Com o país precisando acelerar as reformas, os novos comandantes do Parlamento fizeram o contrário: pararam a agenda reformista
Guilherme Fiuza
A crise do coronavírus
consagrou os salva-vidas de Zoom. São verdadeiros heróis da modernidade. Do
aconchego das suas quarentenas vip apontam o dedo (duro),
julgam, culpam, execram geral. É uma beleza. Hoje se você se diz preocupado com
“vidas” você pode até bater em mulher na rua que está liberado. Não viu? Então
olha em volta. Aproveita e repara no Congresso Nacional. Lá também há uma nova
safra de salva-vidas circenses.
Chegou a CPI da covid. O
presidente do Senado havia dito que não era oportuna, pelas razões óbvias. A
prioridade não é salvar vidas? (De verdade, não de mentirinha.) A prioridade
não é achar a saída para o país não afundar na insolvência após essa trombada
sem precedentes? O presidente do Senado tinha razão — e sabia que a motivação
da tal CPI era usar a tragédia para politicagem. Mas nem esperou o plenário do
STF decidir sobre o mandado de segurança concedido pelo ministro Luís Roberto
Barroso e instalou a comissão. Mistérios de um tempo misterioso.
Ainda olhando para o
Congresso, o Brasil achou que estava caminhando para dias melhores após a Era
Maia-Alcolumbre — um dos períodos mais miseráveis da história do Parlamento. E
a dupla queria que esse período fosse infinito. Quase conseguiu — numa manobra
que chegou a ter cinco votos favoráveis no STF à reeleição inconstitucional dos
presidentes da Câmara e do Senado. Contando ninguém acredita. Mas passa a
acreditar se observar o que veio depois.
Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre haviam transformado as duas casas legislativas federais em duas ONGs devotadas a interesses particulares. Concentraram poderes, travaram comissões, ralentaram reformas e dedicaram-se a panfletar 24 horas por dia contra o governo federal — se esbaldando na epidemia de manchetes contra o fascismo imaginário. Depois da derrota do seu candidato à sucessão no cargo, Rodrigo Maia rasgou a fantasia e escancarou o que todo observador mais ou menos atento já tinha notado: a presidência da Câmara dos Deputados tinha sido transformada num comitê de sabotagem contra a agenda de reformas. E depois?
A eleição de Arthur Lira e
Rodrigo Pacheco, respectivamente para as presidências da Câmara e do Senado,
era a preferência do Palácio do Planalto. O país precisava superar aquela
história do Parlamento transformado em trincheira contra o Poder Executivo. E,
na posse, tanto Lira quanto Pacheco foram eloquentes: iam dar um basta no
imobilismo autoritário das gestões anteriores e fazer as reformas
administrativa e tributária andarem, juntamente com o restante da pauta
represada. Em pouco mais de um mês de mandato a nova dupla declarou que era
preciso parar a agenda de reformas para combater a pandemia.
Rodrigo Pacheco foi pedir à
vice-presidente dos Estados Unidos ajuda na vacinação — passando por cima, de
forma retardatária, de uma comunicação já feita pelo governo federal, que é o
responsável pelo plano de imunização. Pacheco depois disse que não sabia disso.
Mas já se juntou a Lira para pedir vacinas à ONU. Será que estão ensaiando para
o parlamentarismo? Ou montando um plano de imunização paralelo?
Resumindo: os sucessores dos
inesquecíveis Maia e Alcolumbre estão, aparentemente, decididos a se tornar
inesquecíveis também. Com o país precisando fazer frente a uma dívida de mais
de R$ 700 bilhões com o socorro emergencial da pandemia — e, portanto, com a
necessidade de acelerar as reformas — os novos comandantes do Parlamento
fizeram o contrário: pararam a agenda de reformas. Eles estão salvando vidas
com e-mail lunático para Kamala Harris, mise en scène na
ONU, coral com governadores contra o governo federal e CPI oportunista.
Pacheco foi coerente e agiu
para que a CPI não se restringisse ao governo federal — considerando que as
ações de saúde e segurança sanitária ficaram principalmente a cargo de Estados
e municípios. A impressão é de que ele e Lira estão tentando sentir a direção
do vento para ver se esse negócio de surfar nas manchetes contra o presidente é
bom negócio e dá futuro. Maia e Alcolumbre fizeram a mesmíssima coisa e
acabaram apostando em cavalo manco. O Brasil está curioso para saber se seus
sucessores vão escolher mancar ou se mancar.
Título e Texto: Guilherme
Fiuza, revista Oeste, nº 56, 16-4-2021
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