Luís Ernesto Lacombe
Eles vagam pelas ruas, têm uma
cor entre cinza e chumbo, seu próprio dia nublado e feioso. Têm lixeiras a
visitar, pedidos a fazer, lamentos como ganha-pão. Qualquer coração de verdade
entende e bate em descompasso, esbarra em tantas impossibilidades, suspira.
Resta um sopro, a esperança sopra...
Eles estão por toda parte, carregam quinquilharias, um cobertor enfermo, trapos exaustos, sacos plásticos, um pedaço de papelão, um arremedo de barraca, carregam um pouquinho da desgraça de tudo. Nesse resumo vago das dores do mundo, seus olhares são vagos. Olhos que não veem e que a maioria não vê.
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Foto: Pixabay |
As duas cidades entre as quais
me divido estão assim, cheias de olhares atropelados. O endereço é qualquer
parte: viaduto, marquise, ponte, calçada, praça, beco. É a ausência por todo
canto, de todo jeito, sem nome, sem trabalho, sem comida, sem saúde. Às
dezenas, às centenas, aos milhares nas ruas.
Hoje, 27 milhões de pessoas
vivem com uma renda mensal inferior a R$ 246! Não digam a elas que fiquem em
casa, talvez elas não tenham casa. Com certeza, elas têm fome
São os mais pobres entre os
mais pobres. Eram 25 mil em São Paulo, há pouco mais de um ano. Quantos serão
agora? Quem vai contá-los, sem sair de casa? Falam em 15 mil no Rio, que um
terço deles, há um ano, tinha uma casa, tinha para onde voltar no fim do dia...
Talvez já não lembrem o nome da rua, o número, o bairro, a região, talvez não
falem disso nas conversas nos bancos das praças, nos canteiros entre as pistas
dos carros, nas marquises do sem-fim de lojas fechadas.
As casas já não existem. Outras, aos poucos, se desfazem. São pequenas, vão ficando menores, vazias... A geladeira está vazia. De repente, não há mais geladeira. Um sofá, um colchão, vende-se quase tudo. Vende-se por muito pouco, na deflação que o desespero, a incerteza e a fome provocam. Aceitam trocas também, aceitam feijão, arroz, cesta básica.
Mesmo trancado em casa,
qualquer um pode ver: a pobreza no Brasil triplicou no último ano. Hoje, 27
milhões de pessoas vivem com uma renda mensal inferior a R$ 246! Não digam a
elas que fiquem em casa, talvez elas não tenham casa. Com certeza, elas têm
fome e uma expectativa de vida achatada.
De nada lhes servem os
eufemismos... “Insegurança alimentar” é o quê? No ano passado, no Brasil, 19
milhões de pessoas passaram fome! E o drama só aumenta. Hoje, mais da metade da
população do país, 117 milhões de pessoas, não sabe se terá comida suficiente
no dia seguinte e foi obrigada a reduzir a quantidade e a qualidade dos seus
alimentos... Nas filas para receber uma refeição há gente que antes doava e
agora pede quentinha.
“Situação de rua” é o quê?
Pedra, cimento, fumaça, poeira, noites estreladas assustadoras ou nuvens negras
como teto, um dia inteiro de ausência. É o Brasil da fome, sem home e sem
office. Quebrado, desempregado, sem renda.
Todos enxergam os hospitais
lotados, os doentes, mas ninguém enxerga a fome. A miséria leva à morte de
forma quase invisível... Olhem por todos, olhem por todos! Não há heróis entre
as vítimas nas ruas, na extrema pobreza, elas não estão salvando ninguém.
Título e Texto: Luís
Ernesto Lacombe; Edição: Marcio Antonio Campos – Gazeta do Povo, 9-4-2021
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