Em Portugal ouve-se hoje dizer
a todo o momento: «Está provado que esta receita falhou».
Dizem os da esquerda, dizem os
da direita e dizem mesmo alguns do centro, já duvidosos dos méritos deste
Governo.
Ora, pergunto: está provado
por quem e porquê?
Alguém esperava que erros
acumulados ao longo de anos e anos pudessem ser corrigidos em meia dúzia de
meses?
Alguém, sério e sensato, podia
acreditar nisso?
E alguém sensato considerava
que era possível reduzir o défice público e parar o endividamento galopante do
país sem um programa drástico de austeridade?
E alguém sensato acreditava
que era possível aplicar um programa de austeridade sem dor?
Alguém sensato pensava que a
austeridade não traria consigo falências?
Alguém sensato pensava que a
austeridade não traria consigo desemprego?
Alguém sensato acreditava que
a austeridade não traria consigo quebras de consumo (e, portanto, dificuldades
para o comércio e para muitas empresas)?
Alguém sensato acreditava que
as consequências da austeridade não seriam aproveitadas pelo PCP e pelo BE para
fazer agitação e promover protestos nas ruas?
Alguém sensato acreditava que
o PS estaria até ao fim solidário com um programa de austeridade?
A austeridade é difícil. É
dolorosa.
Exige sacrifícios.
Na Universidade Católica, um
aluno meu (que fazia o doutoramento e trabalhava no sector financeiro)
perguntava-me aflito, ainda no tempo de Sócrates: «Professor, perante a
catástrofe financeira para que caminhamos, o que acha que vai acontecer: temos
forças internas para arrepiar caminho ou terão de ser os estrangeiros a
impor-nos restrições brutais?». Respondi-lhe: «Acho que vão ser os
estrangeiros».
Tudo o que está a acontecer
era, pois, previsível.
E só por leviandade, falta de
inteligência ou de informação alguém pode hoje dizer que «está provado que este
caminho falhou».
O que está provado é que o
caminho que seguíamos até há um ano era um suicídio.
Fala-se muito em promover, a
par da austeridade, o crescimento.
Quem não o quer?
Se fosse possível aplicar um
programa rigoroso de austeridade e ao mesmo tempo pôr o país a crescer, evitar
as falências, evitar o desemprego, não diminuir o consumo, não ter uma quebra
nas receitas de impostos, então todos os Governos de todo o mundo aplicariam programas
de austeridade.
Seria bom.
Se fosse possível as nações
endividarem-se durante anos a fio, gastarem sem olhar a quê, fazerem
disparates, e depois em meia dúzia de meses corrigirem a situação – então toda
a gente governaria desse modo.
Seria muito fácil governar.
Infelizmente, a realidade não
é assim.
A austeridade é um caminho
difícil e penoso.
E por ser difícil e penoso é
que foi preciso vir gente do estrangeiro para nos obrigar a segui-lo.
E felizmente este Governo tem
tido a coragem, a tenacidade, a capacidade de resistência à pressão para não
desanimar e seguir em frente, fazendo orelhas moucas aos cantos de sereia e aos
apelos à revolta de pessoas que tinham o dever de ser mais responsáveis.
O Governo tem tido a coragem
de não ceder, mesmo aos cavalos de Tróia.
Porque a verdade é que Passos
Coelho e os seus ministros não têm sido atacados apenas pelo BE, pelo PCP e
pelo PS – têm ouvido também críticas de pessoas do PSD e do CDS.
Basta olhar para as
intervenções televisivas de comentadores afectos a estes partidos para se ver
até que ponto vai a falta de solidariedade.
E mesmo entre os militantes
dos partidos da maioria já há muita gente com medo de perder as próximas
eleições.
A comunicação social ajuda,
naturalmente, à festa.
Hoje, há três canais de TV que
debitam constantemente más notícias e fazem repetidos directos de comícios e
manifestações de protesto, pois a vocação dos media é ampliar os acontecimentos
negativos.
Todos os factores de
instabilidade são, assim, potenciados, pondo o país a ferro e fogo, parecendo
por vezes que já vivemos em ambiente pré-insurrecional.
Por isso me interrogo sobre se
a democracia é compatível com uma recessão prolongada.
As democracias modernas
surgiram e desenvolveram-se em zonas do mundo em crescimento, onde a classe
média se expandiu e se impôs social e financeiramente.
As democracias modernas são
sustentadas pela classe média – que até agora cresceu sempre, melhorando o seu
padrão de vida de geração para geração.
Só que a perspectiva, hoje, é
a contrária.
O horizonte das gerações
futuras é viverem pior do que as actuais – e a classe média ir encolhendo ao
ritmo da recessão.
Por isso se pergunta: serão as
democracias compatíveis com o definhamento das nações?
Título e Texto: José António Saraiva, O Sol, 16-7-2012
Destaques e Edição: JP
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