Há dias, um “jornal” escrevia na primeira
página “dizem que ele bateu na mulher”, texto que vinha acompanhado de uma foto
do primeiro-ministro Passos Coelho. E escrevo jornal entre aspas pois aquele
título pode ser muita coisa mas jornalismo certamente que não é.
Há muito que defendo que a
imagem, a honra e o bom nome de figuras públicas merece o mesmo tratamento que
todas as outras. Em vários processos de difamação intentados por figuras
públicas, sobretudo políticos, contra órgãos de comunicação social, o Supremo
Tribunal de Justiça tem entendido que, apesar de serem figuras públicas e, como
tal, estarem sujeitas ao escrutínio público, os seus direitos (à imagem, à
honra e ao bom nome) não deixam de ser válidos. No entanto, o Tribunal Europeu
dos Direitos do Homem tem um entendimento diferente. Apesar de defender estes
direitos, considera que, perante o direito de liberdade de imprensa e o direito
à informação, aqueles são afastados em detrimento destes. Se em teoria podemos
aceitar esta posição, a verdade é que, na prática, isto significa que os mídia
podem escrever quase tudo, mesmo em situações que levantem fundadas dúvidas
sobre a forma como obteram a informação veiculada e sobre se acreditam naquilo
que publicam. Algo semelhante sucede por causa de colunas de opinião. E se uma
coisa é publicar factos ou informação que obtemos, outra bem diferente é
escrever o que nos vai na mente ou o que pensamos sobre determinado assunto ou
pessoa. As regras da comunicação social não se aplicam aqui, pois não se trata
de jornalismo mas de opinião pessoal. Não existe um direito de informar, mas
apenas de se expressar, de opinar. Nenhum direito é absoluto. Todos têm
limites.
O antecessor de Passos Coelho, José Sócrates, também foi alvo de notícias injuriosas e artigos de opinião insultuosos. Os Tribunais consideraram, num desses casos, que comparar Sócrates a Cicciolina, insinuando que o antigo primeiro-ministro era como que uma prostituta da política, era legítimo. Como, em muitos outros casos, levantar dúvidas sobre a ideoneidade de outros políticos (de várias cores partidárias) sem respeitar as regras deontológicas do jornalismo (verificação das fontes, se os factos correspondem à verdade, dar direito de resposta do visado antes da publicação da “notícia”, etc) foi considerado lícito, ao abrigo da liberdade de informação. Curioso é que, em situações semelhantes ou análogas (expressões semelhantes, por exemplo), os tribunais já tiveram entendimento jurídico diferente. O facto de os visados das expressões serem magistrados pode, claro, não passar de mera coincidência.
“Dizem que ele bateu na
mulher”. A publicação de um rumor, de um “diz que disse”, sem qualquer respeito
pelas mais básicas regras deontológicas do jornalismo, leva, inevitavelmente, a
uma degradação do debate público e do próprio jornalismo. As pessoas deixam de
acreditar no que os “jornais” publicam, pois podem não passar de especulações
ou insinuações. No futebol sucede o mesmo, em particular com as supostas
contratações de jogadores, transferências, etc. Muitas “notícias” não passam de
rumores, invenções ou, em alguns casos, de “fretes” jornalísticos, de favores
com segundos interesses.
O boato é títpico de um estado
autoritário, frágil e fraco. Em Democracia, a verdade, a isenção, o primado dos
factos e o respeito pelas regras são cruciais para uma comunicação social
credível e um debate público e político são. Em Democracia, todos se devem
reger pela decência, bom senso e respeito. Em Portugal, infelizmente, isso está
longe de se verificar. Utiliza-se um veículo de comunicação supostamente
isento, imparcial e sério, mas se manipular a verdade, os factos e,
consequentemente, a opinião do público sobre determinadas figuras públicas e
políticos. Há muito que isto acontece com impunidade e apoio de quem deveria
estar na frente da linha de combate contra a mentira, nomeadamente pessoas
ligadas à Justiça, como magistrados, advogados, funcionários judiciais ou
agentes da autoridade. É triste, mas é o que temos. E teremos enquanto
continuarmos todos calados e sem nada fazer em defesa da decência. Porque sem
decência a Democracia será sempre fraca. E a nossa é fraca, em favor de alguns
“fortes” que por aí andam.
Título e Texto: Ricardo Sardo Maio, LocalPT, 23-05-2013
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