Os membros da dita “Comissão da
Verdade” decidiram compensar a irrelevância com a polêmica. Além de transformar
as audiências em simulacros de julgamento, voltam à tese da responsabilização
penal de agentes do estado que cometeram crimes durante o regime militar. Só
dos agentes do estado. Os terroristas de esquerda continuariam livres de
qualquer persecução penal — muitos deles recebendo, claro!, prebendas do estado
por conta de seus supostos atos heroicos. Qual é o problema dessa tese? Além da
questão moral — usar uma Comissão da Verdade para fazer revanche, punindo apenas
um dos lados do conflito —, há uma penca de questões legais;
– a Lei da Anistia continua em vigência e impede a punição;
– o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou a respeito e reiterou a sua higidez;
– a lei que criou a própria Comissão da Verdade, como demonstrei na quinta-feira, tem como pressuposto a vigência da Lei da Anistia.
– a Lei da Anistia continua em vigência e impede a punição;
– o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou a respeito e reiterou a sua higidez;
– a lei que criou a própria Comissão da Verdade, como demonstrei na quinta-feira, tem como pressuposto a vigência da Lei da Anistia.
No Estadão desta segunda, lá está Paulo
Sérgio Pinheiro, o “moderado” da turma, a flertar com processos penais. Diz não
saber ainda se a comissão vai ou não recomendar em seu relatório final que se
jogue a Lei de Anistia no lixo e lembra — praticamente estimula — que caberá ao
Ministério Público cuidar da questão tão logo o relatório fique pronto. É um
troço surrealista. Votou-se uma lei em 1979, que permitiu ao país fazer a
transição pacífica da ditadura para a democracia — e “anistia”, não custa
lembrar a lição de Paulo Brossard, é perdão (na esfera da Justiça), não
absolvição ou esquecimento; votou-se uma lei para criar a Comissão da Verdade
(que tem como pressuposto aquele texto de 1979); o próprio STF já se pronunciou
a respeito… Nada disso basta!
Pois é… Por ocasião da criação dessa
comissão, observei aqui tratar-se de mera patranha. Parecia-me claro que era
apenas a primeira etapa da revanche. Fui, é evidente, muito criticado por isso;
acusaram-se de estar de má-vontade e de ficar fazendo exercício de adivinhação.
Eis aí… Eu quero que torturadores se danem. Meu desprezo por eles não poderia
ser maior. Mas eu desprezo igualmente os terroristas; deploro do mesmo modo os
que matam pessoas inocentes em nome de sua “causa libertadora”. A democracia
brasileira não deve um centavo a nenhum deles. Aliás, a democracia que aí está não deve nada nem ao Brilhante Ustra nem à Dilma Rousseff do passado. A tese
que prosperou, que vingou, que venceu não foi nem a dele nem a dela — já que
nem ele nem ela queriam democracia. Ou queriam? Ora…
O STF se pronunciou de forma muito
eloquente na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153, em
que a corte rejeitou o pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para que a
Lei da Anistia (6.683/79) fosse revista. E o que se fez ali foi declarar a
vigência da Constituição. A questão está encerrada. Mas não para aqueles — ou
herdeiros intelectuais daqueles — que perderam a batalha, mas insistem em
aplicar a punição aos vencedores. Sim, é disso mesmo que se trata. Explico.
Entre anistiados, de um lado e de outro, não há nem vencidos nem vencedores.
Todos receberam o perdão. Se é para mudar a história, como querem fazer, então
é preciso mudar também as categorias. É uma questão até de honestidade
intelectual. E, nesse caso, convenham: quem perde não aplica a punição a quem
ganha. Por isso mesmo, é preciso tirar o debate desse lodaçal teórico.
Falso debate
Os cretinos, já notei aqui, querem transformar essa questão numa disputa entre os que defendem torturadores e os que querem a sua punição. Vigarice! Trata-se de um confronto de posições, este sim, entre os que defendem as regras do estado democrático e de direito e os que acham que podem buscar atalhos e caminhos paralelos para fazer justiça fora da letra da lei.
A Lei 6.683, da anistia, é clara:
Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.
§ 1º – Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.
Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.
§ 1º – Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.
A própria Emenda Constitucional nº 26, de 1985, QUE É NADA
MENOS DO QUE AQUELA QUE CONVOCA A ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE, incorporou,
de fato, a anistia. Está no artigo 4º:
Art. 4º É concedida anistia a todos os servidores públicos civis da Administração direta e indireta e militares, punidos por atos de exceção, institucionais ou complementares.
§ 1º É concedida, igualmente, anistia aos autores de crimes políticos ou conexos, e aos dirigentes e representantes de organizações sindicais e estudantis, bem como aos servidores civis ou empregados que hajam sido demitidos ou dispensados por motivação exclusivamente política, com base em outros diplomas legais.
§ 2º A anistia abrange os que foram punidos ou processados pelos atos imputáveis previstos no “caput” deste artigo, praticados no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.
Art. 4º É concedida anistia a todos os servidores públicos civis da Administração direta e indireta e militares, punidos por atos de exceção, institucionais ou complementares.
§ 1º É concedida, igualmente, anistia aos autores de crimes políticos ou conexos, e aos dirigentes e representantes de organizações sindicais e estudantis, bem como aos servidores civis ou empregados que hajam sido demitidos ou dispensados por motivação exclusivamente política, com base em outros diplomas legais.
§ 2º A anistia abrange os que foram punidos ou processados pelos atos imputáveis previstos no “caput” deste artigo, praticados no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.
Anistia, reitero, não é absolvição, mas
perdão político. Há quem pretenda que o Brasil siga os passos da Argentina —
embora, já disse, as duas ditaduras não sejam nem remotamente comparáveis — e
fique eternamente preso ao passado, destroçando as instituições do presente e
inviabilizando as do futuro, como faz hoje Cristina Kirchner. Sob o pretexto de
rever o passado, ela está levando o país para uma crise institucional.Torturadores?
O diabo a quatro? Não tenho nada a ver com essa gente, e eu mesmo tive problema
com o regime quando contava com míseros 16 anos. Não quero é ver o país refém
do passado para satisfazer o desejo de vingança de meia dúzia. Como não
quiseram a Espanha e a África do Sul, que viveram circunstâncias muito mais
graves.
Um filme
Já recomendei o filme “O Segredo dos Teus Olhos”, de Juan José Campanella, e volto a fazê-lo. Não poderia haver melhor retrato da Argentina moderna. Vejam lá. Um homem passa uma vida sendo refém daquele que foi algoz de sua mulher, deixando, ele próprio, de viver. A Argentina kirchnerista, com a sua tara por encruar o passado — Cristina decidiu até criar um departamento só para rever fatos históricos e recontá-los à luz do… kirchnerismo! —, está destroçando as instituições. Não consegue sair da lógica do confronto, da revanche, da vingança. E quem está pagando o pato é a democracia.
É uma mentira escandalosa que o país vizinho esteja
à frente do Brasil no que diz respeito às instituições. Falso como os índices
oficiais da inflação argentina. Falso como a tolerância com a divergência na
Argentina. Falso como o amor do kirchnerismo pela democracia. É o que querem
para o Brasil? Pelo visto, sim! Não faltam injustiças presentes com as quais
promotores e buscadores da verdade deveriam se ocupar. Não obstante, ao arrepio
das leis e de uma clara e inequívoca manifestação do Supremo, tentam nos jogar
no passado que nunca passa.
Atenção! Na Argentina ou no Brasil, quem muito luta
para encruar o passado está em busca de licença para ser autoritário no
presente. Não por acaso, boa parte da esquerda brasileira que está no poder justifica
seus crimes — inclusive os financeiros — lembrando a sua condição de “amiga do
povo”.
No Estadão desta segunda, um desses defensores da
revisão a Lei da Anistia fala numa tal “justiça de transição”… O que seria uma
“justiça de transição”? Seria aquela que extingue o “transitado em julgado”, de
modo que uma decisão pode sempre ser revista, jogando no lixo a segurança
jurídica, base da democracia?
O Brasil — por intermédio de todas as forças
políticas que se empenharam na transição, a democrática — decidiu não ficar
refém dos algozes da democracia, estivessem estes de um lado ou de outro. Se a
Lei da Anistia, a lei que criou a comissão e a lei que criou a Constituinte e a
decisão do Supremo podem ser ignoradas, então qualquer outra também pode. Será
isso a tal “justiça de transição”, aquela sempre sujeita às vontades dos
poderosos da hora? É isso o que a Comissão da Verdade entende por Justiça?
Forças que nada entendiam de democracia no passado e ajudaram a escrever a
história do horror não podem, agora que o regime democrático está aí, violar
seus termos uma vez mais. Isso que chamam de “justiça de transição” nada mais é
do que arbítrio.
Essa gente já perdeu a “luta” uma vez para um
arbítrio adversário. E vai perder agora para a democracia, de quem continua
adversária.
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