Olavo de Carvalho
O segundo traço da
personalidade fanática, assinalado por Victor Frankl, é o desprezo pela
individualidade alheia.
O homem que deseja a riqueza
aprecia o que busca o conhecimento, este respeita o que busca a perfeição
artística, a felicidade no casamento, o sucesso político etc. Um mesmo homem
pode, de modo simultâneo ou sucessivo, perseguir objetivos diversos, cada um
deles traduzindo, na situação do momento, os mesmos valores de base
Para o fanático, só há um
objetivo autêntico: as metas do seu partido ou seita. As outras nada valem em
si mesmas, tornando-se boas ou más conforme se ajustem ou se afastem daquelas.
Digamos, por exemplo, a caridade. Para quem a cultue, é, por si, a meta, o
valor e o critério supremo das ações.
Para o esquerdista fanático, é
um símbolo inofensivo, que adquire valor positivo ou negativo conforme seu uso
político. Num momento pode ser condenada como ilusão individualista burguesa,
noutro enaltecida como virtude máxima do cidadão, conforme apareça como
alternativa autônoma ou como prática social integrada na estratégia de
esquerda, como aconteceu com a “campanha do Betinho”.
Se, no entanto, você insiste
em reafirmar seus próprios critérios, independentemente do serviço ou
desserviço que prestem às metas políticas que ele tem em vista, o fanático tem
de ignorar você como irrelevante ou enquadrá-lo como inimigo. Reconhecer seus
objetivos vitais como independentes, ah!, isto não. Nunca.
Esse reconhecimento
equivaleria a fazer do sacrossanto ideal político que cultua um simples valor
vital entre outros, e isto é precisamente o que não pode admitir de jeito
nenhum. Daí que ele seja incapaz de compreender os outros nos próprios termos
deles.
Ele tem de traduzi-los na linguagem do seu próprio ideal. Isto é, reduzi-los a amigos ou inimigos do partido, e julgá-los em função disso, por menos que caibam nesse molde pré-fabricado.
Eric Voegelin, quando jovem,
não era a favor nem contra o racismo. Era a favor da ciência histórica. Estudou
a história da ideologia racista e, tendo concluído que não tinha nada a ver com
a realidade biológica das raças, publicou essa conclusão num livro. Mas, para
os nazistas, a ciência histórica não era um critério autônomo admissível. A
história tinha de ser a favor do partido ou contra ele. No dia seguinte, a
Gestapo estava no encalço de Eric Voegelin.
Boris Pasternak não era a
favor nem contra o socialismo. Era a favor da boa poesia lírica, da expressão
genuína dos sentimentos humanos. Mas, para o fanático socialista, isso não vale
como critério autônomo. A poesia lírica, se não serve ao socialismo, serve aos
inimigos do socialismo. Pasternak foi condenado à prisão como inimigo do Estado
soviético.
O que o fanático nega aos
demais seres humanos é o direito de definir-se nos seus próprios termos, de
explicar-se segundo suas próprias categorias. Só valem os termos dele, as
categorias do pensamento partidário. Para ele, em suma, você não existe como indivíduo
real e independente. Só existe como tipo: “amigo” ou “inimigo”.
Uma vez definido como “inimigo”,
você se torna, para todos os fins, idêntico e indiscernível de todos os demais “inimigos”,
por mais estranhos e repelentes que você próprio os julgue.
Eu, por exemplo, já fui
catalogado pelos esquerdistas como parceiro ideológico do sr. Lyndon La Rouche, que
por sua vez me considera um porta-voz de tudo o que ele abomina. Haverá como
explicar a ele ou a eles que não tenho nada a ver com isso?
As intenções pessoais da
vítima, aí, desaparecem por completo. Se, por exemplo, você é contra o
socialismo por motivos morais e filosóficos que nada têm a ver com o interesse
das “classes dominantes” que o socialista diz combater, pouco importa: para
ele, você é um ideólogo das classes dominantes.
E, se você responde que o que está em jogo para você é lago de completamente diverso, nem lhe dá ouvidos: você já está catalogado, e catalogá-lo é o máximo de gentileza que ele ode conceder a alguém que, aos olhos dele, só serve precisamente para isso.
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