terça-feira, 7 de agosto de 2018

MPLA: os vícios de partido único

Paulo Zua


Nos países ditatoriais, os partidos únicos emitem com frequência comunicados onde proclamam o exato contrário da realidade. Num país com fome e os campos devastados, o comunicado do partido único dirá: “O nosso povo vive alimentado em abundância, nunca tendo tido ao seu dispor tantos e tão frescos alimentos, os campos estão verdejantes e as colheitas soberbas. Tudo isto acontece graças ao Grande Timoneiro da nossa Nação!” União Soviética, China maoista, Cuba, Coreia do Norte, Venezuela e muitos outros usaram e abusaram destas retóricas.

Aparentemente, apesar da suposta introdução do multipartidarismo em Angola, o MPLA não perdeu estes tiques comunicacionais. O mais recente comunicado acerca da 6ª reunião ordinária do Bureau Político do MPLA, ocorrida em 3 de agosto de 2018, é tão surrealista, e ao mesmo tempo ideologicamente tão perigoso, que merece uma especial atenção.

Desse comunicado, percebe-se que o tema central da reunião foram os preparativos para a unção de João Lourenço na presidência do partido. Contudo, o que interessa realçar são três referências adicionais sobre outros temas, que demonstram os perigos e anseios do MPLA.

Por que existe um surto de cólera?

A primeira referência é ao surto de cólera que se abateu sobre algumas zonas do país.

Escreve-se que o MPLA “manifestou preocupação face aos surtos de cólera (…), tendo exortado à necessidade de esforços multissectoriais, para a erradicação deste mal, passível de causar a dor e o luto nas famílias angolanas, principalmente as mais carenciadas”.

O assunto é demasiado sério para deixarmos passar esta afirmação hipócrita. A cólera é uma infecção intestinal causada por bactérias que se encontram nas águas não tratadas, nos alimentos malconservados e nos locais sujos.

Em suma, é uma doença resultante da sujidade e da inexistência de infraestruturas que garantam água potável, alimentos em boas condições e habitações salubres. Tal como a malária, conforme referimos em artigo recente, as principais circunstâncias que promovem os surtos de cólera são políticas. De facto, onde há pobreza há cólera, porque falta saneamento básico, água potável e instalações sanitárias nas habitações.

Em Angola, a generalidade da população não usufrui de nenhumas das condições que permitem evitar a cólera e a malária.

Ora, quem sempre dirigiu o país foi o MPLA. Quem não criou saneamento básico foi o MPLA.

Quando agora vem “manifestar preocupação” face aos surtos de cólera, o partido que há tantas décadas lidera o país simplesmente faz de conta que não vê a realidade, e tem a esperança de que os angolanos façam o mesmo. Este teatro é não só hipócrita, inqualificável, como criminoso.

E porquê? Porque prossegue na mesma linha do passado. Ao não assumir as verdadeiras causas da cólera, ao fingir que o que se passa é um problema, mas externo, continuará a nada fazer. Não implementa saneamento básico, não garante o abastecimento estável de eletricidade, não melhora os transportes nem os caminhos viários necessários à distribuição, etc., etc.

O Arquiteto de quê?

A segunda referência absurda no comunicado do MPLA é a homenagem a José Eduardo dos Santos (JES) como “Arquiteto da Paz”.

Numa altura em que a principal preocupação de João Lourenço é recuperar os vários biliões retirados a Angola pelos filhos de José Eduardo dos Santos, homenageia-se o pai dos desvios?
Parece que o MPLA não sabe se quer combater ou apadrinhar a corrupção.

Além disso, do ponto de vista histórico, não tem qualquer sentido aplicar o epíteto “Arquitecto da Paz” a JES. José Eduardo não desenhou paz nenhuma. Ganhou uma guerra matando o adversário, expondo o seu cadáver às moscas e às pessoas numa reportagem televisiva que correu mundo, e ocultando até hoje, o seu corpo.

Todas as tentativas de paz – Gbadolite, Bicesse, Lusaka – falharam. E a culpa desse fracasso nunca foi exclusivamente da UNITA. Houve sempre responsabilidades partilhadas. Portanto, JES nunca arquitetou paz nenhuma.

Obviamente, obteve a vitória na guerra. E a paz veio a seguir. JES não mandou fuzilar os membros da UNITA e integrou-os na sociedade. Impôs, portanto, as condições do armistício à outra parte. Tendo matado o líder da UNITA, confrontado com uma oposição desmoralizada, e necessitando de apoio externo para reconstruir o país, bem como a sua fortuna e dos seus generais e apaniguados, JES, que é inteligente, fez como muitos conquistadores desde a Antiguidade. Aplicou a clemência do vencedor e tratou de obter o saque da sua vitória sem mais obstáculos.

A verdade é que a partir de 2002 o papel da UNITA se reduziu à suave vassalagem. Quem mandou e manda foi o MPLA. JES não foi o Arquiteto da Paz. Foi, isso sim, o Arquitecto da Vitória do MPLA. Se os militantes quiserem comemorar isso, estão no seu direito, mas não tentem enganar os distraídos.

Vai começar o ataque às redes sociais?

Na Angola contemporânea, a principal e real oposição ao regime do MPLA está nas redes sociais. Milhões de pessoas diariamente fustigam o MPLA, as “vigarices” dos seus dirigentes, a corrupção dos seus líderes e a ineptidão das suas políticas. Este é um movimento que tem vindo a alastrar – e, num país com uma população extremamente jovem, a tendência será de crescimento exponencial.

Obviamente, o MPLA não controla esta situação e sabe que ela poderá colocar em perigo o monopólio partidário, bem mais do que as autarquias locais.

É por isso que, de vez em quando, vai lançando uns balões de ensaio para uma sinificação das redes sociais. A China, como se sabe, exerce um controlo férreo sobre as redes sociais, não permitindo qualquer dissidência. Angola é um aliado e diligente aluno da China, de quem aliás depende financeiramente, por isso, não admira que esteja a estudar os métodos chineses de controlo das redes sociais para os aplicar em Angola. É isso que as seguintes palavras contidas no comunicado querem dizer: “MPLA exortou a todos os cidadãos, para que, no cumprimento dos seus deveres e no exercício dos seus direitos, prezem por uma conduta com princípios e valores, ética e obediência à lei e à ordem pública, principalmente no uso ético e racional das redes sociais e das novas tecnologias de informação, para que, juntos, os angolanos continuem a edificar uma Angola saudável e digna, em que as gerações vindouras se orgulhem dos feitos do presente.”

Trata-se de uma sugestão extremamente perigosa, à qual os defensores das liberdades devem manter-se atentos. O que estará o Governo disposto a fazer para implementar o “uso ético e racional” das redes sociais?
Título e Texto: Paulo Zua, Maka Angola, 6-8-2018

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