Pois é… Ontem mesmo escrevi a respeito. A Comissão da Verdade busca
compensar a sua irrelevância produzindo factoides barulhentos. Há tempos
observei aqui que o objetivo sempre foi levar as Forças Armadas para o banco
dos réus. Até havia pouco, a turma mirava em militares que já estão na reserva,
preservando a instituição. Essa fase acabou. Agora, os da ativa também entraram
na mira. Nesta terça, a Comissão deu seu passo mais ousado: passou a defender
abertamente o desrespeito à Lei da Anistia e à própria lei que a instituiu.
Como é, na prática, um grupo de assessoramento da Presidência da República, é
de supor que atue sob a orientação da presidente Dilma Rousseff.
A VEJA.com publica uma reportagem de Laryssa Borges cujo título é este:
“Comissão da Verdade diz que Marinha ocultou mortes e defende revisão da Lei da
Anistia”. Reproduz com fidelidade o que vai no texto, que retrata, por sua vez,
a investida do dia. A Comissão acusa a Força de ter omitido informações sobre
11 pessoas dadas como desaparecidas e que já estavam mortas. Digamos que seja
mesmo assim. O grupo está aí para denunciar o caso.
Maria Rita Kehl, uma das
integrantes da Comissão, aproveitou, no entanto, como de hábito, para ir além
das suas sandálias: “As Forças Armadas mancharam suas honras com essas
práticas”. Opa!!! Há uma grande diferença entre dizer que torturadores mancham
a honra das Forças Armadas e afirmar que as Forças Armadas mancharam as
respectivas honras. No primeiro caso, a instituição é preservada; no segundo, é
enxovalhada. A tortura não faz parte do código de honra militar. Ocorre que
dona Maria Rita não entrou na Comissão para apurar verdade nenhuma. Ela entrou
para usar o passado como instrumento político do presente.
Não foi a única a atravessar o
samba. Rosa Cardoso, então advogada da então militante Dilma Rousseff (que
pertenceu a três grupos terroristas, o que é apenas um fato), assumiu a
presidência rotativa da Comissão na sexta-feira. Veio a público nesta terça
para defender oficialmente a responsabilização criminal dos agentes do estado
acusados de abusos, em flagrante desrespeito à Lei da Anistia e à lei que criou
o grupo que agora preside. Afirmou:
“Os crimes de lesa humanidade são imprescritíveis. As auto-anistias, diante do direito internacional, não valem. Vamos ter, sim, de recomendar que esses casos sejam judicializados pelo direito interno”.
“Os crimes de lesa humanidade são imprescritíveis. As auto-anistias, diante do direito internacional, não valem. Vamos ter, sim, de recomendar que esses casos sejam judicializados pelo direito interno”.
Ela é advogada. O “direito
interno”, seja lá o que isso signifique, já decidiu que a Lei da Anistia não
pode ser anulada. Ela integra um conjunto de ações que resultou na transição
pacífica da ditadura para a democracia. Essa conversa de “autoanistia” está
mais torta do que a biruta ideológica de Rosa. Vamos pensar com um mínimo de
lógica. Se o estado estivesse impedido de conferir anistia também a seus
agentes, ele a concederia a quem? Apenas aos outros criminosos, como os
terroristas, por exemplo? Então se parte do pressuposto de que o perdão
político só pode ser concedido àqueles que cometeram crimes para mudar a ordem
vigente, mas nunca àqueles que os cometeram para preservá-la? Então se parte do
pressuposto de que anistia só pode ser concedida a quem, tendo cometido crimes,
foi derrotado, mas nunca a quem, sendo igualmente criminoso, estava do lado de
quem venceu o confronto. Então se entende que o derrotado, que recebe de bom
grado o perdão do vitorioso — perdão esse visto como um imperativo ético —, não
concede a esse mesmo vitorioso a graça que reivindica para si, de sorte que o
derrotado cobra, na prática, o direito de punir quem venceu a batalha? Então se
exige daquele tomando como algoz uma generosidade de que a vítima pode se
dispensar? Essas indagações e constatações expõem o buraco moral e lógico em
que se situa essa gente. De fato, Rosa e seus companheiros estão dizendo que,
quando agentes do estado mataram esquerdistas, estavam cometendo crimes contra
a humanidade, mas quando as esquerdas armadas mataram agentes do estado — além
de pessoas que não tinham nenhuma vinculação com a luta política —, estavam
apenas lutando por um sonho e defendendo a democracia.
É uma posição juridicamente
indefensável, uma vez que, já demonstrei aqui tantas vezes, as leis não
permitem a responsabilização criminal de ninguém. E é uma posição moralmente
indefensável porque essa turma está querendo inventar os “assassinos do bem” e
os “assassinos do mal”.
Título e Texto: Reinaldo Azevedo, 22-05-2013
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