sexta-feira, 20 de julho de 2012

Definhamento e democracia

José António Saraiva
Em Portugal ouve-se hoje dizer a todo o momento: «Está provado que esta receita falhou».
Dizem os da esquerda, dizem os da direita e dizem mesmo alguns do centro, já duvidosos dos méritos deste Governo.
Ora, pergunto: está provado por quem e porquê?
Alguém esperava que erros acumulados ao longo de anos e anos pudessem ser corrigidos em meia dúzia de meses?
Alguém, sério e sensato, podia acreditar nisso?
E alguém sensato considerava que era possível reduzir o défice público e parar o endividamento galopante do país sem um programa drástico de austeridade?
E alguém sensato acreditava que era possível aplicar um programa de austeridade sem dor?
Alguém sensato pensava que a austeridade não traria consigo falências?
Alguém sensato pensava que a austeridade não traria consigo desemprego?
Alguém sensato acreditava que a austeridade não traria consigo quebras de consumo (e, portanto, dificuldades para o comércio e para muitas empresas)?
Alguém sensato acreditava que as consequências da austeridade não seriam aproveitadas pelo PCP e pelo BE para fazer agitação e promover protestos nas ruas?
Alguém sensato acreditava que o PS estaria até ao fim solidário com um programa de austeridade?
A austeridade é difícil. É dolorosa.
Exige sacrifícios.
Na Universidade Católica, um aluno meu (que fazia o doutoramento e trabalhava no sector financeiro) perguntava-me aflito, ainda no tempo de Sócrates: «Professor, perante a catástrofe financeira para que caminhamos, o que acha que vai acontecer: temos forças internas para arrepiar caminho ou terão de ser os estrangeiros a impor-nos restrições brutais?». Respondi-lhe: «Acho que vão ser os estrangeiros».
Tudo o que está a acontecer era, pois, previsível.
Tudo!
E só por leviandade, falta de inteligência ou de informação alguém pode hoje dizer que «está provado que este caminho falhou».
O que está provado é que o caminho que seguíamos até há um ano era um suicídio.
Fala-se muito em promover, a par da austeridade, o crescimento.
Quem não o quer?
Se fosse possível aplicar um programa rigoroso de austeridade e ao mesmo tempo pôr o país a crescer, evitar as falências, evitar o desemprego, não diminuir o consumo, não ter uma quebra nas receitas de impostos, então todos os Governos de todo o mundo aplicariam programas de austeridade.
Seria bom.
Se fosse possível as nações endividarem-se durante anos a fio, gastarem sem olhar a quê, fazerem disparates, e depois em meia dúzia de meses corrigirem a situação – então toda a gente governaria desse modo.
Seria muito fácil governar.
Infelizmente, a realidade não é assim.
A austeridade é um caminho difícil e penoso.
E por ser difícil e penoso é que foi preciso vir gente do estrangeiro para nos obrigar a segui-lo.
E felizmente este Governo tem tido a coragem, a tenacidade, a capacidade de resistência à pressão para não desanimar e seguir em frente, fazendo orelhas moucas aos cantos de sereia e aos apelos à revolta de pessoas que tinham o dever de ser mais responsáveis.
O Governo tem tido a coragem de não ceder, mesmo aos cavalos de Tróia.
Porque a verdade é que Passos Coelho e os seus ministros não têm sido atacados apenas pelo BE, pelo PCP e pelo PS – têm ouvido também críticas de pessoas do PSD e do CDS.
Basta olhar para as intervenções televisivas de comentadores afectos a estes partidos para se ver até que ponto vai a falta de solidariedade.
E mesmo entre os militantes dos partidos da maioria já há muita gente com medo de perder as próximas eleições.
A comunicação social ajuda, naturalmente, à festa.
Hoje, há três canais de TV que debitam constantemente más notícias e fazem repetidos directos de comícios e manifestações de protesto, pois a vocação dos media é ampliar os acontecimentos negativos.
Todos os factores de instabilidade são, assim, potenciados, pondo o país a ferro e fogo, parecendo por vezes que já vivemos em ambiente pré-insurrecional.
Por isso me interrogo sobre se a democracia é compatível com uma recessão prolongada.
As democracias modernas surgiram e desenvolveram-se em zonas do mundo em crescimento, onde a classe média se expandiu e se impôs social e financeiramente.
As democracias modernas são sustentadas pela classe média – que até agora cresceu sempre, melhorando o seu padrão de vida de geração para geração.
Só que a perspectiva, hoje, é a contrária.
O horizonte das gerações futuras é viverem pior do que as actuais – e a classe média ir encolhendo ao ritmo da recessão.
Por isso se pergunta: serão as democracias compatíveis com o definhamento das nações?
Título e Texto: José António Saraiva, O Sol, 16-7-2012
Destaques e Edição: JP

Relacionados:

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-