segunda-feira, 5 de julho de 2021

A CPI da Covid gritou o tempo todo, mas não produziu nada de útil

Comissão sobrevive apenas na imprensa, com respiração artificial fornecida por aparelhos

J. R. Guzzo

A CPI da Covid está completando dois meses de atividade como candidata a campeã, fácil, ao título de pior investigação jamais feita pelo Senado brasileiro. Todo mundo sabe, é claro, que o Senado Federal é um desastre com perda quase total em praticamente tudo aquilo que faz — mas, desta vez, a aglomeração de senadores que inventou e controla esse inquérito superou-se em matéria de má fé, inépcia, burrice e desrespeito, puro e simples, à lei e a decência comum. Falam, falam e falam sobre essa CPI, mas não dizem a única coisa que interessa: o picadeiro armado todos os dias em Brasília pelos investigadores é um exemplo perfeito de tudo o que não deveria ser uma comissão parlamentar de inquérito.

A chave da questão toda é muito simples: o resultado prático da CPI, em termos legais e com relevância do ponto de vista judicial, é até agora igual a três vezes zero. Em dois meses inteiros de função, não conseguiu apurar absolutamente nada, mas nada mesmo, que consiga ficar dois minutos de pé como prova de alguma coisa — ou mesmo como a revelação de algo lógico e capaz de convencer uma pessoa com capacidade mental mediana a acreditar no que os acusadores estão dizendo. A CPI gritou o tempo todo. Não produziu nada de útil.

Já estaria suficientemente muito ruim desse jeito, mas os inquisidores resolveram dobrar a aposta — e conseguiram, naturalmente, dobrar o tamanho da calamidade. A denúncia de que teria havido corrupção em atos de autoridades federais nas tentativas de comprar a vacina Covaxin, até agora a mais ambiciosa tentativa da CPI em revelar um delito de verdade, não chegou a durar horas — não a sério — antes de ir miseravelmente a pique. Seu defeito: nunca teve pé, nem cabeça. Na verdade, até agora não deu para entender nada — nem mesmo quem é acusador e quem é acusado, e de que raio, no fim das contas, estão falando.

Uma delegacia de polícia do interior faria um trabalho mais bem feito. O acusado mais graúdo está tendo de pedir na Justiça para ser ouvido — os controladores da CPI, de repente, não querem mais interrogar o homem. O acusador mais lustroso diz que não falou “tudo o que sabia”, além de não ter sido bem “compreendido” — e fica por isso mesmo. As vacinas não foram compradas pelo governo –—que, aliás, é acusado ao mesmo tempo de retardar e apressar a vacinação. Um dos senadores mais excitados da facção acusatória não fez nenhuma objeção à compra da tal Covaxin quando teve a oportunidade de se manifestar a respeito.

É o que dá, na vida real, quando se tenta descobrir corrupção numa CPI presidida por um cidadão que foi investigado por meter a mão, e meter a mão pesado, em verbas públicas da saúde (da saúde, justamente) e relatada por um outro que tem nove processos penais no lombo — e acaba de ser indiciado pela Polícia Federal em mais um inquérito criminal, sob a acusação de ter recebido uma propina de R$ 1 milhão de uma empreiteira de obras públicas. Com essas duas figuras no meio do palco, queriam o quê?

A CPI sobrevive só na imprensa, com respiração artificial fornecida por aparelhos. Não teria interesse na área política se os jornalistas não tivessem se colocado deliberadamente a serviço do senador Renan Calheiros — e aceitado executar, sob o seu controle, uma atividade de policiais. Renan, hoje, é o editor do noticiário político neste país. O resultado é o naufrágio em câmera lenta dos fatos, da objetividade e do respeito ao público.

Título e Texto: J. R. Guzzo, Gazeta do Povo, via revista Oeste, 5-7-2021, 18h

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