domingo, 4 de outubro de 2020

Uma razão para preferir Trump a Biden

O verdadeiro problema é que Biden arrasta consigo um Partido Democrata que, desde o segundo mandato de Obama, evoluiu numa direção catastrófica e nociva até mais não 

Paulo Tunhas 

Também eu vi o debate entre Trump e Biden. Afinal de contas, quem não se interessa, mesmo na pequena Lusitânia, pelo que se passa no centro do Império? Vi-o na SIC, acompanhado regularmente pelos breves comentários da jornalista da casa, Teresa Dimas: risinhos e piadinhas quando Trump falava, palavras de admiração (“propostas concretas” etc.) quando era a vez de Biden. Enfim, uma jornalista da SIC a fazer o papel de jornalista da SIC, quer dizer: a fazer o papel de qualquer membro das várias delegações regionais da CNN ou do New York Times. 

Confesso que não achei o debate tão vertiginosamente mau como, na aparência, muita gente julgou. Trump foi igual a si mesmo, nas suas qualidades e defeitos, e Biden, provando que a ciência hoje em dia faz milagres, esteve alerta a maior parte do tempo, conseguindo mesmo imitar Trump por uma vez ou outra. Esta minha opinião não foi partilhada por grande parte dos órgãos de comunicação, que, mesmo defendendo a “vitória” de Biden, julgaram o debate declaradamente horrível. O que, se alguma coisa, me leva a concluir que ele terá corrido melhor a Trump do que me pareceu. 

Dito isto, o debate não foi uma felicidade. O que, atendendo às coisas, não é difícil de explicar. Os nossos juízos políticos dão-se, pelo menos, em três planos diferentes. O primeiro é, por assim dizer, quase inteiramente negativo. Avaliam-se os riscos inerentes às posições em confronto e decide-se por aqueles que nos parecem menores. O segundo contém elementos negativos e positivos. Há a tal avaliação dos riscos, e o juízo que dela decorre, mas essa avaliação é acompanhada de uma ligação, mais direta ou mais indireta, à questão do que é bem viver em sociedade. O terceiro e último plano é aquele que incide primeira e quase exclusivamente nesta última questão. É o plano de que tradicionalmente a filosofia se ocupa, desde Platão e Aristóteles, mas que tem um equivalente na consciência comum, por menos educada que seja. E, acrescento, a tal consciência comum tem toda a legitimidade para se pronunciar no capítulo. 

Em matéria política, não há “especialistas”, como em física ou em biologia. Todos temos, de forma mais distinta ou de forma mais confusa, a ideia do que é uma sociedade boa, por mais “deplorável” (para utilizar uma palavra célebre) que a posição dos outros nos pareça.

Por razões sociais e históricas, largamente comuns à sociedade americana e às sociedades europeias, este último plano tende a eclipsar-se do debate político, e esse eclipse afeta parcialmente também o segundo plano. Dito de outra maneira, a interrogação sobre a natureza da sociedade e sobre a forma que deve adoptar o bem-viver coletivo sobrevive apenas no discurso político de uma forma frustre e esfarrapada, por mais artifícios retóricos com que se tente disfarçar este simples e maciço facto. Guardadas as devidas distâncias, e atendendo às particularidades locais, o que se passa em Portugal não é grandemente distinto do que se passa nos Estados Unidos.

O debate entre Trump e Biden, por razões que transcendem largamente as peculiaridades particulares de qualquer um dos dois indivíduos, só é praticamente susceptível de ser analisado no primeiro plano que indiquei, com uma eventual e muito superficial comunicação com o segundo. Ou, se se quiser: a sua avaliação só pode contar com critérios que incidem sobre a dimensão dos riscos que se correm. Claro que essa avaliação repousa ainda, em larga medida, sobre aquilo que cada um de nós julga ser o bom modo de viver em sociedade: a questão permanece, de direito, a questão primeira. Mas, de facto, o seu modo de existência no debate político presente é mais fantasmático do que real. 

Isto tudo – e não peço desculpa pelo tempo que gastei a dizê-lo, porque me parece, com razão ou sem ela, importante – para chegar a uma conclusão relativamente simples. Ela é, como seria de esperar, essencialmente negativa. Biden não é, obviamente, um perigoso esquerdista apostado na destruição da civilização ocidental e arredores. É um velhíssimo político, nem sequer especialmente antipático (Trump é mais “antipático” do que ele), notoriamente debilitado tanto física como mentalmente. Este último aspecto não apresenta uma gravidade plena: há soluções previstas para os problemas que isso possa criar. O verdadeiro problema é que Biden arrasta consigo um Partido Democrata que, desde o segundo mandato de Obama, um homem obviamente inteligente, mas cuja ação política se revelou nefasta a vários títulos, evoluiu numa direção catastrófica e nociva até mais não, prolongando tendências na sociedade americana desde que a chamada “esquerda acadêmica” ganhou uma grande importância, desde finais dos anos 80, princípios dos 90. 

Alguns exemplos de crenças partilhadas pela muito representativa ala esquerda dos democratas, que não deixarão em caso algum de ter consequências significativas nos Estados Unidos e por esse mundo fora caso Biden seja eleito: admissão da tese do “racismo sistêmico”, uma espécie de “melaninismo” que ocupa o lugar do defunto marxismo-leninismo, que nunca teve real significado nos Estados Unidos; desenvolvimento de uma concepção radical e selvagem do combate às chamadas “alterações climáticas”; instauração de um clima em que a polícia e as forças da ordem sejam sistematicamente encaradas de um ponto de vista adversarial; promoção da cultura do “cancelamento”, que significa nem mais nem menos do que uma tentativa de obliteração do passado e o impedimento de a “conversa da humanidade” dialogar com ele e medir reflexivamente as várias distâncias que dele nos separam; justificação de um multiculturalismo ativo que se encontra muito longe de qualquer legítimo e desejável convívio com a multiculturalidade que é a condição natural do alargamento da democracia; crescimento exponencial de uma intolerância virtuosa que, por todas as razões aqui mencionadas, e por muitas outras que se poderiam acrescentar, ameaça tomar conta do todo da sociedade. 

Como explicava no outro dia, numa entrevista ao Figaro, um professor americano, Joseph Bottum, todas estas atitudes vêm de pessoas “que querem estar certas de ser «boas pessoas». Sabem que são boas pessoas se se opuserem ao racismo. Pensam ser boas pessoas porque se opõem à destruição do ambiente. Querem ter a boa «atitude», e essa é a razão pela qual os que não têm a boa atitude são expulsos das universidades ou do seu trabalho por razões insignificantes. Antes, era-se excluído da Igreja, hoje é-se excluído da vida pública”. 

Face a isto, face à ameaça da intensificação a níveis nunca vistos de algo que já ocupa uma boa parte do nosso quotidiano, face a esse maniqueísmo que generalizadamente tomou conta dos espíritos, não vejo como não preferir uma posição como a de Trump, que finalmente representa sobretudo a barreira possível contra a verdadeira loucura que ameaça tomar conta de tudo. Dir-se-á que é uma razão inteiramente negativa. E é. Há várias coisas em que se podem dizer coisas abonatórias de Trump (em matéria de política externa, nomeadamente), mas as razões negativas são as mais prementes e decisivas. E, como eu encaro a coisa, as bastantes, pelo menos vendo o mundo a partir da Lusitânia. 

Título e Texto: Paulo Tunhas, Observador, 1-10-2020

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