim, a passos largos, caminhamos para a crucificação encarnada
Receita rápida
O capim dos pastos
Overdose
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-