Aparecido Raimundo de Souza
Mergulhado
nesta madorra, entrelaçada entre o sono
e a vigília de se manter desperto, a cabeça pesada dava repetidos mergulhos no
ar. Seu José Pirlimpimpim, todavia, não
atinava que a sua bermuda jeans surrada e batida, além de bem carcomida, se
fazia desabotoada, justamente na altura da braguilha e que, de dentro dela,
exposta, à visitação dos curiosos, uma boa parte de seus órgãos genitais
desfrutava da tarde mormacenta. Os moradores que cruzavam —, ora vindo ou indo
—, riam dele, gargalhavam, faziam piadas
sem graça. Entretanto, nada diziam, nada esclareciam.
Talvez em
homenagem, à sua idade avançada ou, lado
outro, pelo medo de levarem uma bronca, ou ainda, em respeito aos seus ralos
cabelos cor de neve. O fato é que tal cena, deixava patente que, naquele estado
agravoso da idade, o infeliz, coitado, não se dava ao luxo, ou ao trabalho de
verificar ao sair das necessidades fisiológicas, se se recompora, como deveria,
não permitindo que as suas pudicícias ficassem
reveladas aos esbugalhos dos transeuntes.
Neste quadro de cores destoadas, a maioria que se deparava com a sua fraqueza, nutria plena consciência de que ele, talvez, se deslembresse de cuidar melhor das suas intimidades por mero desamparo do esquecimento. Coisa da idade. Ademais, o homem com os pés quase às portas dos cem, fato notório, perdera, de tudo, o tino do que seria certo ou errado, ou o que se fazia proibido e feio aos olhos da sociedade. De todos os becos e desvãos daquele humilde e apagado paraíso, obumbrado e quase no meio do nada, sempre fora, o seu José Pirlimpimpim, um sujeito reto e honesto, imparcial, íntegro e amigo de todos.
Pessoa de
modos imbatíveis e inquestionáveis. Ninguém, em resumo, nos cafundosos daquele
vilarejo bucólico e pastoril, de pouco mais de dois mil habitantes, soltaria a
lingua para dizer um tantinho assim que fosse do seu decoro e da sua fiel e briosa meritoriedade. Em
verdade, as suas maneiras desleixadas, se fazia saliente por conta da cabeça
fraca, por vias oriundadas da negligência e do desapurado e da própria
pessoinha não atinar sobriamente com os modos respeitosos que todos estes anos
pontilharam a sua vida pública.
Seu José
Pirlimpimpim, à biografia inteira, se dedicou, de corpo e alma, à profissão de
farmacêutico prático da localidade, cargo que deixou a menos de uma década, aos
cuidados de seu único filho, o doutor Zibóreo Pirlimpimpim, formado em
medicina, em São Paulo com especialização na Universidade de Oxford. Em
decorrência da caduquice do pai, se viu, seu pimogênito, na obrigação de deixar
a paulicéia desvairada e se colocar frenteado na direção da farmácia que ele, o
pai, tocara a vida inteira, drogaria herdada, por sua vez, se seu avô Cazuza
Pirlimpimpim.
Para seu
José Pirlimpimpim, a velhice, ao tempo em que chegava sorrateira e destruidora,
a goles poucos também comia pelas beiradas, a sua saúde, o seu
tino, as demonstrações de prudência, bem
ainda o senso de educação e a postura, fazendo com que o avanço dos anos nos
costados lhe deixasse olvidado e aos reveses de um passado que não voltaria
jamais. Numa dessas vindas do velho José Pirlimpimpim, para seu posto e lugar
de sempre, de repente se viu com vontade de ir ao banheiro fazer as suas
necessidades mais prementes.
Ao voltar,
veio com as coisas de fora. Sequer pensou em se recompor, ou melhor, ao sair do
banheiro, nem se recordou que as suas
genitálias estavam de fora. Neste interrégno, a adolescente Veveta, de vinte
anos, professora da escola pública local e filha do doutor Cantagalo, dentista
cirurgião do povoado, regressava da escola onde ministrava aulas. Ao passar em
frente dos acomodos do seu José Pirlimpimpim, numa olhada inocente, sem maiores
intenções, capturou os baixos mijatórios do ilustre anoso completamente soltos e
pior, às evidentes demostrações de não terem sido guardados com o devido
esmêro.
Penalizada
e sobretudo envergonhada, usando de toda a educação trazida de berço, estancou
os passos e, num papo reto, recheado de
boa retórica criativa, avisou ao longevo o que ele não percebia estar servindo
de base para as chocatas e as pilhérias dos que passavam e seguiam em frente
sorrindo e debochando.
— Seu
José, boa tarde. Desculpe o que vou falar. Me perdoe. O senhor esqueceu de se
abotoar. Um passarinho que estou vendo daqui, pode bater asas e fugir se o
senhor não tramelar, ligeiro, a portinha da gaiola.
O notório
e querido velhinho sorriu matreiro e, numa vozinha hesitante, agradeceu à
jovenzinha e, após se recompor, as mãos oscilantementes tremebundadas, observou,
todo sem graça e timidamente carregado de pejo.
— Boa
tarde pra você também, minha criança. Nada a desculpar. Eu é que agradeço.
Obrigado, de coração. Pronto. Tudo nos conformes. De resto, pode deixar que
este pobre passarinho está há tempos, cativo. Não voa mais. Se fez, por demais,
caduco e cansado, cego e literalmente morto. E quando nos
deparamos com um ser sem vida por perto,
ainda que uma pobre rolinha, a gente costuma deixar uma janela aberta. O cheiro
acre do falecido é forte demais e costuma impregnar todo o resto da casa.
Título e
Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, no Espírito Santo. 2-7-2021
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