Rodrigo Zacharias
Ateísmo é a rejeição ou
ausência de crença na existência de divindades e outros seres sobrenaturais,
porque tidos como fruto da criação humana. Parte do pressuposto de que as
convicções religiosas baseadas em livros sagrados como o Alcorão, a Bíblia, os
Upanixades e o Talmud não passam de literatura.
A rigor, os ateus se diferem
dos religiosos porque não acreditam em quaisquer deuses. Porém, cristãos são
ateus em relação ao deus muçulmano ou ao judeu; budistas são ateus em relação
ao deus cristão e ao muçulmano, e por aí vai. Logo, todos, sem exceção, são, de
alguma forma, ateus.
O ateísmo parte da constatação
de que deuses foram criados em praticamente todas as civilizações e em todas as
eras. Primeiramente coisas, depois seres vivos como plantas e animais foram
deificados. Depois vieram as divindades com caracteres humanos. Por fim,
surgiram as religiões monoteístas (judaísmo, cristianismo, islamismo), que se
espalharam pelo mundo ocidental, em contextos históricos diversos.
A ideia de um deus criador
rancoroso, como o cristão, o judeu e o muçulmano, para os ateus não faz sentido
à luz da ciência. Somos serem pensantes, habitantes de um planeta
maravilhosamente singular, dentro de um universo imenso, onde a figura de um
deus, ou de deuses, simplesmente não se ajusta, porque nada explica, apenas
complica.
Ateísmo lida bem com a
finitude, pois pensa nesta vida, no mundo real, sem que procure algum
"sentido" maior em tudo isso. É o próprio homem que dá sentido a sua
vida, por meio de suas ações. E o melhor motor ético do homem é sua própria
consciência, baseada no respeito aos demais e à lei do seu país. As coisas são
o que são e é melhor viver a paz da descrença que a ilusão de eternidade.
Sim, os ateus focam sua
preocupação não em dogmas, mas no ser humano e na ciência, sem que esta seja
considerada infalível. Por isso, ateísmo é humanismo; é libertar-se de medo do
sobrenatural; é buscar a compreensão do universo sem apelo ao criacionismo
inverossímil. Para o ateu, a fé é uma ficção, uma renúncia à razão, que pode
levar a resultados desastrosos.
O ser humano não precisa que
livros sagrados prevejam punições (inferno) ou prêmios (céu) para agir bem
socialmente, pois, em todos os países, há leis a serem obedecidas. Logo, age
com ética aquele que faz o bem por convicção ou por medo de castigo divino? O
direito já serve para isso: manter um mínimo de ordem. Basta temer as punições
da lei, que aliás são muitas.
Religiosos ortodoxos e
fundamentalistas podem fazer o bom pela caridade, mas estão no cerne das
grandes matanças, guerras e perseguições, sobretudo quando a religião é
manipulada pela política, como ocorreu na Alemanha Nazista. A história mostra
que a obsessão por controlar as mentes dos fiéis, somada ao ódio aos infiéis,
configura o pano de fundo de tantas atrocidades. Exemplo maior foi o da Santa
Inquisição, que ceifou a vida de milhares, talvez milhões, apenas por pensarem
diferente da igreja católica. Exemplo recente foi genocídio praticado pela
Sérvia cristã no coração da Europa nos anos 90. Nos dias de hoje, podem ser
citadas as punições corporais e aviltamento da mulher (Alcorão), proibição de
ateus ocuparem cargos públicos (vários estados dos EUA), o conflito entre
Israel e Palestina; a religião é o que tornou possíveis os atentados de 11 de
setembro, levando a um abismo entre o ocidente o mundo muçulmano. O que
interessa enfatizar é que o mundo de hoje não está livre desse tipo de
atrocidades, muito pelo contrário.
No Brasil, a Constituição de
1988 prevê a liberdade de crença para crentes e descrentes (art. 5º, VI) e a
separação entre igrejas e Estado (art. 19), mas isso não está sendo obedecido
pelo poder público. Vejo com preocupação o fato de prédios públicos conterem
símbolos religiosos (na sala de julgamento do STF, há um crucifixo); o fato de
a religião católica ser ensinada nas escolas públicas; a presença de ministros
religiosos ocupando cargos públicos; a concordata entre Brasil e Vaticano de
2008; o pagamento de dízimo exagerado pelos pobres; o enriquecimento de
igrejas, protegidas pela imunidade injustificável; por fim, a existência de
tantos feriados cristãos, como Sexta-feira Santa, dia de Nossa Senhora de
Aparecida e Corpus Christi. São exemplos de usurpação do Estado laico pela
religião, a despeito das normas, claras, previstas na Constituição.
Título e Texto: Rodrigo
Zacharias é juiz federal em Jaú
Enviado por Plínio Sgarbi
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