A baderna no Capitólio é mais um sintoma da
crise da democracia do que a causa de novos problemas
Ana Paula Henkel
Em 1812, os Estados Unidos
enfrentaram a maior potência naval do mundo, a Grã-Bretanha, em um conflito que
teria um impacto enorme no futuro do jovem país. As causas da guerra incluíram
tentativas britânicas de restringir o comércio dos EUA e o desejo da América de
expandir seu território. Ao longo do confronto considerado “a 2ª Guerra de
Independência”, os Estados Unidos sofreram muitas derrotas nas mãos de tropas
britânicas, canadenses e nativas americanas, e, em agosto de 1814, os
norte-americanos viram a captura e o incêndio da capital do país, Washington,
DC. O prédio do Capitólio, um dos mais importantes do governo, ardeu em chamas
por horas e só não virou cinzas devido a uma forte tempestade.
Nesta semana, o Capitólio, que
deveria ser um dos lugares mais seguros do mundo, já que guarda as alas da
legislatura bicameral norte-americana — a Câmara dos Representantes, na ala
sul, e o Senado, na ala norte —, foi novamente invadido. O ataque, não
perpetrado por tropas inimigas, foi executado por cidadãos comuns. O
acontecimento revela mais um sintoma da crescente insatisfação de partes do
tecido social norte-americano, esticado e maltratado, e que vem sobrevivendo a
drásticos remendos ao longo dos últimos anos.
Não apenas a violência de alguns e o ataque ao Capitólio marcaram o último dia 6 de janeiro na capital. No dia em que a Constituição manda o Congresso abrir os votos do Colégio Eleitoral para certificar os resultados da eleição presidencial, centenas de milhares de pessoas tomaram as ruas de Washington, pacificamente, para mostrar apoio ao presidente Donald Trump em face das muitas alegações e indícios de fraude na última eleição. Com discursos, palavras de ordem e milhares de cartazes espalhados em um mar de gente, a direita americana mostrou que a confiança no atual sistema político — e em algumas instituições e seus agentes — está também esgarçada, e pobremente remendada.
Ainda não se sabe se houve
infiltração no movimento que invadiu o Capitólio de membros de grupos
terroristas domésticos, como Antifa e Black Lives Matter, mas, mesmo se isso
for confirmado pelas autoridades policiais que investigam essa possibilidade, o
fato é que o Congresso foi, também, tomado por apoiadores do presidente Donald
Trump.
Qualquer tipo de violência,
independentemente do lado do espectro político do qual se origine, deve sempre
ser condenado — e sempre será, pelo menos aqui na Revista Oeste.
Podemos discutir as muitas perguntas sem respostas desta última eleição
presidencial norte-americana, os gravíssimos indícios de fraude, a descarada e
absurda censura das Big Techs a vozes antagônicas ao globalismo e aos
tecnocratas, e até as obscuras relações da família Biden com a China. Mas
invadir um dos símbolos da liberdade plena no Ocidente é uma ação
antidemocrática que jamais pode ser tolerada.
O ataque ao Capitólio foi
grave, mas mostra apenas o sintoma de um Estado que alimenta pontos de ebulição
em uma sociedade totalmente dividida e compartimentada, com setores extremos
que retroalimentam o ódio pelo debate justo. Isso seria um reflexo dos
governantes, ou eles são o reflexo da atual sociedade? Nesse cenário, há
vários players e agentes de condução desses pontos, com ações
e estratégias beligerantes que aram o solo para um novo modelo de guerra civil.
Mas há um agente, disfarçado muitas vezes de pacificador, paladino dos fatos e
mensageiro intelectual do que podemos ou não consumir, dizer e pensar, que está
entre os maiores pecadores e agitadores da atual desorientação social,
alimentando as batalhas sangrentas virtuais: a mídia.
Desde 2016, milhões de
norte-americanos são chamados de deploráveis, fascistas, nazistas, racistas e
de toda uma lista de adjetivos impublicáveis. E, aqui, reafirmo que nada disso
é motivo ou justificativa para iniciar qualquer ação violenta. O exercício é
para que possamos tentar ir além de eventos isolados, de modo a poder enxergar
os perigos de todos os lados e propor soluções.
Desde 2016, esse grande agente
no cenário político, a imprensa, deixou de lado o papel investigativo e factual
e passou a apenas opinar e militar. Nessa militância, além do uso grotesco de
qualificativos para descrever cada movimento político que desaprova, os
“arautos” do pensamento público não hesitam em insultar a razão, a História e
em desconsiderar as reais vítimas de regimes nefastos como o nazismo e o
fascismo. A responsabilidade de apontar erros em ambos os lados se transformou
no gritante duplo padrão de hipocrisia. Enquanto nada foi dito, publicado ou
condenado durante as várias semanas em que bairros inteiros eram queimados em
muitas cidades norte-americanas em 2020, o mesmo silêncio foi quebrado nos
últimos dias para o total — e com razão — repúdio à violência dentro do
Capitólio.
“Mostre-me onde se diz que manifestantes devem ser educados e
pacíficos”
Não é preciso uma detalhada
pesquisa para ilustrar o duplo padrão de cobertura. Durante os protestos que
começaram em junho passado, o âncora da rede CNN Chris Cuomo, em uma
transmissão que mostrava atos de violência de membros do BLM e Antifa, em que
estabelecimentos comerciais ardiam em chamas e prédios federais eram cercados,
disse: “Por favor, mostre-me onde se diz que manifestantes devem ser educados e
pacíficos. Posso mostrar a vocês que cidadãos indignados fizeram da América o
que ela é e que a levaram a marcos importantes”.
Na mesma época, Kamala Harris, agora a vice-presidente que será empossada no dia 20 de janeiro, bradou em uma entrevista, quase em tom ameaçador, contra uma possível vitória de Donald Trump: “Eles [os movimentos Black Lives Matter e Antifa] não vão parar antes da eleição e não vão parar depois. Todos devem anotar isso. Eles não vão parar e eles não devem parar”. Harris, ao longo das semanas de protestos, fez várias campanhas de arrecadação de dinheiro para tirar da cadeia, com o pagamento de fiança, os vândalos e agitadores violentos presos pela polícia. Biden e outros democratas importantes ficaram em silêncio.
Durante quatro anos, Donald
Trump foi, dia sim e outro também, pintado como o novo Hitler do século, que
exterminaria a democracia. Milhões de norte-americanos compraram o retrato do
“novo demônio“. E quem não ajudaria a fraudar uma eleição para derrubar Hitler?
Quem não mentiria ou distorceria fatos para acabar com Hitler? Mesmo com a
administração dando seguidos exemplos na outra direção, com acordos de paz
sendo assinados, esforços despendidos para os EUA não entrarem em outra guerra
e medidas que possibilitaram o avanço da economia, a narrativa do risco do
fascismo prosseguia entre os jacobinos da mídia. “Vejam, estamos diante de mais
uma ameaça fascista à República norte-americana. E, claro, com o Hitler do
momento liderando um golpe de Estado” foi a leitura que se viu da invasão do
Capitólio. Mais uma vez a guilhotina jornalística entrou em ação e, mais uma
vez, o desvirtuamento do real cenário social foi empurrado para debaixo do
tapete.
Um ataque a um dos símbolos
mais importantes do sistema político norte-americano deve ser visto como uma
afronta à democracia. Infelizmente, uma apoiadora de Trump foi baleada dentro
do Capitólio e faleceu — fato ignorado pelas redações militantes —, mas o que
se seguiu às horas de tensão não foi apenas um ataque à democracia, mas aos
pilares importantíssimos do Ocidente. Como um Politburo, num movimento
uníssono, as plataformas digitais resolveram bloquear e derrubar todas as
contas do presidente dos Estados Unidos, num bizarro movimento orquestrado que
deveria arrepiar os cabelos de qualquer pessoa que more do lado de cá das
fronteiras comunistas.
Não basta pintá-lo como o novo
Hitler ou Nero que incendiará a América, o populismo de Donald Trump e sua
conexão com a classe trabalhadora norte-americana precisavam ser eliminados.
Tenho uma lista de críticas a Donald Trump e posso, ao mesmo tempo, enaltecer
as conquistas de seu governo, mas este artigo não é para fazer uma defesa de
sua administração. É necessário colocarmos as paixões políticas de lado e
entendermos o que, de verdade, está na guilhotina dos novos jacobinos. E não é
a cabeça ou a voz de Donald Trump. É a minha, a sua, e a de qualquer pessoa que
desafie a supremacia cultural e política da mídia, com cada vez mais poder de
distorcer a realidade. Como se os violentos protestos do BLM fossem apenas
manifestações pacíficas e o populismo do presidente norte-americano, o novo
fascismo.
Na quinta-feira, o diretor
político da ABC News, com sede em Washington, foi ao Twitter e disse que “era
preciso limpar o movimento que Trump comanda”. Rick Klein escreveu: “Trump será
um ex-presidente em 13 dias. O fato é que livrar-se de Trump é a parte fácil.
Limpar o movimento que ele comanda vai ser outra coisa”. Entenderam? Esse, na
verdade, deveria ser o alarme do final de uma das administrações mais polêmicas
da História. O sinal, já vermelho, de que o caminho a ser trilhado agora será
calar as vozes irritantes — com Trump ou sem Trump —, aquelas que resolverem
discordar dos tecnocratas.
Uma das lições que vamos
colhendo ao longo de um caminho político que tem sido impiedoso nos mostra que
a situação já atingiu um ponto nevrálgico de polarização quase sem cura. Pela
primeira vez depois da guerra de 1812, o Capitólio, símbolo da política e da
lei na maior nação do mundo, sofreu uma invasão bárbara, assim como a
sagradíssima Primeira Emenda Americana que ilumina o Ocidente com o farol da
liberdade de expressão, de imprensa, de religião, de protestar pacificamente.
Não importa se eu e você
acreditamos que houve ou não fraude nas últimas eleições presidenciais
norte-americanas — metade do país, que ouviu durante quatro anos que é
deplorável, acredita. Esse é um lugar perigoso para estar. Portanto, talvez em
vez de tentar demonizar mais da metade do país de dentro de uma torre de marfim
ou atrás de um teclado de redação ou câmera de TV, pleitear alguma
transparência ou reforma não seria nada perto do fascismo que querem pintar.
Poderia ser a tão esperada vacina em tempos de pandemia intelectual.
Não estou interessada em
justificar o que aconteceu no Capitólio. Esse tipo de comportamento é abjeto e
deverá sempre ser repudiado. No entanto, além de se tratar de responsabilidade,
crucial em uma nação fundamentada na lei e na ordem, é ainda mais urgente
enfrentar a realidade em todo o seu contexto. Porque, se houver alguma chance
de fazer uma mudança, de nos afastarmos da beira do precipício, temos de
começar entendendo onde estamos e como chegamos aqui.
Título e Texto: Ana Paula Henkel, revista Oeste, nº 42, 8-1-2021
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