Comissão sobrevive apenas na imprensa, com respiração artificial fornecida por aparelhos
J. R. Guzzo
A CPI da Covid está completando dois meses de atividade como candidata a campeã, fácil, ao título de pior investigação jamais feita pelo Senado brasileiro. Todo mundo sabe, é claro, que o Senado Federal é um desastre com perda quase total em praticamente tudo aquilo que faz — mas, desta vez, a aglomeração de senadores que inventou e controla esse inquérito superou-se em matéria de má fé, inépcia, burrice e desrespeito, puro e simples, à lei e a decência comum. Falam, falam e falam sobre essa CPI, mas não dizem a única coisa que interessa: o picadeiro armado todos os dias em Brasília pelos investigadores é um exemplo perfeito de tudo o que não deveria ser uma comissão parlamentar de inquérito.
A chave da questão toda é
muito simples: o resultado prático da CPI, em termos legais e com relevância do
ponto de vista judicial, é até agora igual a três vezes zero. Em dois meses
inteiros de função, não conseguiu apurar absolutamente nada, mas nada mesmo,
que consiga ficar dois minutos de pé como prova de alguma coisa — ou mesmo como
a revelação de algo lógico e capaz de convencer uma pessoa com capacidade
mental mediana a acreditar no que os acusadores estão dizendo. A CPI gritou o
tempo todo. Não produziu nada de útil.
Já estaria suficientemente muito ruim desse jeito, mas os inquisidores resolveram dobrar a aposta — e conseguiram, naturalmente, dobrar o tamanho da calamidade. A denúncia de que teria havido corrupção em atos de autoridades federais nas tentativas de comprar a vacina Covaxin, até agora a mais ambiciosa tentativa da CPI em revelar um delito de verdade, não chegou a durar horas — não a sério — antes de ir miseravelmente a pique. Seu defeito: nunca teve pé, nem cabeça. Na verdade, até agora não deu para entender nada — nem mesmo quem é acusador e quem é acusado, e de que raio, no fim das contas, estão falando.
Uma delegacia de polícia do interior
faria um trabalho mais bem feito. O acusado mais graúdo está tendo de pedir na
Justiça para ser ouvido — os controladores da CPI, de repente, não querem mais
interrogar o homem. O acusador mais lustroso diz que não falou “tudo o que
sabia”, além de não ter sido bem “compreendido” — e fica por isso mesmo. As
vacinas não foram compradas pelo governo –—que, aliás, é acusado ao mesmo tempo
de retardar e apressar a vacinação. Um dos senadores mais excitados da facção
acusatória não fez nenhuma objeção à compra da tal Covaxin quando teve a
oportunidade de se manifestar a respeito.
É o que dá, na vida real,
quando se tenta descobrir corrupção numa CPI presidida por um cidadão que foi
investigado por meter a mão, e meter a mão pesado, em verbas públicas da saúde
(da saúde, justamente) e relatada por um outro que tem nove processos penais no
lombo — e acaba de ser indiciado pela Polícia Federal em mais um inquérito
criminal, sob a acusação de ter recebido uma propina de R$ 1 milhão de uma
empreiteira de obras públicas. Com essas duas figuras no meio do palco, queriam
o quê?
A CPI sobrevive só na
imprensa, com respiração artificial fornecida por aparelhos. Não teria
interesse na área política se os jornalistas não tivessem se colocado
deliberadamente a serviço do senador Renan Calheiros — e aceitado executar, sob
o seu controle, uma atividade de policiais. Renan, hoje, é o editor do
noticiário político neste país. O resultado é o naufrágio em câmera lenta dos
fatos, da objetividade e do respeito ao público.
Título e Texto: J. R. Guzzo, Gazeta
do Povo, via revista Oeste, 5-7-2021, 18h
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