Helena
Matos
Os
subúrbios não arderam. As massas não tomaram o Terreiro do Paço. As
manifestações recorrentemente anunciadas como as maiores de sempre estão cada
vez mais pequenas e com as bandeiras ondulando nas mãos dos reformados do
costume a disfarçar as clareiras crescentes. A malta dos bombos chamada para
animar os ânimos toca com ar de quem ainda espera chegar à terra a tempo de
apanhar a última promoção do Pingo Doce. E os autocarros das câmaras aguardam
para levar os manifestantes de volta a casa que isso de deslocações e bilhetes
por conta própria só para ver o Benfica! Pressurosos os jornalistas fazem
perguntas com resposta incorporada aos manifestantes ou passeantes e culpam a
meteorologia e os banhistas pela falta da tal revolução que anunciaram e nunca
chegou.
Este
imaginário de esquerda radical que pulula pela comunicação social com
particular destaque para as televisões e rádios, tornou-se um dos melhores
aliados do Governo pois a distância a que toda aquela gente parece estar da
realidade é tal que em vez de alternativa se configuram como mais um episódio
de uma série de viagens exóticas, no caso ao folclore da esquerda radical.
Se
os manifestantes e os jornalistas se libertassem deste síndroma duma neo-FUP -
Frente de Unidade Popular, agora com a ala esquerda do PS a fazer de MES em
1975 - perceberiam que para o melhor e para o pior o Estado Social trouxe
protecção e segurança. Ou seja, fez com que as revoluções passassem a ser
entendidas como factor de instabilidade logo como algo que pode comprometer o
castelo de pensões, subsídios e apoios.
Não
é portanto a revolução que se prepara para triunfar mas sim a ilusão
reaccionária. A ilusão de que é possível continuar com "as nossas
vidas" conseguindo dinheiro de alguma forma. O entusiasmo em relação à
saída do euro que nos permitiria imprimir dinheiro é uma dessas soluções. Ou
parte dela. A recriação em versão política de um universo infantil de inimigos
e amigos imaginários, onde pontuará uma Alemanha má porque os seus
contribuintes não estão dispostos a arriscar (ainda mais!) as suas poupanças
para sustentar o nosso nível de vida, também ajuda. Em boa verdade a ilusão
reaccionária nem precisa de grande argumentário em Portugal porque ela é na
essência a nossa estranha forma de vida e o particular modo de sobrevivência
das nossas elites.
A
substituição do ministro Álvaro Santos Pereira por Vítor Gaspar como
objecto-denominador comum da animosidade dessas elites é bem sintomática do
avançar da ilusão reaccionária: tendo-se tornado evidente, muitos milhões de
euros desbaratados depois, que o crescimento não se consegue por decreto e
muito menos pela invocação mágica de "emprego, emprego, emprego"
feita no último congresso do PS por António José Seguro, o CDS e o PSD
juntam-se ao PS num único objectivo: manter o sistema como está pelo tempo que
for possível. Acreditam ou fazem de conta que acreditam que afastando Gaspar
tal será possível. Simplismo? Nem por isso. Trata-se sim de instinto de
sobrevivência, coisa que nunca falta aos vendedores de ilusões sobretudo se
estas forem reaccionárias.
Título
e Texto: Helena Matos, Diário Económico, 14-05-2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-