Luís Naves
As redes sociais são sobretudo
utilizadas por pessoas das chamadas elites nacionais e estas andaram nos
últimos dias numa lufa-lufa em torno da co-adopção por casais homossexuais.
Pronunciei-me no passado sobre o tema, mas os argumentos que utilizei (contrários)
não fazem a partir de agora grande sentido, pois a co-adopção leva
necessariamente à adopção.
Qualquer obstáculo à expansão
do universo seria discriminatório e absurdo. A lei agora aprovada beneficia
potencialmente as crianças já adoptadas por um dos membros do casal. Terá essa
criança óbvias vantagens em caso de morte súbita do pai ou da mãe, por exemplo.
Se eu fosse deputado, teria votado a favor desta lei, que tem pelo menos este
elemento de justiça.
O parlamento decidiu e o post
não é sobre a co-adopção, mas sobre a forma das discussões. O que mais me
impressionou desta vez foi a ausência de debate e a crispação das diferentes
posições, incluindo insultos, rasgar de vestes, retórica sobre alegados avanços
civilizacionais, um rebuliço impróprio para cardíacos, homofobia acompanhada
pela intolerância oposta.
Sendo este um assunto lateral
na vida da maior parte dos portugueses, surpreende a tensão revelada pela fúria
da maioria das posições. Os dois campos recusam-se a ouvir a argumentação do outro
lado (e há bons argumentos dos dois lados).
A crítica tornou-se
impossível. Alguém que escreva uma tontaria e seja criticado por isso, sai à
luta com duas pedras na mão. Isto é válido para qualquer debate, do
insignificante ao decisivo.
Portugal vive numa espécie de
desassossego, que terá certamente raízes na crise financeira, mas não apenas
aí. Sobre os assuntos verdadeiramente importantes, a discussão tornou-se nula.
Os factos são inutilidades. A comunicação social parece ter perdido o norte, embrulhada
na verdadeira espiral recessiva, a da seriedade, onde cada notícia má tem de
ser pior ainda.
Dou apenas um exemplo. Ontem,
as televisões repetiam que o desemprego aumentara em 70 mil pessoas em Abril.
Achei estranhíssimo, pois o número de desempregados está a crescer 10 mil
pessoas por mês, e não 70 mil. Quando li a fonte original, os valores de Abril
eram homólogos, anuais, sendo dados do Instituto do Emprego e da Formação
Profissional, sempre lisonjeiros quando o desemprego aumenta. Afinal, eram 70
mil num ano, o que aliás fica aquém da realidade, que corresponde a cerca de
200 mil empregos perdidos num ano. No último trimestre de 2012, o fenómeno
acelerou. Perderam-se empregos a ritmo acima de 10 mil mensais, na realidade
quase 30 mil, ou mil diários durante três meses.
Uma catástrofe, sem dúvida,
que entretanto abrandou para os tais 10 mil. E lá surge o mito do costume, que
isto é fruto da “austeridade”, como se as empresas não continuassem carregadas
de dívidas e muitas delas à beira do colapso, em reestruturações violentas.
Estes assuntos, nas redes
sociais, são tratados com ligeireza e superficialidade. O discurso das pessoas
é geralmente de tipo neo-realista, com apelos à revolta e o arraso dos
políticos. Há muitas variantes e abunda o clássico que, no mesmo texto, defende
o respeito pela Constituição e a demissão imediata do Governo. A consagração da
constitucionalidade selectiva. Muitas pessoas acham que se isto piorar, vai
melhorar por milagre. Acham que o País não está falido, nem sequer sob resgate.
Não tem de resolver os seus problemas de falta de competitividade nem de
completar o ajustamento, que termina daqui a um ano. Vamos bater o pé à troika
e até sair do euro alegremente, que nada nos pode acontecer de pior. Morrer na
praia é considerado inteligente.
Num país que se mantém
corporativo, onde certas elites gozam de privilégios bem estabelecidos, é
difícil fazer reformas. Mais difícil será fazê-las num ambiente de gritaria
permanente e de absoluta intolerância à crítica.
E, no entanto, se não mudar,
este País não poderá permanecer na zona euro e talvez na União Europeia. Ao
contrário do que afirmam os comentadores, sempre a culparem a “inacção
europeia” pela crise, a Europa mudou muito nos últimos dois anos, adoptando um
fundo de estabilidade financeira segundo o modelo do FMI, um tratado orçamental
que reforça os poderes de supervisão e controlo dos orçamentos na zona euro e
ainda uma união bancária (já aprovada), cujo conteúdo exacto está em
negociação. Esta enorme transformação é ignorada pelas nossas elites, que
continuam a descrever a UE como sendo uma confusão informe, um desastre igual
ao nosso.
Esta fantasia é repetida até à
exaustão. Devíamos estar a discutir as mudanças em curso na Europa, sem
pedantismos e tentando analisar friamente as suas consequências, mas cresce na
nossa sociedade uma vozearia populista que abafa todas as migalhas de bom
senso.
Título, Imagem e Texto: Luís Naves, blogue "Forte Apache"
Comentário de Murphy:
"A espiral da
gritaria", muito bem...
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-