"La Liberté guidant le Peuple" (A Liberdade guiando o Povo), óleo sobre tela, Eugène Delacroix, 1830, Museu do Louvre, Paris. |
Maria Lucia Victor Barbosa
O chamamento pela Internet que
culminou no movimento popular do sete de setembro, especialmente em Brasília,
levou milhares de pessoas a protestar durante o desfile oficial. Foi um evento
que não pode ser analisado superficialmente, mesmo porque, para entender o
presente é preciso recuar até ao passado. Num pequeno artigo seria impossível
historiar o que se passou no Brasil desde sua descoberta, como fiz em um dos
meus livros, “América Latina – em busca do paraíso perdido”, mas, pelo menos,
podemos recortar no tempo alguns acontecimentos históricos e políticos
importantes:
A vinda da corte portuguesa,
em 1808, e o modo como se realizou a independência em sete de setembro de 1822,
trouxeram várias consequências. Em primeiro lugar a presença da família real fortaleceu
a unidade política do colosso territorial, ao contrário do Império Espanhol que
se fragmentou em várias nações entre 1810 e 1838. Segundo, apesar de alguns
movimentos importantes, mas isolados, a independência foi obra do príncipe
regente e de minorias políticas enquistadas nos bastidores do poder. Não houve,
pois, o sentimento nacionalista que marcou os episódios libertadores das
colônias espanholas, sentimento que no nosso caso foi substituído por meros
interesses individualistas que nada tinham a ver com percepção de pátria ou
ideal de bem comum.
Foram também a partir de 1808,
que se instalaram no Brasil de uma vez por todas as características do velho
Estado português, que em terra nova não perderia sua essência patrimonialista
magistralmente explicada por Raymundo Faoro em sua obra, “Os donos do poder”:
“Os reis portugueses governaram o reino como a própria casa, não distinguindo o
tesouro pessoal do patrimônio público”.
Era um Estado também corrupto
na medida em que para tudo se dependia dele, do seu excessivo quadro de
funcionários, da morosidade típica da burocracia, correndo soltas as propinas
para aligeirar licenças, fornecimentos, processos, despachos, etc. Nas
entranhas do desajeitado e ineficiente Leviatã conduzido por D. João VI traficavam-se
influências, negociava-se a coisa pública em proveito próprio. Imagino que os
leitores devem estar notando que a realidade de hoje não difere muito do nosso
já distante passado.
Acrescente-se que os fatos
mais marcantes da nossa história não contaram com a participação popular. Por
isso, a proclamação da Republica não sensibilizou a massa, nem sequer no Rio de
Janeiro, quanto mais nas vastidões afora do país. José Murilo de Carvalho cita
em seu livro, “Os bestializados”, Aristides Lobo, adepto incondicional da nova
forma de governo e um dos mais desapontados. Segundo este, “o povo, que pelo
ideário republicano deveria ter sido o protagonista dos acontecimentos,
assistiu a tudo bestializado, sem compreender o que se passava, julgando ver
talvez uma parada militar”.
Muita coisa foi mudando como
não poderia deixar de ser. Vários movimentos aconteceram. Alguns, como as
diretas já e o impeachment do ex-presidente Fernando Collor levaram o povo às
ruas. Mas sempre houve lideranças partidárias, sindicais, apoios da Igreja e de
estudantes que conduziram multidões. Em showmícios a massa aplaudia
entusiasticamente tanto os oradores políticos quanto artistas preferidos do
grande público.
Na era Lula/PT em que a
decadência partidária avança, os valores se extinguem, a corrupção sempre
havida é exacerbada de modo impressionante juntamente com a impunidade dos
“colarinhos brancos” e a propaganda transforma cidadãos em bestializados,
aconteceram fatos que o domínio petista não deve ter digerido bem.
Um deles foi o sonoro não ao
desarmamento da população, em plebiscito levado a cabo por ordem de Lula da
Silva. Posteriormente, um movimento via internet ajudou a pressionar
parlamentares para que a famigerada CPMF, que está prestes a ser ressuscitada
pela presidente Rousseff, fosse extinta. Outros abaixo-assinados como aquele a
favor da “ficha limpa” ou centenas de artigos e de opiniões críticas ao governo
que se entrecruzam em e-mails mostram que, ao contrário dos muitos satisfeitos,
por enquanto, com sua situação financeira, uma minoria consciente das classes
médias que lê jornais e revistas começa a perceber que a avassaladora corrupção
que se espraia por todos os cantos do poder é danosa aos interesses da nação.
Surgiram, porém, criticas
entre os próprios internautas. Muitos dizem que não basta escrever, seria
preciso agir, ganhar as ruas, expressar publicamente a indignação.
A Internet ficou pulsando até
aglutinar um movimento espontâneo que fez do virtual o real, materializando no
sete de setembro em vários Estados e, principalmente, em Brasília, milhares de
pessoas, sobretudo, jovens, que tiveram como foco o combate à corrupção. Pela
primeira vez um movimento não teve líderes, foi consciente, apartidário, não
expressava ideologia tanto de esquerda quanto de direita, não era
individualizado, mas em defesa de um objetivo comum.
Digam os críticos desse
inédito acontecimento que ele é efêmero e difuso, queiram alguns espertamente
se apropriar dele, mas o fato é que brasileiros foram ao desfile de sete de
setembro e assistiram a parada militar não como bestializados, mas como
cidadãos. Tomara que esses compatriotas sejam o fermento de uma progressiva
transformação rumo à consciência cívica que tanto nos falta.
Título e Texto: Maria Lucia
Victor Barbosa, Socióloga, 13-09-2011
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