segunda-feira, 10 de abril de 2023

Conceição contra o unanimismo

Lídia Paralta Gomes

Imagino que coabitar com Sérgio Conceição no mesmo campeonato seja mais ou menos como ter um tipo atrás de nós no trânsito constantemente a apitar. É um permanente zumbido, uma desconcentração que ao mesmo tempo nos obriga a chamar pela concentração, em suma, uma chatice dos diabos. A comparação não parece a mais abonatória, não creio ele se importe com isso, mas arranjemos outra imagem, esta até tirada do contexto desportivo, do senso comum que invade o balneário. Ter Sérgio Conceição como rival é um pouco como ver o nosso clube contratar um jogador raçudo para a nossa posição: ele até pode não jogar melhor que nós, mas obriga-nos a trabalhar mais, a ficarmos espertos, a não falharmos nem sequer num treino para não perdermos a titularidade. Nem sequer com 10 pontos de vantagem.

Roger Schmidt, que já devia ter uma ideia disso mesmo, agora já olha para o lado. A sete jogos do final do campeonato, o FC Porto continua a sete pontos, o Benfica mantém-se como imenso favorito ao título, mas Conceição tem esse condão de instalar o caos, a dúvida. Na fase mais importante para os encarnados, a derrota na Luz por 2-1, uma derrota feia pelo impotente que pareceu a equipa, sem reação ou criatividade para contrariar a pressão, a posse e a superioridade mental do FC Porto, aparece antes do jogo com o Inter para a Liga dos Campeões. Fantasmas pairantes no balneário, sementes de incerteza, seria tudo o que Schmidt gostaria de evitar, para mais quando não é líquido que os italianos sejam favoritos ou tenham a obrigação do que quer que seja só pelo facto de serem isso mesmo, italianos - quem já viu o Benfica e o Inter a jogar esta época saberá que os encarnados podem muito bem ganhar e chegar a uma histórica meia-final e que lhes será cobrado isso mesmo.

Mas agora os jogadores encarnados entrarão em campo com o agridoce da ambiguidade a invadir-lhes a língua, sabendo-se tão perto da glória mas ainda à distância de um descalabro. Obra de Sérgio, o homem que em 37 jogos com Benfica e Sporting venceu 20, que recuperou sete pontos de desvantagem em 2019/20 para o Benfica (em abono da verdade, na época anterior tinha acontecido o contrário), que foi sempre uma ameaça para o Sporting campeão nacional de 2020/21, que contraria o unanimismo, que combate o que parece feito. De falta de competitividade e competência a preparar os grandes jogos ninguém o pode acusar.

Para o Benfica, uma vitória frente ao Inter amanhã (11/4) na Luz (20h, TVI/Eleven 1) tornou-se agora também uma espécie de chá de camomila para a veia: é preciso estancar o efeito Conceição, que, para mais, tem um calendário bem mais simpático que o Benfica até ao final da época. A equipa de Schmidt ainda recebe o SC Braga e vai a Alvalade. Conceição, alimentado por essa firmeza tão distintiva, mesmo ficando em 2.º retirará seguramente pelo menos o adocicado gostinho de ter provocado o medo cénico, a mini balbúrdia, uma pequena anarquia.

Título e Texto: Lídia Paralta Gomes, Tribuna Expresso, 10-4-2023

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