Olavo de Carvalho
O primeiro desses fenômenos
observou-se na Rússia, na China, na Coreia do Norte, no Camboja, em Cuba etc. O
segundo, na França, a Inglaterra, na Argentina, na Venezuela, nos EUA, no
Brasil e um pouco por toda a parte no Ocidente.
Por quê? E há alguma relação
entre essas duas séries de fatos?
Todo o esquema socialista
baseia-se na ideia de Karl Marx de que o proletariado industrial é a classe
revolucionária por excelência, separada da burguesia por uma contradição
inconciliável entre seus interesses respectivos.
Quando um partido
revolucionário toma o poder numa nação atrasada, predominantemente agrária,
como a Rússia de 1917 e a China de 1949, não encontra ali uma classe proletária
suficientemente numerosa para poder servir de base à transformação da
sociedade.
O remédio é apelar à industrialização forçada, para criar um proletariado da noite para o dia e “desenvolver as forças produtivas” até o ponto de ruptura em que a burguesia se torne desnecessária e possa ser substituída por administradores proletários.
Para isso é preciso instaurar uma ditadura totalitária que possa controlar e
remanejar a força de trabalho a seu bel-prazer (Trotsky chamava isso de
“militarização do trabalho”). Daí a semelhança de métodos entre os regimes
revolucionários socialistas e fascistas: ambos têm como prioridade a
industrialização forçada, com a única diferença de que os fascistas a desejam
por motivos nacionalistas, e os socialistas pelo anseio da revolução mundial.
Já quando a esquerda revolucionária sobe ao poder por via eleitoral numa nação mais ou menos democrática e desenvolvida, ela encontra um proletariado numeroso e às vezes até organizado. Mas é um proletariado que já não serve como classe revolucionária, porque a evolução do capitalismo, em vez de empobrecê-lo e marginalizá-lo como previa Marx, elevou seu padrão de vida formidavelmente e o integrou na sociedade como uma nova classe média, indiferente ou hostil à proposta de revolução.
Para não ficar socialmente
isolados e politicamente ineficazes, os revolucionários têm de encontrar algum
outro grupo social cujo conflito de interesses com o resto da sociedade possa
ser explorado.
Mas não existe nenhum que
tenha com a burguesia um antagonismo econômico tão direto e claro, um potencial
revolucionário tão patente quanto aquele que Karl Marx imaginou enxergar no
proletariado.
Não havendo nenhuma “classe
revolucionária” pura e pronta, o remédio é tentar formar uma juntando grupos
heterogêneos, movidos por insatisfações diversas.
Daí por diante, quaisquer
motivos de queixa, por mais subjetivos, doidos ou conflitantes entre si,
passarão a ser aproveitados como fermentos do espírito revolucionário. O preço
é a dissolução completa da unidade teórica do movimento, obrigado a acolher em
seu seio os interesses mais variados e mutuamente incompatíveis.
Narcotraficantes sedentos de
riqueza e poder, ladrões assassinos e estelionatários revoltados contra sistema penal, milionários ávidos de um
prestígio político (ou até intelectual) à altura da sua conta bancária,
professores medíocres ansiosos para tornarem-se guias morais da multidão, donas
de casa pequeno-burguesas insatisfeitas com a rotina doméstica, estudantes e
pequenos intelectuais indignados com a sociedade que não recompensa os seus
méritos imaginários, imigrantes recém-chegados que exigem seu quinhão de uma
riqueza que não ajudaram a construir, pessoas inconformadas com o sexo em que
nasceram – todos agora marcham lado a lado com lavradores expulsos de suas
terras, pais de família desempregados e minorias raciais discriminadas,
misturando, numa pasta confusa e explosiva, os danos reais e supostos,
objetivos e subjetivos, que todos acreditam ter sofrido, e lançando as culpas
num alvo tão onipresente quanto impalpável: o “sistema” ou “a sociedade
injusta”.
Sendo obviamente impossível
unificar todos esses interesses numa construção ideológica coerente e elegante
como o marxismo clássico, a solução é apelar a algo como a “teoria crítica” da
Escola de Frankfurt, que atribui
ao intelectual revolucionário a missão única de tudo criticar, denunciar,
corroer e destruir, concentrando-se no “trabalho negativo”, como chamava
Hegel, sem nunca se preocupar com o que vai ser posto no lugar dos males
presentes.
O sr. Lula nunca estudou a teoria crítica,
mas fez eco ao falatório dos intelectuais ao seu redor quando, após vários
anos na presidência e duas décadas como líder absoluto
do Foro de São Paulo, confessou: “Ainda não sabemos qual o tipo de
socialismo que queremos.”
Não sabemos, nem precisamos
saber: só o que interessa é seguir em frente – forward, como no lema de
campanha de Barack Hussein Obama –, acusando, inculpando e gerando cada vez
mais confusão, que, em seguida, será debitada, invariavelmente, na conta da
“sociedade injusta”.
Se na esfera intelectual essa atitude chegou a produzir até a negação radical da lógica e da objetividade da linguagem e a condenar como autoritária a simples exigência de veracidade, como não poderia suscitar, no campo da moral social, o florescimento sem precedentes da amoralidade cínica e da criminalidade galopante?
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