Duarte Calvão
Vacinei-me aos 19 anos contra ideologias. Estávamos no início dos anos 80, eu era então estudante de Economia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (que trocaria mais tarde pelo curso de Comunicação Social), e durante pouco mais de um ano militei num partido trotskista, a Convergência Socialista, albergado clandestinamente no Partido dos Trabalhadores (PT), já que a sinistra ditadura militar brasileira, mesmo no seu estertor, ilegalizava partidos marxistas. Desde essa experiência, que acabou por ter um lado positivo, desenvolvi uma imunidade não só contra tudo quanto cheire a marxismo, mas também contra doutrinas que acham que possuem uma espécie de chave para nos explicar a sociedade e a sua história.
Por isso, é para mim estranho
que no Portugal de hoje haja tantos maiores de 30 anos a afirmarem-se convicta
e orgulhosamente conservadores, liberais, democratas-cristãos,
sociais-democratas (não vou mais à esquerda, porque é outro mundo e ainda menos
compreensível), desprezando o salutar pragmatismo que deve guiar a política atual.
Não estou a dizer que essas doutrinas não apresentem ideias e princípios que
nos podem inspirar e orientar, mas mal de nós se os políticos, sobretudo
aqueles que têm responsabilidades de governo, enquadrassem a sua ação numa
qualquer rigidez doutrinária, forçando a realidade a caber na pureza de uma
ideologia.
Passando para o concreto dos dias agitados da campanha eleitoral que vivemos, devo dizer que aprecio a boa educação e as boas intenções dos que professam fé na Iniciativa Liberal, mas não compreendo uma certa infantilidade em acharem que são eles que possuem a tal chave que nos vai resolver todos os problemas. Não por acaso, dizem que nas universidades os liberais disputam com o Bloco de Esquerda as preferências dos estudantes e parece-me muito provável que assim seja, já que é próprio da juventude ser atraída por este tipo de teorias totalizantes e de fácil compreensão. Eu próprio o fui na minha época e por isso longe de mim criticá-los. Além disso, prefiro mil vezes que optem pela “visão” liberal e não na de um marxismo que quanto mais tenta parecer moderno mais limitado e desadequado se mostra. Tomara, portanto, que deem muitos votos e deputados à Iniciativa Liberal.
Mas, mais forte do que esta
busca por enquadramento em doutrinas, há ainda em Portugal uma enorme
necessidade das pessoas em se integrarem numa das duas tribos em conflito, a
Esquerda e a Direita. É uma guerra sem quartel, em que qualquer hesitação ou
dúvida numa identificação total é tratada como uma traição à tribo ou cobardia
em enfrentar o inimigo. Que o diga Rui Rio, que logo num dos seus
primeiros discursos como líder do PSD afirmou-se inabilmente como de centro,
quando devia ter passado por cima da mania destas pessoas que andam com uma
régua a medir quantos centímetros se está mais à esquerda ou à direita, como se
com isso ficassem com uma ideia mais clara das políticas que vão ser seguidas.
Só espero que, na altura de votar, fale mais alto a necessidade de sermos bem
governados, por pessoas com inteligência, decência e bom senso, que sabem lidar
com uma realidade que é sempre muito mais complexa do que as soluções
maniqueístas esquerda/direita e do que aquilo que prescrevem ideologias que nos
querem explicar o mundo.
Título, Imagem e Texto: Duarte
Calvão, Corta-fitas,
16-1-2022
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