Rodrigo Adão da Fonseca
Ao contrário do que muitos
acreditam, é minha convicção – admito, posso estar errado – que o destino da
Grécia está traçado desde a eleição do Syriza. O problema da Grécia é
fundamentalmente político, e só instrumentalmente financeiro.
Do ponto de vista estritamente
financeiro, a Grécia, ao contrário do que se diz, está
estava longe de estar asfixiada pela dívida, já que o volume de juros e
reembolsos pagos ao exterior é baixo, e o país está a beneficiar, mais uma vez,
daquilo que são as vantagens de fazer parte do Euro. A recusa do acordo
com os credores é política, de não-aceitação dos pressupostos de base de
funcionamento da moeda única, a começar pela necessidade de
reestruturação de uma economia artificial deficitária, que evolua para a
acumulação de superavits, e de colocação do país numa normalidade
institucional e orçamental que, diga-se, nunca teve.
Há dores
neste ajustamento? Sim, pois os que beneficiam da fragilidade da economia
grega vão perder privilégios, e é nestas dores de ajustamento que o Syriza
cavalga e constrói a sua narrativa, e angaria as suas tropas. Tendo em atenção
que a Grécia tem inúmeras lacunas, sobretudo no sistema fiscal, a margem
de recuperação é grande, pelo que com persistência não há razões para que não
se atinja, de uma forma até menos dolorosa do que temos assistido em Portugal,
a normalidade exigida pelos credores. Agora, sejamos claros, não
há acordo, nem esse acordo algum dia verá a luz do dia, pura e
simplesmente porque Tsipras nunca aceitará nenhuma solução de compromisso com o
capitalismo que o impeça de afirmar a sua narrativa e de justificar o caos que
deseja, essencial para legitimar aquilo que se segue – e que vem nos manuais.
Há vários anos que acompanho,
leio e estudo alguns dos autores neo-marxistas que inspiram as correntes da
“nova” esquerda, autores e correntes que se limitam a recauchutar as mesmas
ideias velhas de sempre, não apresentando nada de particularmente de novo, que
não a sua semântica.
A partir da herança deixada
pelos neomarxistas clássicos fortemente enraizados no pensamento europeu,
como Luckács, Gramsci ou Habermas, nos últimos vinte anos assistimos
a uma recuperação de algumas ideias antigas, que, com nova roupagem, voltaram a
animar corações adormecidos e em crise de fé.
Fukuyama errou quando
vaticinou o Fim da História e a morte do comunismo. Negri (sobre este
autor, recordo o escrevi em 2005, aqui,
aqui
e aqui),
Hardt, Zizek, e mais recentemente, Piketty, são alguns dos expoentes mais
mediáticos (seguramente, não os únicos, mas são os que conheço) de uma forma de
pensamento que, nos dias de hoje, inspiram os inimigos da liberdade.
Nos seus livros encontramos as
respostas que nos explicam aquilo que é a ação do Syriza, para tantos,
incompreensível e paradoxal. A apologia de uma nova luta de classes, o ataque à
tecnologia e aos mercados, a recusa do valor do trabalho e a perseguição
absoluta da igualdade pela igualdade, o ódio burguês, a exploração do medo a
partir dos media e da rua, e a noção que uma minoria bem organizada que
manipule as massas assustadas poderá alimentar a ânsia de ruptura, tudo é
minuciosamente descrito e estruturado por estes autores, que gozam da simpatia
e da promoção de sociais-democratas e socialistas moderados, com nostalgia dos
tempos em que bebiam dos ideais revolucionários. Basta pensar, quantos dos
atuais líderes europeus, na sua juventude, não militaram nos grupos de
extrema-esquerda, não se deliciaram nas leituras e palestras de Sartre, no
cinema neo-realista italiano e francês, ou no pensamento estruturado da Escola
de Frankfurt?
Aquilo que estamos a assistir
na Grécia não é a recuperação da democracia nem dos seus ideais. Um
plebiscito popular que conduz à destruição das instituições, do Estado de
Direito, da propriedade e da normalidade do funcionamento básico de uma sociedade,
só tem um objectivo: afirmar um Estado Falhado, de onde possa emergir uma
solução revolucionária, de construção de um regime neo-marxista.
Muito em breve perceberemos a razão pela qual Tsipras se recusa a cortar no orçamento da Defesa, e o que motivou a coligação com a extrema-direita de Panos Kammenos e do ANEL que tanta estupefação e estranheza causou no início
do ano à generalidade dos nossos media. Pouco falta para que na
encenação grega o caos tenha de ser controlado por um regime
suportado por militares, tudo em nome e na defesa da vontade dos interesses do
Povo, claro está. Se há coisa que Marx acertou é que, pelo menos no quadro da
extrema-esquerda, a história sempre esteve pré-escrita, basta desvendá-la.
Título e Texto: Rodrigo Adão da Fonseca, O Insurgente, 6-7-2015
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