segunda-feira, 10 de abril de 2023

Um livre mercado de ideias?

Nigel Warburton

Um livro em especial continua a dominar o debate filosófico acerca da liberdade de expressão: Sobre a Liberdade, de John Stuart Mil. Nessa discussão clássica dos limites da liberdade individual numa sociedade civilizada, Mill defende a perspectiva de que uma ampla liberdade de expressão é uma condição prévia não só da felicidade individual, mas também de uma sociedade próspera.


Sem a livre expressão a humanidade pode ver-se privada de ideias que de outro modo contribuiriam para o seu desenvolvimento. Preservar a liberdade de expressão maximiza as hipóteses de a verdade emergir da sua colisão com o erro e a meia-verdade. Também revigora as crenças daqueles que de outro modo correriam o risco de adotar ideias como um dogma morto.

Sobre a Liberdade, de John Stuart Mill

Escrito no contexto daquilo a que Mill se referiu como a “tirania da maioria”, o efeito nivelador e restritivo da opinião dos outros, Sobre a Liberdade é uma defesa veemente da tolerância de uma ampla variedade de expressões de individualidade.

O princípio do dano, de Mill

Algo que é central à abordagem adotada por Mill em Sobre a Liberdade é o seu “princípio do dano”: a ideia de que os indivíduos adultos devem ser livres de fazer o que queiram, até ao ponto em que fazê-lo prejudique outrem.

O princípio de Mill é aparentemente simples: a única justificativa para a interferência na liberdade de alguém viver a sua vida como queira é quando há o risco de prejudicar outras pessoas.

O princípio do dano, de Mill
O propósito deste ensaio é afirmar um princípio muito simples, tal que lhe cabe reger em absoluto as relações entre a sociedade e o indivíduo no que diz respeito à compulsão e ao controle, sejam os meios usados a força física sob a forma de penas jurídicas ou a coerção moral da opinião pública.
Esse princípio é o de que o único fim para que a humanidade temo direito, coletiva ou individualmente, de interferir na liberdade de agir de qualquer um dos seus membros é a proteção de si próprio. Que o único propósito para que o poder pode ser legitimamente exercido sobre qualquer membro de uma comunidade civilizada, contra a sua vontade, é impedir que se cause dano a outros. O bem desse mesmo indivíduo, seja físico ou moral, não é justificação suficiente.
Não pode ser legitimamente obrigado a fazer ou abster-se de fazer algo porque desse modo será melhor para ele, porque o fará mais feliz, porque, na opinião de outros, fazê-lo seria mais sensato ou até correto.
Excerto de Sobre a Liberdade, Capítulo 1

A defesa última que Mill fez desse princípio era consequencialista – baseava-se na crença de que, preservando a liberdade individual e tolerando a diversidade a sociedade maximizaria a felicidade. Por outras palavras, fazê-lo produziria as melhores consequências, em virtude de proporcionar as condições mais propícias ao desenvolvimento dos gênios.

O propósito de aderir a esse princípio era o de que proporcionava as melhores condições para a prosperidade e progresso humanos. Muitas pessoas nunca chegariam a realizar o seu potencial se fossem refreadas pela intervenção de outrem. O seu autodesenvolvimento seria travado. Tal seria mau para todos. Para Mil, enquanto seres humanos, nós somos também autônomos.

A natureza humana não é uma máquina a construir de acordo com um modelo, preparada para executar ao pormenor as tarefas que lhe atribuírem, mas uma árvore, que precisa de crescer e de se desenvolver em todos os seus aspectos, segundo a tendência das forças internas que fazem dela um ser vivo.

A justificação última de Mill para a liberdade, portanto, é a de que é esta que melhor serve o bem-estar de cada um de nós e, portanto, de todos nós.

Acreditava também que as outras pessoas não deviam ter o voto decisivo acerca do nosso desenvolvimento, ainda que motivadas pela preocupação com o nosso próprio bem. Devemos ser livres de cometer os nossos próprios erros, em vez de nos ser dito como devemos viver.

Mas a liberdade de expressão não é apenas mais uma área em que se aplicam os princípios liberais. Para Mill, trata-se de um tópico peculiarmente importante, dada a sua relação com a verdade e o desenvolvimento humano.

Título e Texto: Nigel Warburton, in “Liberdade de Expressão – Uma breve introdução”, Editora Gradiva, 2015, páginas 31 a 33.
Digitação: JP, 10-4-2023

Relacionados: 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-