Pelos vistos, milhões de agressões
(verbais) a Neymar, que votou em quem não devia, não equivalem a uma única
agressão (verbal) ao sr. Gil, que votou em quem era imperativo votar
Alberto Gonçalves
Quando, há dias, li que o
músico Gilberto Gil fora agredido no Qatar, imaginei logo tabefes, sangue,
hospitais, perigo de vida. Por sorte, o vídeo que registou o episódio mostrou
que a coisa não chegou a tanto: tratou-se apenas de alguém que, à passagem do
ex-ministro da Cultura, repetia o nome de Bolsonaro enquanto agradecia,
presume-se que ironicamente, as preferências eleitorais do sr. Gil. O sr. Gil
nunca reagiu à interação. Aos 57 segundos do vídeo, o “agressor” lançou o velho
insulto que tecnicamente ofende a mãe do visado. O sr. Gil, de costas, saiu de
cena. E foi assim. Desagradável? Com certeza. Uma tragédia inconcebível, com
direito a indignação dos “media” brasileiros em peso, incluindo notícias
televisivas e capa de um dos principais jornais do Rio? É capaz de ter sido
excessivo.
Principalmente se os excessos
padecem de viés político. Recuperado da inominável agressão, o sr. Gil pediu
“um Brasil sem ódio”. Não foram palavras fortuitas. O ódio, todos nos garantem,
é exclusivo dos apoiantes de Bolsonaro, um boçal que para início – e fim – de
discussão nos asseguram ser um genocida.
Do lado oposto, Lula, um boçal que nos asseguram não ser um ladrão, era o candidato da “paz” e do “amor”, os combustíveis dos respectivos admiradores. O coração destes transborda bondade, circunstância que torna peculiar a atitude tomada para com o principal futebolista da seleção local, desde que esse futebolista subscreveu a candidatura do referido genocida. É grave? Também não acho. As pessoas, mesmo aquelas que correram às urnas para combater o ódio, têm o direito de odiar.
E, conforme se nota, odeiam sem parança. Há dois meses que Neymar [foto acima] é alvo de uma quantidade incomensurável e diária de ofensas e ameaças, as quais subiram de intensidade e volume a partir do instante em que se lesionou, já durante o Mundial da bola. Num ápice, a metade pacífica, amorosa e ecuménica do Brasil desatou a festejar o infortúnio do homem e a desejar ruidosamente que o infortúnio se prolongue até ao fim do campeonato. Os mais bondosos chegam a desejar-lhe a morte. Isto na internet. Os “media” tradicionais concordam discretamente com a internet ou ignoram o assunto. Não houve manchetes, caça aos agressores, comoção nacional. Tirando a crítica de meia dúzia de comentadores desportivos e a solidariedade de alguns ex-colegas de profissão, com Ronaldo à cabeça, não houve nada. Pelos vistos, milhões de agressões (verbais) a Neymar, que votou em quem não devia, não equivalem a uma única agressão (verbal) ao sr. Gil, que votou em quem era imperativo votar.
Confesso escasso interesse por
Neymar, que mal vi jogar, pelo sr. Gil, de que recordo duas ou três músicas
decentes da década de 1960 e inúmeras figuras tristes nas décadas seguintes, e
pela realidade brasileira em geral. Aqui, o que me interessa é o carácter
universal, ou no mínimo ocidental, da discrepância de critérios, da
manipulação informativa e da opressão tão discreta quanto eficaz. Não é
somente a liberdade de informação que está evidentemente condicionada, nem a
liberdade de expressão que está provavelmente em risco: o ar dos tempos vai
erguendo muros altos, feios e sólidos à própria liberdade de pensamento.
Por toda a parte, crescem os
muros, ou “cercas sanitárias”, em redor do que é tolerável dizer e, por
arrastamento, pensar. Uma cartilha tácita, crescentemente estreita, delimita o espaço
disponível à opinião individual. No fundo, podemos pensar e dizer o que
quisermos – logo que o que pensamos e dizemos observe a cartilha, ou seja, logo
que a opinião individual não ouse ser opinião e ser individual. Já não há duas,
ou três, ou trinta perspectivas possíveis na saúde, na doença, no clima, no
sexo, nas minorias, nas maiorias, nos negócios, nos regimes, na História, nos
transportes, nos regimes, nos costumes e no que afinal determina tudo o resto,
incluindo o respeito pela dignidade do sr. Gil e a repulsa pela indignidade de
Neymar, a ideologia. Há uma perspectiva. Uma. E mil cognomes para os
dissidentes com ou sem razão: “negacionistas”, “fascistas”, “racistas”,
“colonialistas”, “supremacistas” etc. Nem sempre os dissidentes têm razão, mas
a razão perdeu relevância num mundo em que a obediência prevalece sobre os
factos. O conformismo é a regra, e a regra é o conformismo.
Em prol de um “bem comum” de
origem sombria e pertinência nula, a vida democrática deixou de ser um lugar
onde se permite escolhas para se transformar num acanhado reformatório de
doutrinação e castigo. Ou é de mim, ou a vida democrática começa a parecer-se
pouco com a democracia, e a parecer-se demasiado com uma ditadura. A
legitimação pelo voto? Não serve de muito se só o voto “deles” e “neles” é
legítimo, e os demais uma blasfémia a punir e calar. Neymar que o diga, se
ainda lhe permitirem falar.
Título e Texto: Alberto
Gonçalves, Observador,
3-12-2022, 12h22
A democracia voltou ao Brasil e o amor também. Por isso, desejar a morte Neymar só pode ser amor e chatear o Gil só pode ser ódio. Tal como Pessoas comuns, jornalistas, senadores e redes sociais foram e estão a ser censuradas, empresários estão a ver suas contas bancárias bloqueadas é tudo por amor.
ResponderExcluirMas cada País tem o que quer. O lodo de corrupção em que o Lula e o PT nadaram já tinha sido esfregado na cara do Brasileiros pelos mesmos juízes do STF que agora censuram quem diz o que eles disseram, mas assim mesmo eles elegeram o santo dos pobres, Lula, ungido também por toda a nossa imprensa como o salvador da democracia brasileira. Contando ninguém acredita.
A imprensa já teve momento bem mais saudável que o atual - agora, depois de já estar mais que confirmado que toda ela está engajada com a panfletagem da esquerda, parece que toda ela caiu (estupidamente) também na tentação da panfletagem da extrema-esquerda. O que se passou no Brasil com Lula e todas as almas honestas associadas ao PT foi de uma roubalheira de fazer corar até um morto. Mas a forma como a esquerda embeleza o ódio da esquerda e a desunião de um ex-presidiário é de fazer corar até o Lula.
E mais uma vez as almas honestas da esquerda atravessaram incólumes todos os capítulos de escândalo de outro ex-presidiário de esquerda, seu lodo de corrupção e seu ódio amoroso. A loucura mansa da esquerda faz de qualquer ladrão um herói. Não é para amadores.