Paulo Zua
Nos países ditatoriais, os
partidos únicos emitem com frequência comunicados onde proclamam o exato
contrário da realidade. Num país com fome e os campos devastados, o comunicado
do partido único dirá: “O nosso povo vive alimentado em abundância, nunca tendo
tido ao seu dispor tantos e tão frescos alimentos, os campos estão verdejantes
e as colheitas soberbas. Tudo isto acontece graças ao Grande Timoneiro da nossa
Nação!” União Soviética, China maoista, Cuba, Coreia do Norte, Venezuela e
muitos outros usaram e abusaram destas retóricas.
Aparentemente, apesar da
suposta introdução do multipartidarismo em Angola, o MPLA não perdeu estes
tiques comunicacionais. O mais recente comunicado acerca da 6ª reunião
ordinária do Bureau Político do MPLA, ocorrida em 3 de agosto de 2018, é tão
surrealista, e ao mesmo tempo ideologicamente tão perigoso, que merece uma
especial atenção.
Desse comunicado, percebe-se
que o tema central da reunião foram os preparativos para a unção de João
Lourenço na presidência do partido. Contudo, o que interessa realçar são três
referências adicionais sobre outros temas, que demonstram os perigos e anseios
do MPLA.
Por que existe um surto de
cólera?
Escreve-se que o MPLA
“manifestou preocupação face aos surtos de cólera (…), tendo exortado à
necessidade de esforços multissectoriais, para a erradicação deste mal,
passível de causar a dor e o luto nas famílias angolanas, principalmente as
mais carenciadas”.
O assunto é demasiado sério
para deixarmos passar esta afirmação hipócrita. A cólera é uma infecção
intestinal causada por bactérias que se encontram nas águas não tratadas, nos
alimentos malconservados e nos locais sujos.
Em suma, é uma doença resultante
da sujidade e da inexistência de infraestruturas que garantam água potável,
alimentos em boas condições e habitações salubres. Tal como a malária, conforme referimos em artigo recente, as principais circunstâncias que promovem os
surtos de cólera são políticas. De facto, onde há pobreza há cólera, porque
falta saneamento básico, água potável e instalações sanitárias nas habitações.
Em Angola, a generalidade da
população não usufrui de nenhumas das condições que permitem evitar a cólera e
a malária.
Ora, quem sempre dirigiu o
país foi o MPLA. Quem não criou saneamento básico foi o MPLA.
Quando agora vem “manifestar
preocupação” face aos surtos de cólera, o partido que há tantas décadas lidera
o país simplesmente faz de conta que não vê a realidade, e tem a esperança de
que os angolanos façam o mesmo. Este teatro é não só hipócrita, inqualificável,
como criminoso.
E porquê? Porque prossegue na
mesma linha do passado. Ao não assumir as verdadeiras causas da cólera, ao
fingir que o que se passa é um problema, mas externo, continuará a nada fazer.
Não implementa saneamento básico, não garante o abastecimento estável de eletricidade,
não melhora os transportes nem os caminhos viários necessários à distribuição,
etc., etc.
O Arquiteto de quê?
A segunda referência absurda
no comunicado do MPLA é a homenagem a José Eduardo dos Santos (JES) como “Arquiteto
da Paz”.
Numa altura em que a principal
preocupação de João Lourenço é recuperar os vários biliões retirados a Angola
pelos filhos de José Eduardo dos Santos, homenageia-se o pai dos desvios?
Parece que o MPLA não sabe se
quer combater ou apadrinhar a corrupção.
Além disso, do ponto de vista
histórico, não tem qualquer sentido aplicar o epíteto “Arquitecto da Paz” a
JES. José Eduardo não desenhou paz nenhuma. Ganhou uma guerra matando o
adversário, expondo o seu cadáver às moscas e às pessoas numa reportagem televisiva
que correu mundo, e ocultando até hoje, o seu corpo.
Todas as tentativas de paz –
Gbadolite, Bicesse, Lusaka – falharam. E a culpa desse fracasso nunca foi
exclusivamente da UNITA. Houve sempre responsabilidades partilhadas. Portanto,
JES nunca arquitetou paz nenhuma.
Obviamente, obteve a vitória
na guerra. E a paz veio a seguir. JES não mandou fuzilar os membros da UNITA e
integrou-os na sociedade. Impôs, portanto, as condições do armistício à outra
parte. Tendo matado o líder da UNITA, confrontado com uma oposição
desmoralizada, e necessitando de apoio externo para reconstruir o país, bem
como a sua fortuna e dos seus generais e apaniguados, JES, que é inteligente,
fez como muitos conquistadores desde a Antiguidade. Aplicou a clemência do
vencedor e tratou de obter o saque da sua vitória sem mais obstáculos.
A verdade é que a partir de
2002 o papel da UNITA se reduziu à suave vassalagem. Quem mandou e manda foi o
MPLA. JES não foi o Arquiteto da Paz. Foi, isso sim, o Arquitecto da Vitória do
MPLA. Se os militantes quiserem comemorar isso, estão no seu direito, mas não
tentem enganar os distraídos.
Vai começar o ataque às
redes sociais?
Na Angola contemporânea, a
principal e real oposição ao regime do MPLA está nas redes sociais. Milhões de
pessoas diariamente fustigam o MPLA, as “vigarices” dos seus dirigentes, a
corrupção dos seus líderes e a ineptidão das suas políticas. Este é um
movimento que tem vindo a alastrar – e, num país com uma população extremamente
jovem, a tendência será de crescimento exponencial.
Obviamente, o MPLA não
controla esta situação e sabe que ela poderá colocar em perigo o monopólio
partidário, bem mais do que as autarquias locais.
É por isso que, de vez em
quando, vai lançando uns balões de ensaio para uma sinificação das redes
sociais. A China, como se sabe, exerce um controlo férreo sobre as redes
sociais, não permitindo qualquer dissidência. Angola é um aliado e diligente
aluno da China, de quem aliás depende financeiramente, por isso, não admira que
esteja a estudar os métodos chineses de controlo das redes sociais para os
aplicar em Angola. É isso que as seguintes palavras contidas no comunicado
querem dizer: “MPLA exortou a todos os cidadãos, para que, no cumprimento dos
seus deveres e no exercício dos seus direitos, prezem por uma conduta com
princípios e valores, ética e obediência à lei e à ordem pública,
principalmente no uso ético e racional das redes sociais e das novas
tecnologias de informação, para que, juntos, os angolanos continuem a edificar
uma Angola saudável e digna, em que as gerações vindouras se orgulhem dos
feitos do presente.”
Trata-se de uma sugestão
extremamente perigosa, à qual os defensores das liberdades devem manter-se
atentos. O que estará o Governo disposto a fazer para implementar o “uso ético
e racional” das redes sociais?
Título e Texto: Paulo Zua, Maka Angola, 6-8-2018
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-