terça-feira, 14 de maio de 2013

A ilusão reacionária

Os subúrbios não arderam. As massas não tomaram o Terreiro do Paço.
 

Helena Matos
Os subúrbios não arderam. As massas não tomaram o Terreiro do Paço. As manifestações recorrentemente anunciadas como as maiores de sempre estão cada vez mais pequenas e com as bandeiras ondulando nas mãos dos reformados do costume a disfarçar as clareiras crescentes. A malta dos bombos chamada para animar os ânimos toca com ar de quem ainda espera chegar à terra a tempo de apanhar a última promoção do Pingo Doce. E os autocarros das câmaras aguardam para levar os manifestantes de volta a casa que isso de deslocações e bilhetes por conta própria só para ver o Benfica! Pressurosos os jornalistas fazem perguntas com resposta incorporada aos manifestantes ou passeantes e culpam a meteorologia e os banhistas pela falta da tal revolução que anunciaram e nunca chegou.
Este imaginário de esquerda radical que pulula pela comunicação social com particular destaque para as televisões e rádios, tornou-se um dos melhores aliados do Governo pois a distância a que toda aquela gente parece estar da realidade é tal que em vez de alternativa se configuram como mais um episódio de uma série de viagens exóticas, no caso ao folclore da esquerda radical.
Se os manifestantes e os jornalistas se libertassem deste síndroma duma neo-FUP - Frente de Unidade Popular, agora com a ala esquerda do PS a fazer de MES em 1975 - perceberiam que para o melhor e para o pior o Estado Social trouxe protecção e segurança. Ou seja, fez com que as revoluções passassem a ser entendidas como factor de instabilidade logo como algo que pode comprometer o castelo de pensões, subsídios e apoios.
Não é portanto a revolução que se prepara para triunfar mas sim a ilusão reaccionária. A ilusão de que é possível continuar com "as nossas vidas" conseguindo dinheiro de alguma forma. O entusiasmo em relação à saída do euro que nos permitiria imprimir dinheiro é uma dessas soluções. Ou parte dela. A recriação em versão política de um universo infantil de inimigos e amigos imaginários, onde pontuará uma Alemanha má porque os seus contribuintes não estão dispostos a arriscar (ainda mais!) as suas poupanças para sustentar o nosso nível de vida, também ajuda. Em boa verdade a ilusão reaccionária nem precisa de grande argumentário em Portugal porque ela é na essência a nossa estranha forma de vida e o particular modo de sobrevivência das nossas elites.
A substituição do ministro Álvaro Santos Pereira por Vítor Gaspar como objecto-denominador comum da animosidade dessas elites é bem sintomática do avançar da ilusão reaccionária: tendo-se tornado evidente, muitos milhões de euros desbaratados depois, que o crescimento não se consegue por decreto e muito menos pela invocação mágica de "emprego, emprego, emprego" feita no último congresso do PS por António José Seguro, o CDS e o PSD juntam-se ao PS num único objectivo: manter o sistema como está pelo tempo que for possível. Acreditam ou fazem de conta que acreditam que afastando Gaspar tal será possível. Simplismo? Nem por isso. Trata-se sim de instinto de sobrevivência, coisa que nunca falta aos vendedores de ilusões sobretudo se estas forem reaccionárias.
Título e Texto: Helena Matos, Diário Económico, 14-05-2013

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