segunda-feira, 11 de abril de 2022

[Conversamos com] Mário Florentino: “O professor César das Neves dizia, na altura, que o que se ensinava no ISEG não era economia, mas sim marxismo e imperialismo."

Oi, Mário!
Vamos para a nossa segunda conversa!
A primeira foi publicada em 23 de agosto de 2021.
Você gostaria de acrescentar, comentar, responder, desdizer algo que foi publicado na primeira?

Viva! Que boa essa pergunta, porque me obrigou a ler a primeira entrevista. Que boa entrevista, mérito do entrevistador! Acrescentar algo? Não... quer dizer, é claro que nunca se disse tudo, mas acho que está completa - algo desatualizada, agora, claro - mas completa. Gostei muito de responder a todas as questões. Vamos ver se esta também sai bem 😊

Desdizer algo? claro que não. Está dito, está dito. Vamos em frente. 

Entre o 25 de Abril e o 25 de Novembro qual a data que você mais comemora?

Essa pergunta é muito interessante. Vou contar uma história: quando me casei, eu e a Isabel (a mãe dos meus filhos), tivemos de decidir entre o dia 25 de abril, que nesse ano era uma sexta-feira (e é feriado, claro), e dia 26. Acabamos por escolher o sábado e não o feriado, precisamente para não nos casarmos no dia 25. E por quê? Porque, para ela, o 25 de Abril tinha uma carga negativa, uma vez que associava essa data ao período do PREC, que, como contei na primeira entrevista, foi um período em que o país era dominado pelos comunistas que queriam instalar uma "ditadura do proletariado". Acontece que, nesse período, o pai dela estava na "lista negra" dos comunistas para ser preso (ou até algo pior), por ser considerado "fascista" (claro que ele nunca foi fascista, mas isso não interessava nada). E, portanto, quando a Isabel tinha uns 10 anos de idade, recorda-se de toda a família ter as malas prontas, para, a qualquer momento, se fosse necessário, fugirem para Madrid, e não serem presos. E por isso casamos no dia 26 de abril de 1997, e não no dia 25 de abril.

Mas dando uma resposta mais completa. Na realidade, eu comemoro as duas por igual, para dizer a verdade. É que as duas datas são igualmente importantes: o 25 de Abril derrotou a ditadura de Salazar, e o 25 de Novembro derrotou a ditadura comunista. E, portanto, só em 25 de novembro, como qualquer estudante de ciência política sabe, é que Portugal se torna uma democracia liberal de tipo ocidental. Entre 1974 e 1976 vivemos numa ditadura tão má, ou pior, que a anterior, só que de sinal contrário. O que está errado é o facto de, no ensino obrigatório, isso nunca ser tratado dessa forma. Nos manuais de história do ensino secundário fala-se com grande desenvolvimento do 25 de Abril, enquanto o 25 de Novembro é ignorado. Por isso, a geração dos meus filhos nem sabe o que é o 25 de Novembro, nunca ouviu falar. Para além de que o 25 Abril é feriado, claro. Existe aí um desequilíbrio que não é correto em termos históricos, e não é bom para a democracia liberal.

Eu não desvalorizo a importância do 25 de Abril, atenção. Aliás, acho que, para um liberal, o 25 de Abril é uma data para comemorar a liberdade, e por isso gostei muito que o Iniciativa Liberal tivesse decidido, desde a primeira hora, participar no desfile da Avenida da Liberdade ao lado dos partidos da esquerda. Para mostrar que a esquerda não é dona da liberdade, nem dessa data. O que acontece é que os ideais da liberdade foram depois deitados fora pelos comunistas, durante o PREC, e só foram repostos de novo com a sua derrota no golpe de Ramalho Eanes e Jaime Neves que foi o 25 de Novembro.

Afinal, o Partido Socialista saiu das últimas eleições legislativas com maioria absoluta…

Pois é... Vou responder a essa questão em duas partes. A primeira, tentando explicar por que é que o PS teve maioria absoluta, que ninguém esperava, nem mesmo António Costa, e a segunda tentando perceber o que poderá mudar na nova legislatura.

Como é que o PS teve maioria absoluta, surpreendendo tudo e todos? Creio que há dois fatores principais. O primeiro, a ausência de oposição do PSD desde que Rui Rio está na liderança. Como disse já na outra entrevista, Rio demitiu-se de fazer oposição, elogiou mais o PS do que criticou. Curiosamente, na campanha eleitoral, até esteve bem. Finalmente, foi agressivo e criticou o governo, aí portou-se finalmente como líder da oposição, mas já foi tarde demais. Devia ter feito isso antes, durante todo o mandato. Houve ali um momento, a meio da campanha, que muita gente começou até a acreditar que o PSD poderia ficar à frente do PS, ou que a soma dos partidos de "direita" fosse maior que a dos partidos de esquerda, o que daria a possibilidade de se fazer uma espécie de "geringonça de direita".

Mas, precisamente essa possibilidade que surgiu, acabou por finalmente favorecer o PS, e este é o segundo fator que explica a maioria absoluta. Porque muitas pessoas de esquerda ficaram com medo de que o Rio fizesse esse acordo com a direita para governar. Isso favoreceu, naturalmente, o voto útil à esquerda. Foi esse "medo" da direita - e, em particular o medo do Chega!, que a esquerda aproveitou para dizer que seria impossível o Chega ficar fora desse governo - que fez muitos eleitores do PCP e do BE a, na última hora, decidir votar PS.

E o que temos agora? Vamos ter um parlamento com maioria absoluta, ou seja, o PS poderá fazer tudo o que quiser, sem ter de negociar com ninguém. E isto é mau para a democracia. É mau porque o PS - e em particular este PS de António Costa - tem alguns tiques autoritários e não gosta muito de dialogar, ao contrário do que diz. Se, mesmo sem maioria, o PS "colonizou" grande parte dos lugares-chave do aparelho do Estado, imagine-se o que fará agora... Irá controlar ainda mais, e irá impor as suas opções, tentando discutir com a sociedade o mínimo possível. Esta, em minha opinião, é a pior consequência de termos uma maioria absoluta.

Mas eu não vejo o resultado das eleições como totalmente negativo. Repare-se: o PCP e o BE perderam cerca de dois terços dos lugares que tinham no Parlamento. Reduziram de 31 deputados (19 + 12) para 11 (5 + 6). Isto é, apesar da maioria do PS, o novo Parlamento está mais inclinado para a direita que o anterior. O total  anterior de deputados era 144 para a esquerda e 86 para a direita. E a esquerda reduziu para 132, enquanto a direita subiu para 93. Isto acontece quando os dois novos partidos que só tinham um deputado cada um, o Chega e o IL, passam a ter um total de 20 deputados (12 + 8). Ora, isto será muito interessante de seguir.

Eu tenho imensa curiosidade e expectativa para assistir aos debates no Parlamento com 12 deputados do Chega e 8 da IL. Irão ser lançadas para a discussão pública visões diferentes da sociedade que até agora não entravam no debate, e isso será bom para a democracia. Mas você pode perguntar: "e isso servirá para quê, se o PS vai fazer o que quer na mesma?". Eu não penso assim, porque, numa democracia, haverá sempre algum efeito. O governo, nalgumas matérias, nomeadamente econômicas, será muito pressionado, se estes novos partidos conseguirem ser eficazes nos debates no Parlamento e na sociedade (através dos media, redes sociais etc.). E eu acho que serão. Em particular o IL, tenho grandes expectativas num IL com 8 deputados, sobretudo conhecendo alguns dos deputados eleitos, pessoas com muita qualidade.

E existe ainda outro aspecto que, julgo, poderá eventualmente ser positivo. O PS, no governo anterior (que ainda está em serviço, até o novo tomar posse), estava muito pressionado pelo PCP e pelo BE. Estava sempre a ser chantageado por esses dois parceiros extremistas para aprovar o orçamento, e, portanto, as suas políticas eram mais de esquerda, pois fazia cedências no seu programa político. Agora, não tendo essa pressão, o PS poderá governar mais ao centro, ser mais moderado. Pelo menos nas matérias econômicas, espero que tal aconteça. Até porque estaremos em crise.

É muito trabalhoso escrever, toda a bendita semana, no Cão? 😉

Pois é 😊

É mesmo. Na realidade, é uma experiência interessante, estou a gostar muito, precisamente a diferença é ter essa "obrigação" de escrever todas as semanas. Eu gosto de escrever, por exemplo, nas redes sociais, sobretudo facebook (não consigo adaptar-me ao Twitter), escrevo muito, mas coisas curtas, muitas vezes disparates, ideias que me surgem no momento, em geral ironias e assim...

Mas aqui no Cão que fuma tento fazer um texto mais elaborado, pensado, e isso dá algum trabalho, claro. É preciso tempo, e nem sempre ele existe, com as obrigações profissionais e as outras obrigações que tenho. Mas, quase sempre tenho conseguido, nem sempre no dia combinado, mas quase todas as semanas consigo, e por isso estou contente comigo.😊

A qualidade dos textos é que, se calhar, nem sempre é a melhor. Tipicamente tenho escrito mais sobre atualidade política, mas vou tentar diversificar um pouco os temas, falar mais de cultura, cinema, artes ou outros temas. Vamos ver se consigo.

Sempre aguardando o “Observatório de Benfica”…

Estou convencido de que se Portugal não tivesse tantos extremistas de esquerda, acantonados em universidades, teatros ou teatrinhos, redações de jornais, revistas, pasquins, televisões… Portugal estaria mais desenvolvido economicamente e, quiçá, não dependente de esmolas do Exterior…

Sim, também estou convencido disso. A esquerda tem um domínio muito forte em todas essas instituições e, como tal, exerce muita influência na sociedade. Quando há um debate, em Portugal, sobre qualquer tema, o enquadramento desse debate é sempre, ou quase sempre, feito com base nas premissas da esquerda. E assim é difícil debater. Vou contar um episódio recente. Um dos deputados eleitos pelo Chega foi processado por Francisco Louçã por ter mentido sobre uma ligação ao BES. Há umas semanas saiu a sentença do Tribunal, esse deputado foi condenado, e decidiu recorrer. O que achei curioso foram as suas palavras à saída do Tribunal, quando disse: "não foi para isto que fizemos o 25 de Novembro!". Estava a reclamar da decisão, porque, segundo ele, a liberdade de expressão deveria ter prevalecido. Independentemente de ter razão ou não - não me vou pronunciar sobre isso, pois não conheço o caso com pormenor - o que achei piada foi essa frase. Foi a primeira vez que a ouvi no espaço público. Até aqui a frase usada por todos, sejam de esquerda sejam de direita, era sempre "não foi para isto que fizemos o 25 de Abril". Ou seja, até agora, mesmo os políticos de direita falavam sempre no 25 de Abril e nunca no 25 de Novembro. Até os deputados do PSD e CDS. Todo o debate estava inquinado à partida. Foi preciso esperar 48 anos isso mudar, e eu ouvir pela primeira vez a expressão: "não foi para isto que fizemos o 25 de Novembro". Curioso e significativo.

Mas o impacto mais relevante deste enviesamento, e respondendo à pergunta, é naturalmente a nível económico. Essa mentalidade esquerdista, socialista, estatista, claro que não é nada favorável ao crescimento económico. Este só se consegue com a mínima interferência do Estado, e com os agentes do mercado, consumidores e produtores a agirem livremente na procura da satisfação dos seus interesses individuais. Qualquer estudante do primeiro ano de economia sabe isto. E o Prémio Nobel Friedrich Von Hayek explicou isso muito bem, tal como Milton Friedman, apenas para referir dois autores mais conhecidos. Os portugueses deviam ler. Aliás, cabe-me aqui referir o papel muito relevante do Instituto Mais Liberdade que, neste campo, tem feito um trabalho muito meritório ao divulgar obras de autores liberais pouco conhecidos, e pouco estudados nas universidades, como esses e outros. E também ao nível de diminuir uma certa iliteracia em matérias econômicas e financeiras que existe em Portugal. Há conceitos básicos de economia e finanças que, por exemplo, no Reino Unido, toda a gente conhece, ao contrário do que acontece aqui, e muito por causa desse viés estatista, esquerdista. Só assim, Portugal poderá crescer economicamente, e como diz, ser menos dependente do exterior. Estamos há mais de 20 anos sem crescimento económico. E, nesses últimos 20 anos, 14 ou 15 foram com o PS no Governo.

Deixe-me dar outro exemplo, eu estudei Economia na Universidade Católica, e até nesta faculdade, considerada "liberal" e favorável ao mercado, não ouvi uma única vez falar em Hayek durante toda a licenciatura. Imagine-se o que acontecia, nessa altura, nas outras faculdades. O professor César das Neves dizia, na altura, que o que se ensinava no ISEG não era economia, mas sim marxismo e imperialismo. Penso que agora as coisas já estão bastante diferentes, felizmente, nos cursos de economia. Mas em tudo o que seja ciências sociais, sociologia, história, filosofia etc., continua a existir claramente um domínio da esquerda nas universidades. 

Sobre o senhor Rui Rio, vai ver que ele nunca foi oposição ao governo de Antonio Costa. Aliás, a única oposição que se lhe conhece foi ao governo de Pedro Passos Coelho… 😉

Sobre o Rui, pois... Enfim, eu já escrevi várias vezes que ele deve ter sido o pior líder da oposição de sempre. Simplesmente, ele demitiu-se da sua função de oposição ao governo. Basta referir que foi ele que propôs a redução dos debates no Parlamento de quinzenais para mensais. Isto é absurdo, como é que um líder da oposição pode fazer isto? Dá vontade de rir... Enfim, eu tinha uma brincadeira com um amigo em que dizíamos que ele parece um militante do PS infiltrado dentro do PSD para destruir o partido. Se fosse mesmo isso, não teria tido mais sucesso nesse objetivo do que teve Rui Rio. A verdade é que não me apetece falar muito mais de Rio, ele pertence já ao passado, acho que todos os simpatizantes do PSD só estão à espera de que ele saia o mais depressa possível da liderança, e que venha outro qualquer, para o partido ter salvação e não desaparecer. 

Mas interessa-me, sim, falar de Passos Coelho, já que o mencionou. Para mim foi o melhor primeiro-ministro que tivemos, sem sombra de dúvidas. Há dois episódios - e estes dois bastavam, pelo seu significado, embora haja muito mais - que me levam a considerar isso. Desde logo, o facto de ele ter dito "não" a Ricardo Salgado. Todos os outros PM anteriores tinham sido confrontados com o mesmo pedido que Ricardo Salgado lhe fez, ou seja, de apoiar as malfeitorias e ilegalidades do BES e do grupo Espírito Santo, e todos esses responderam sempre que "sim, claro, sr. doutor, o senhor manda". Passos Coelho foi o primeiro a dizer "não", e fez muito bem. Fica para a história como o primeiro governante que recusou pactuar com a corrupção da chamada "alta finança". Depois, o segundo episódio é o da chamada "crise do irrevogável", em que Paulo Portas tenta dar um golpe típico da "baixa política", e toda a gente pensava que Passos se iria demitir.

Mas Passos Coelho mostrou ser um verdadeiro estadista e disse: "não aceito a demissão, nem me demito; não viro as costas ao meu país". É raro um político ter esta firmeza e colocar sempre os interesses do país à frente dos interesses particulares. E foi o que ele fez. Depois, além disso, há ainda o facto de ter conseguido que Portugal saísse do período de intervenção da Troika, e, portanto, recuperasse as suas contas e a sua liberdade orçamental. É incrível como o PS e Costa, mal-agradecidos, ainda têm a incrível lata de criticar o legado do governo de Passos Coelho, que foi o que lhes permitiu ter orçamentos equilibrados e adotar as suas políticas nestes últimos anos.

Resumindo, creio que um cada vez maior número de portugueses reconhece o valor do governo de coligação PSD/CDS, que tirou o país da crise, e sobretudo reconhece o valor de um político e estadista raro e único como é Pedro Passos Coelho. E espero, naturalmente, que no futuro ele volte a desempenhar cargos de relevo, como tenho a certeza de que acontecerá.

Bah… depois dessa vou me encolher à minha insignificância… volto daqui a um mês… 😁😂

Não sei por que… mas lembrei de Marcelo Rebelo de Sousa, outra potestade de oposição a Passos Coelho…

Sim, pois é. Eu já falei um pouco do Marcelo na entrevista anterior, creio. Eu gosto do Marcelo, da pessoa, do professor, comentador, político. Se reparar, ele chegou ao topo, teve grande sucesso, nessas três profissões, o que não é para todos. Outra coisa é o Marcelo enquanto presidente da República. E isso, eu, enquanto eleitor dele, na primeira eleição, tenho todo o direito, e dever até, de criticar, e acho que fez um mau mandato. Na segunda eleição já não votei nele. Por que é que foi um mau mandato? Sobre o estilo até não sou tão crítico como outros. Claro que o estilo que ele adoptou é o de "Presidente-Rei", como Mário Soares, de proximidade com as pessoas. Isso, ele faz bem, porque tem a ver com a personalidade dele, não poderia ser de outro modo. Talvez exagere um pouco, isso concordo (não era preciso exagerar como aparecer na praia a trocar de fato de banho, enfim...). Mas o pior do mandato foi a cooperação exagerada com o Governo do PS. Na maioria dos casos, demasiados mesmo, foi uma espécie de "bombeiro" do governo, sempre a aparar os "golpes". E isso foi mau, nem é só por eu ser crítico do Governo, é porque é isso que compete a um PR. O PR deve ser, de alguma forma, um "contrapeso", é isso que se espera dele. E, portanto, fez um mau mandato, e por isso não votei nele na segunda eleição.

Mas, agora no segundo mandato, vamos ver como será o "novo" Marcelo. Há, para já, uma coisa que lhe correu mal, que foi o PS ter maioria absoluta. Ele, como todos, não estava à espera disso, e isso vai condicionar a sua atuação, ficará mais limitado para vetar leis do Parlamento etc. Ainda assim, e sendo Marcelo, creio que, quando não concordar com o Governo, saberá inventar novas formas de intervir, ele é criativo, isso temos de reconhecer. Além disso, há agora a Guerra na Europa. Veremos, vai ser um mandato interessante observar a relação entre ele e Costa, agora com contexto completamente diferente do anterior.

Falando em presidentes, qual a sua avaliação do político Aníbal Cavaco Silva?

Cavaco Silva é um pouco o oposto de Marcelo, enquanto presidente. Mas antes foi primeiro-ministro. Acho que os governos de Cavaco Silva foram bons governos. Se analisarmos os dados, foi o maior período de desenvolvimento económico que tivemos nos últimos anos, claro que beneficiando de terem sido os anos imediatos a seguir à adesão à União Europeia. Mas houve também, claro, aspectos negativos nos governos de Cavaco, nomeadamente alguma promiscuidade entre a política e os negócios, com interferência do Estado nas grandes empresas etc. Cavaco Silva não é um liberal, muito pelo contrário. Essa promiscuidade e falta de transparência é sempre uma consequência negativa das maiorias absolutas, embora eu ache que, nesse aspecto, em geral, o PS consegue ser sempre bem pior que o PSD. Mas os governos de Cavaco também tiveram esse lado negativo, para além do próprio perfil dele, que, para o meu gosto, é um perfil um pouco autoritário, e isso refletiu-se na sua forma de governar.

Depois, enquanto PR, creio que Cavaco Silva esteve melhor. Foi um melhor Presidente no global do que foi Primeiro-ministro. Como PR teve um bom entendimento, sobretudo com Passos Coelho, e isso permitiu o sucesso do programa da Troika, e a saída da crise. Para além disso, Cavaco esteve bem ao exigir, já no primeiro governo de Costa, o da geringonça, um acordo escrito do PS com os partidos da extrema-esquerda, que ele sabia não serem de confiança. Isso foi bom, como se viu depois no governo seguinte, em que Marcelo já não exigiu esse acordo, e deu o resultado que conhecemos.  

No global, acho que Cavaco foi um bom político, porque soube sempre colocar os interesses do país acima dos interesses pessoais. E, goste-se ou não do seu estilo, há uma verdade indesmentível: foi o único político português que teve votação acima dos 50% em 4 eleições, duas para o Parlamento e duas para a Presidência.

Embora eu não assista a telejornais nem leia a imprensa escrita, d’aqui e d’além-mar – digo isto como mera informação –, tenho nítida impressão que só se fala e escreve (comenta, analisa) sobre a Ucrânia. E pelo que vai chegando a mim via Facebook, Twitter, e-mails de correspondentes e amigos, percebo essa enxurrada ‘informativa’ como maniqueísta: só existe o reino da luz (o Bem) e o das sombras (o Mal). É isso mesmo?

Peço vênia para ressaltar que esta revista virtual, através de seus colunistas – livres e independentes – e de princípios do bom jornalismo, vem publicando artigos e opiniões não conformes a esse maniqueísmo…

Sobre a brutal e criminosa Invasão da Ucrânia, pela Federação Russa de Putin, quero desde logo começar por dizer que tudo o que temos estado a assistir desde há um mês causa uma tristeza e uma dor imensa, e é algo que ainda há dois meses pensávamos inimaginável estarmos a assistir em plena Europa. As imagens que vemos nas televisões e nas redes sociais todos os dias são uma coisa que não deveria acontecer jamais, vejo a minha filha angustiada todos os dias quando estamos sentados a jantar, pelas imagens a que assiste. Mas também não lhe escondo essas imagens, acho que ela já é crescida (tem 16 anos) e faz-lhe bem perceber o mundo, falamos sobre o tema. Dito isto, temos agora a consciência que vivemos um tempo de transição, deu-se uma mudança nas relações das grandes potências, no dia 24 de fevereiro, e o mundo nunca voltará a ser como foi. O que acontecerá - se uma nova "guerra fria" ou algo diferente - ainda não sabemos, depende dos acontecimentos que estão a suceder-se todos os dias.

Agora, para mim, uma coisa é clara. Não podemos ser neutros, isto é um assunto muito sério, é algo que divide o "Mundo Livre" (como diz o historiador Timothy Garton Ash) do resto do mundo. Eu não sou neutro, sei muito bem de que lado estou, ninguém pode ser neutro numa coisa destas. Uma guerra não é um debate académico em que se discutem questões filosóficas, como escreveu há dias o João Marques de Almeida no Observador. Há um agressor e há um agredido, a Ucrânia estava sossegada, e houve um outro Estado soberano que invadiu o seu território, desrespeitando todas as regras de direito internacional. Como se pode ser neutro? Não há aqui equivalências morais entre um lado e outro. De um lado estão os nossos valores, aquilo em que acreditamos, a democracia, a Liberdade, o valor da vida; do outro lado está a tirania, a escravidão de um povo submetido a um ditador. Como podemos ser neutros? Impossível. Só podemos e devemos estar do lado da Liberdade, e apoiar a heroica resistência do povo ucraniano contra a brutal agressão e guerra criminosa que mata milhares de civis. Esse povo, liderado por Zelinsky, está neste momento a defender o Mundo Livre, o Ocidente, os nossos valores.

Há é outra coisa. Pode-se criticar o Ocidente, pode-se e deve-se, claro, por decisões erradas no passado. Isso também eu faço e todos fazem. Agora essa é outra discussão, não se podem, nem devem misturar as coisas. Dizer: "a Rússia tem o direito a invadir porque os EUA também invadiram o Iraque" é completamente absurdo. Então isso seria o mesmo que dizer que Hitler tinha o direito de invadir todos os países europeus. Qual o sentido disso? Não misturamos as coisas. É que depois, em sequência desse argumento, defende-se que o melhor para a paz era a Ucrânia render-se e aceitar as condições de Putin. Como assim? que absurdo. Era o que faltava: não lutarmos pelos nossos valores, não defendermos a Liberdade. Se não o fizéssemos, então Putin seguiria conquistando mais territórios, como já se percebeu que é o seu objetivo, recuperar toda a área de influência da ex-União Soviética. O Mundo Livre tem de resistir e lutar, sobre isso não tenho dúvidas.

Quanto à questão que coloca, que parece que nos media só existe o "Reino da Luz e das sombras", não sei... Por acaso não tenho essa sensação aqui. Tive na pandemia Covid, aí, sim, pelo menos aqui em Portugal, foi uma coisa nunca vista, só podia haver um discurso, o do politicamente correto. Quem se atrevesse a duvidar ou a criticar as medidas do governo, confinamentos etc., era imediatamente excluído dos media, deixava de ser convidado, era quase banido da sociedade. Aí creio que foi muito abusivo, inclusive nas redes sociais, com o Facebook e outras redes a censurarem de forma escandalosa (a meu ver) tudo quanto era voz dissonante sobre a pandemia.

Neste tema da Guerra, já não vejo tanto isso. Há até um tal de Alexandre Guerreiro, que teve bastante palco nas TVs, e continua a ter, bem como vários militares que são comentadores todos os dias, e que criticam muito fortemente a Nato, o Ocidente, os EUA, e alguns deles até com um discurso bastante pró-Putin.

Atenção que eu não defendo que esses comentadores pró-Russos não devam falar, pelo contrário. Precisamente porque vivemos no Mundo Livre, todos têm direito a expressar a sua opinião, por mais absurda que seja. É precisamente isso que nos separa de regimes como o de Putin, lá é que não se pode ter opinião divergente, e quem tem, ou quem faz manifestações contra a guerra é imediatamente preso, e todos os canais de TV livres e redes sociais foram proibidos e barrados. Ou seja, lá é que só há o reino da luz (o de Putin), e o das sombras (o Ocidente). Cá felizmente que não temos isso.

Também fica a impressão de que a “imprensa” lusófona não publicou sobre o “Comboio da Liberdade”, no Canadá, nem dez por cento do que publica sobre a Ucrânia…

Sim, isso é verdade. A história do "Comboio da Liberdade" no Canadá foi totalmente ignorada aqui em Portugal durante as primeiras três semanas. Ninguém falou no assunto, era como se não existisse. Enquadro isso no tema da Pandemia, claro, era assunto tabu, não se podia saber, era perigoso. Até que perceberam que era mau demais continuar a ignorar. Mas achei interessante que as primeiras notícias nos telejornais das TVs falavam do assunto como se ele fosse novidade, quando ele já existia há três semanas, não quiseram dar parte fraca.

A matéria-prima da notícia não é mais exatamente a informação, muito menos a reflexão, menos ainda o pensamento, mas somente a emoção. Exclusivamente. Sob o pretexto de informação se fabrica a emoção. Não a emoção natural, espontânea, mas a emoção usinada…

Enfim, é isso que diz, a informação já não conta, apenas a emoção, mas a emoção associada ao "politicamente correto", àquilo que é suposto dizer-se ou ao que está na "moda" em cada momento. Nesse aspecto, pode falar-se um pouco num retrocesso em termos de liberdade de expressão.

Eu diria que há dois fenómenos de sentido contrário, nos últimos anos. Por um lado, há o alargar da informação e das fontes de notícias a muito mais pessoas, através das redes sociais. No sentido em que antes só os jornalistas tinham acesso às informações, e agora qualquer um pode produzir os seus próprios conteúdos e divulgá-los para todo o mundo. Isso é bom para a liberdade de expressão. Mas, por outro lado, quer nos media tradicionais, com esse tal "politicamente correto", há um condicionamento do que se informa, e da forma como se informa, e isso vai no sentido de diminuir a liberdade. E, nas próprias redes sociais, como referi atrás, há o cancelamento, a censura. Alguns temas são proibidos, não se pode dizer isto ou aquilo, porque se é penalizado por 30 dias ou banido. Até o Trump foi expulso do Twitter, não é? Curioso, uma rede social privada consegue "calar" um ex-Presidente dos EUA. Há uns anos isto seria inimaginável. Solução para isto? Não sei, não sei como resolver este assunto, e manter o máximo de liberdade de expressão e de informação. Há também o debate sobre as “fakes news", que é complexo. O que é "fake news"? O que é violento? O que deve ser proibido, se é que alguma coisa deve ser proibida? Nada disto tem respostas fáceis...

Acho que o que estamos a viver são tempos de transição, estamos a aprender a lidar com estes novos fenómenos em todo o mundo. E talvez, daqui a uns anos, se consiga atingir um equilíbrio e uma nova forma de lidar com a informação. Não sei se, no final, será melhor ou pior do que foi na era anterior às redes sociais. Espero que não seja pior, mas também não estou muito otimista. Veremos.   

Aliás, meu paciente amigo, falando em valentes e valentões, o que faz António Guterres, português, socialista, na ‘valente’ – o que seria de nós, meros números neste imenso e cobiçado planeta, sem a ONU?

Pois é, a ONU, Organização das Nações Unidas. Pelo que se vê desde o dia 14 de fevereiro, infelizmente, a ONU não tem servido para manter a Paz. Como também tem sido incapaz em vários outros conflitos que infelizmente existem noutras partes do Mundo, e sobre os quais agora se fala menos, porque está tudo centrado na Ucrânia. Parece que há um processo de reforma para expandir o Conselho de Segurança para 25 membros, enfim... eu não tenho soluções, e não sou especialista nesta matéria.

Sobre António Guterres, em primeiro lugar, diga-se que eu tenho orgulho em que um português, qualquer português, ocupe um cargo internacional com esta relevância. Anteriormente Diogo Freitas do Amaral também foi Presidente da Assembleia Geral da ONU, Durão Barroso foi Presidente da Comissão Europeia, e outros portugueses ocuparam, e ocupam, lugares de destaque em Organizações Internacionais. Penso que isso é muito positivo, porque eu sou daqueles que pensam que Portugal tem um contributo a dar ao Mundo, devido ao nosso passado, à nossa história.

Sobre António Guterres, como político, apesar de ser socialista, não tenho uma ideia assim tão negativa dele, o seu Governo não terá sido dos piores (tendo em conta que é um governo socialista, claro...). Talvez o seu pior "legado", tenha sido o facto de ter sido no seu Governo que o senhor José Sócrates chegou a ministro... e, portanto, fica com esse peso da responsabilidade... Como Secretário-Geral da ONU já vai, entretanto, no segundo mandato, e ainda não deu um contributo relevante que seja digno de nota. Aguardamos o resto do mandato. 

A last word about Ukraine: o meu pequenino estômago se revolve (e revolta) ao ler ou ouvir Joe Biden. O cara está se cagando para a Paz, o que ele quer é guerra! O que essa abécula fala do conforto e segurança (do FBI, da CIA e o Ka4) se limita a ofender e insultar Putin… E a imprensa, a mesmíssima, aqui e além-mar, que se ocupava em matracar Donald Trump, pinta essa figura como ícone da… “liberdade”!! O que o seu estômago responde?

O meu estômago😊 Sim, é uma boa questão. Vamos ver. Em primeiro lugar, volto a referir que, nesta guerra, sei bem de que lado estou. Não há aqui equivalências morais de modo algum. Há democracia de um lado e autocracia do outro, além disso um Estado soberano que invadiu de forma brutal um outro Estado soberano na Europa. Portanto, não podemos vacilar nisso, e por mais argumentos que leia - e tenho lido muitos ao longo deste mês - não há aqui qualquer equivalência, e temos de estar, todos, no Mundo Livre, do lado da Ucrânia, neste conflito.

Aqui gostava de citar um artigo do Miguel Esteves Cardoso no Público, que escreveu: "nós podemos escolher entre os EUA e a Rússia, mas a invasão da Ucrânia é a invasão da Ucrânia. Não é a invasão dos EUA; é a invasão da Ucrânia pela Rússia; não é a invasão da Ucrânia pelos inimigos dos EUA". E conclui: "complique-se o que se quiser complicar, a questão da Ucrânia é muito simples e exige de nós uma resposta igualmente simples: estar totalmente do lado da Ucrânia e totalmente contra a Rússia". Ponto final. 

Dito isto, pergunta-me sobre Biden. Bom, eu acho que Biden tem tido alguns discursos errados, nomeadamente quando chamou "carniceiro" a Putin. É evidente que Putin é um carniceiro e muito pior até, mas eu e você podemos dizer isso, eu posso escrever isso num artigo de opinião ou no Facebook. Mas é evidente que Biden, sendo Presidente dos EUA, e com as responsabilidades que tem, não pode dizer isso, porque ele poderá ter de se sentar daqui a uns dias na mesa das negociações, e, portanto, ele fez mal em dizer isso. Se ele quer guerra, e não a Paz, isso não sei, agora que o Putin quer a guerra, isso não há dúvidas, pois foi ele que a começou. E, ainda por cima, quer uma guerra suja, pois, pelos vistos, mata civis e militares, hospitais, escolas etc., indiscriminadamente.

Sobre o Trump, eu não vou entrar na discussão esquerda versus direita americana (ou seja, Democratas vs Republicanos), porque os temas de política de lá são muito diferentes dos nossos. É verdade que o Trump era visto na Europa, e em quase toda a imprensa, como um "diabo" e todos falavam que "agora é que vinha a 3ª guerra mundial".

Afinal, não só não veio com Trump, como parece poder vir agora com Biden. Enfim, esperemos que não. Mas o Trump foi muito diabolizado, muitas vezes injustamente (como nessa área da política internacional), mas também era um líder demasiado populista para o meu gosto... Muitas vezes critiquei o Trump, tal como crítico agora o Biden, claro. Faz parte.

Para finalizar então este tema da guerra na Ucrânia, queria apenas falar de mais uma pessoa. O Zemlinsky, presidente desse grande país. Que grande líder que ele se está a revelar. Deixe-me dizer que tenho visto muitas críticas sobre ele, que era um comediante, que não tem perfil de político, que chegou ao poder com apoio de oligarcas e dos media etc. Pois bem, isso não sei se foi assim ou não foi, se foi pode ser alvo de crítica por isso, naturalmente. Mas o que me interessa é o dia de hoje, e o que ele está a fazer agora.

E ele revelou-se desde o dia da brutal invasão de Putin, como um verdadeiro líder do Ocidente e do Mundo Livre. Ele está a resistir de uma forma corajosa e heroica, como há muito não via noutro líder na Europa, e ganhou o respeito de todo o Ocidente. Se ele não tivesse tido essa posição de coragem e de defesa da sua terra e do seu povo, talvez o Ocidente não tivesse reagido desta forma que reagiu, unindo todos à volta de um reforço da NATO e da UE, no fundo dos valores ocidentais do Mundo Livre. Ele deve, sim, em minha opinião, ser comparado a Churchill. Que grande líder tem a Ucrânia e esse povo corajoso. Felizmente.

Tem acompanhado a atualidade política francesa?

Não. Infelizmente não tenho. Sei que haverá eleições este ano, e que havia um candidato de extrema-direita, o escritor e jornalista Éric Zemmour que parecia estar bem-posicionado, até à frente da Marine Le Pen, com possibilidades de ir à segunda volta. Claro que tudo isto foi antes de iniciar a Guerra na Europa. A partir daí não acompanhei, mas imagino que com o novo cenário as coisas já tenham mudado um pouco, e que será mais fácil para Macron vencer. É isto, correto? Mas fora isto, não tenho acompanhado.

Pois, presumo que nada leu, nada escutou, nada viu, na mídia portuguesa, sobre o “Scandale McKinsey”…

Sim, isso é verdade. Não vi nada mesmo na mídia portuguesa, pois tem estado focada quase a 100% na guerra, como antes estava quase a 100% focada na pandemia.

Os temas que passam nos média são uma questão de "modas" e não de informação, ao que parece. Estou a ouvir falar desse escândalo agora pela primeira vez. Fui investigar um pouco nestes minutos. Vejo que é um tema de corrupção em que o governo de Macron é acusado de ter favorecido essa empresa de consultoria, certo? E que ainda por cima ela não terá pago impostos. Pois, investigue-se... a corrupção é algo que teima em permanecer nas nossas democracias.

E quanto mais Estado, mais corrupção, isso é conhecido.  

Pois é… pois é…

Para desanuviar um pouco… vamos pra um bate-bola?

Filme (ou filmes) inesquecível:

Ui, tantos. Vou referir só alguns: "A vida é bela", de Roberto Benigni; "Amores Perros", do Alejandro Gonzalez Iñarritu; e "O segredo dos seus olhos" de Juan José Campanella. Se calhar vai ficar surpreendido com isto, mas eu adoro filmes argentinos e brasileiros, o cinema da América Latina tem muita qualidade. E também sou fã do cinema francês e espanhol. Com a Netflix e as outras plataformas podemos agora ver ainda mais filmes de qualidade em casa, o que é fantástico. Ah, vou referir mais um, que não resisto: "O Padrinho", do Coppola.

Músicas inesquecíveis:

Bom, músicas é ainda mais difícil escolher, porque eu sou um eclético, gosto de estilos muito diferentes, desde o Fado até ao Rock, passado pela música Celta. Mas vou referir alguns artistas preferidos. Portugueses, o Zeca Afonso e o António Variações. Adoro música brasileira também, Tom Jobim, Adriana Calcanhoto, Elis Regina… Mas vou destacar duas músicas, porque têm significado especial para mim: "Concierto Aranjuez", interpretado pelo Paco de Lucía, de que há também uma interpretação da Amália Rodrigues, lindíssima, e "Lost on You", da Laura Pergolizzi. E fico-me por aqui, senão ficava o dia todo a referir músicas inesquecíveis 😊

  

Cidade mais bonita de Portugal:

Essa tenho de responder: Lisboa😊 

Porque é a minha cidade, claro. Lisboa é mesmo uma cidade muito bonita. Mas claro que há muitas outras, gosto do Porto, que é uma cidade que só tenho descoberto melhor nestes últimos anos. 

Lisboa está melhor, nos últimos 20 anos tornou-se mais cosmopolita e ainda mais bonita, a meu ver. Há quem critique isso, e dizem: "que saudades da Lisboa da minha infância". Eu não vejo as coisas assim, penso que tudo evolui, e a evolução das cidades é necessária. Hoje em dia, quando caminho por Lisboa, e ando cada vez mais a pé, descubro novos recantos lindos da cidade, mesmo em zonas próximas de onde morei, recantos em que nunca tinha reparado. Isso é mágico em Lisboa, como em muitas outras cidades. Mas, claro, Lisboa tem a famosa luz, e tem o Tejo, enfim é a minha cidade, e sou apaixonado por ela. Depois, há Sintra, Cascais (concelho onde vivi muitos anos), Óbidos, Portugal tem muitas cidades e vilas bonitas. Das vilas, gosto de Monsaraz [foto], uma vila medieval no Alentejo, que tem também um significado especial para mim.

Qual o pintor (ou pintores) que mais o influenciam:

Tenho vários. Devo dizer que o meu conhecimento sobre pintura não é assim tão grande, a pintura é um hobby recente. Comecei a pintar em 2019 quando me inscrevi para ter umas aulas no ateliê do Rui Carruço. O que se faz nessas aulas é aprender algumas técnicas básicas ao pintar precisamente obras conhecidas. Eu já pintei réplicas de quadros do Júlio Pomar, do Monet, do Chagall, do Francis Smith, entre outros. Não tenho um preferido, alguns amigos meus dizem: "usa aqui o teu estilo". E eu penso: "mas qual é o meu estilo?", eu ainda não tenho um estilo próprio, estou muito no início.

Gosto muito do Júlio Pomar, gostei muito de pintar o Fenando Pessoa, por exemplo. Mas também gosto muito do Chagall, a mistura de cores que ele faz é impressionante, claro que não consigo imitar. Mas ainda vou descobrir o meu estilo próprio. Sou um aprendiz. 

Quadro de Mário Florentino
E livros?

O Livro do Desassossego, claro, de Pessoa. Uma mente desassossegada como a minha só podia escolher este. Romances, recomendo "O Fio da Navalha", do Somerset Maugham, que só li recentemente. E, já que grande parte desta entrevista foi sobre política, vou recomendar dois clássicos do pensamento liberal, para o caso de algum leitor querer iniciar-se no liberalismo, que tanta falta faz na política portuguesa. "O Caminho da Servidão", do Friedrich Hayek, e "Liberdade para Escolher" do Milton Friedman


A pergunta que ficou faltando?

Depois de duas entrevistas, acho que não está faltando nenhuma pergunta😉

Mas, se estiver, fazemos um dia uma terceira entrevista.

Well, chegou a ter dúvida?! 😊

Sua mensagem para os nossos leitores, d’aquém e d’além-mar:

Há dias estava a arrumar uns papéis velhos, que vieram da casa dos meus pais, e encontrei um pequeno texto escrito pelo meu pai. Ele resumia um pouco o que foi a sua carreira profissional, a propósito do jantar de comemoração dos 50 anos da sua licenciatura em engenharia. Nesse texto, ele fala nas várias interrupções que foi forçado a fazer na sua carreira, porque foi chamado para a Guerra do Ultramar, e no final conclui assim: "Casei com a Digna em 1965. Temos 4 filhos e 7 netos. Espero para eles uma época melhor do que foi a nossa". Se eu tivesse lido o final deste texto há um ano, não me teria causado tanto impacto, mas agora, não pude deixar de me emocionar, foi como um "murro no estômago".

Nestes dias, em que todos assistimos incrédulos a esta Guerra, algo a que nunca pensamos assistir - uma guerra que não é como as outras, porque esta vai deixar marcas profundas na Europa e nas nossas vidas, indiscutivelmente - eu penso no futuro dos meus filhos, e muitas vezes penso em como será a vida deles daqui a dez, vinte ou trinta anos. Antes desta guerra, nunca me passava pela cabeça que a vida deles não fosse tranquila e feliz. Agora, enfim... continuo a estar otimista, porque sou otimista por natureza, e vejo sempre o lado positivo das coisas, e por isso ainda espero, como o meu pai, que a época deles seja melhor que a nossa. Mas o Putin não parece estar a facilitar muito as coisas... A mensagem para os leitores é a seguinte: nunca vejam a democracia e a Liberdade, e os nossos valores civilizacionais, como algo adquirido. Lutem por eles todos os dias, como a geração dos nossos pais e dos nossos avós lutou. E procurem viver a vida, esta vida que é tão curta, sempre com alegria e com esperança, e vivam momentos felizes, já que temos a sorte de, neste momento, não estar a viver em nenhum país em guerra. Vou finalizar citando uma frase do grande pensador Agostinho da Silva [foto], que foi português e também brasileiro: "A Liberdade só existe quando todos os nossos actos concordam com todo o nosso pensamento".

Great! Muito obrigado, Mário, e até à próxima! 

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