Percival Puggina
Existem jornais detestáveis.
Nenhum, porém, se compara com qualquer dos diários cubanos - o Gramna e o
Juventud Rebelde. Ambos são órgãos oficiais. O primeiro é do partido e o
segundo da juventude do partido. Jamais alguém leu no respectivo noticiário local
uma linha sequer que não corresponda à opinião do governo sobre si mesmo. E
todas as matérias internacionais são retorcidas para caber na interpretação
política e ideológica do regime. Por isso, merecem aplausos os raros
jornalistas independentes e comunicadores comunitários que, a duras penas e com
grave risco pessoal, enviam ao exterior informações sobre a difícil situação
imposta pela reumática gerontocracia que domina o país. O trabalho que realizam
cumpre dupla missão cívica. Na primeira, revela o que, de outro modo, não se
ficaria sabendo sobre o que acontece por lá. Na segunda, desnuda a criminosa
cumplicidade da "rede internacional de solidariedade a Cuba" com a
tirania que há mais de meio século vem sendo exercida sobre o bom e sofrido
povo cubano.
Os quase três milhões de
turistas que vão a Cuba todos os anos pouco veem da realidade local. Passeiam
por Habana Vieja, almoçam no Floridita, jantam na Bodeguita del Medio, tomam
seus daiquiris e mojitos na varanda do Hotel Nacional e mandam-se para as
areias indescritivelmente brancas de Varadero e Cayo Largo. Esse turismo é nada
revelador, mas muito sedutor. Aliás, certamente o errado sou eu que em várias
idas a ilha nos últimos 12 anos limitei-me a estudar sua realidade social e
política. Com tal interesse, já parei em casa de família, nunca fiquei em
hotéis de luxo, jamais fui àquelas praias e sequer entrei nos dois badalados e
mundialmente conhecidos restaurantes que mencionei acima. Continuo convencido
de que Cuba é um inesgotável museu da ideologia. Havana é o Louvre do
comunismo.
Quando lá andei em outubro do ano passado, percebi que a realidade social declinara ainda mais. Tudo precário e tudo escasso. O povo mais desesperançado. Contaram-me que tomavam banho e lavavam as coisas apenas com água por falta de sabão, sabonete e detergentes. Estavam com graves dificuldades para a higiene pessoal. Quando voltei ao Brasil, pesquisei na rede e fiquei sabendo que, no início de 2011, os sabonetes haviam saído da "libreta" (aquela caderneta de racionamento que já vai para mais de meio século) e ido para a "libre" ou seja, deviam ser adquiridos aos preços de mercado. Meio dólar a peça, num país onde o salário mensal é de 14 dólares. Num artigo que me chegou dias mais tarde, o autor chamava de liliputiano esse sabonete, tão diminutas eram suas dimensões.
São informações que
infelizmente não repercutem tanto quanto deveriam na imprensa mundial. Uma
jornalista me conta sobre certa paciente com problema dentário que não
conseguia ser atendida no seu centro clínico porque o local estava em falta de
detergente para lavar os instrumentos. Há poucos dias, leio que em Sancti
Spíritus (cidade com cerca de 300 mil habitantes, na região central da ilha) um
grupo de mulheres disputou sabonetes a tapas e bofetadas num armazém local. A
baiana só parou de rodar com a chegada de várias viaturas policiais. Alguns
circunstantes que não participaram do fuzuê comentaram que a permanente
escassez e as longas filas que precisam ser enfrentadas para tudo estão levando
as donas de casa a esse tipo de descontrole.
Briga de rua pelo direito de
comprar sabão? Sabão? Mas o sabão é um dos produtos industriais mais antigos e
simples da civilização! É usado desde 2500 anos a.C.. A indústria de sebos e
sabões está para a indústria de bens de consumo assim como a roda e a manivela
estão para a indústria de bens de capital. Uma economia onde se disputa no
braço o direito de comprar sabão está a quilômetros da antessala do atraso. E
não me venham dizer que é por culpa dos ianques que em Cuba não conseguem
misturar sebo com soda cáustica.
Título e Texto: Percival
Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site
www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no
país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e
Pombas e Gaviões.
Outra leitura (muito) interessante:
O preço que paguei por acreditar em Cuba foi alto demais
Imagens do Lar
"Provincial para anciões Marina Azcuy" em Pinar del Rio:
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Tem mais aqui!
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