segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Wikileaks merece proteção, não ameaças e ataques

Julian Assange
Na sua memorável decisão no caso dos Pentagon Papers, o Supremo Tribunal dos EUA declarou: "só uma imprensa livre e sem restrições pode efetivamente revelar fraude no governo". Hoje, a tempestade vertiginosa em torno do Wikileaks reforça a necessidade de defender o direito de todos os media revelarem a verdade.
Em 1958 o jovem Rupert Murdoch, então proprietário e editor do jornal The News, de Adelaide, escreveu: "Na corrida entre o segredo e a verdade, parece inevitável que a venda sempre vença".
A sua observação talvez reflita o desmascaramento feito pelo seu pai, Keith Murdoch, de que tropas australianas estavam sendo sacrificadas inutilmente nas praias de Galipoli por comandantes britânicos incompetentes. Os britânicos tentaram calá-lo, mas Keith Murdoch não foi silenciado e os seus esforços levaram ao término da desastrosa campanha de Galipoli. Aproximadamente um século depois, o Wikileaks também publica destemidamente fatos que precisam ser tornados públicos.
Criei-me numa cidade rural em Queensland onde as pessoas falavam dos seus pensamentos diretamente. Elas desconfiavam do governo como de algo que podia ser corrompido se não fosse vigiado cuidadosamente. Os dias negros de corrupção no governo de Queensland, antes do inquérito Fitzgerald, testemunham o que acontece quando políticos amordaçam os media que informam a verdade.
Estas coisas ficaram em mim. Wikileaks foi criado em torno destes valores centrais. A ideia, concebida na Austrália, era utilizar tecnologias da internet de novas maneiras a fim de relatar a verdade.

Wikileaks cunhou um novo tipo de jornalismo: jornalismo científico. Trabalhamos com outros media para levar notícias às pessoas, assim como para provar que são verdadeiras. O jornalismo científico permite-lhe ler um artigo e então clicar online para ver o documento original em que se baseia. Esse é o modo como pode julgar por si próprio: Será verdadeiro este artigo? Será que o jornalista informou com rigor?
Sociedades democráticas precisam de meios de comunicação fortes e Wikileaks faz parte desses media. Os media ajudam a manter o governo honesto. Wikileaks revelou algumas verdades duras acerca das guerras do Iraque e Afeganistão, e desvendou notícias acerca da corrupção corporativa.
Há quem diga que sou anti-guerra: para que conste, não sou. Por vezes os países precisam ir à guerra e há guerras justas. Mas não há nada mais errado do que um governo mentir ao seu povo acerca daquelas guerras, pedindo então a estes mesmos cidadãos para porem as suas vidas e os seus impostos ao serviço daquelas mentiras. Se uma guerra é justificada, então digam a verdade e o povo decidirá se a apoia.
Se já leu algum dos registros da guerra do Afeganistão ou do Iraque, algum dos telegramas da embaixada dos EUA ou algumas das histórias acerca das coisas que Wikileaks informou, considere quão importante é para todos os media ter capacidade para relatar estas coisas livremente.
Wikileaks não é o único divulgador dos telegramas de embaixadas dos EUA. Outros media, incluindo The Guardian britânico, The New York Times, El Pais na Espanha e Der Spiegel na Alemanha publicaram os mesmos telegramas.
Mas é o Wikileaks, como coordenador destes outros grupos, que tem enfrentado os ataques e acusações mais brutais do governo dos EUA e dos seus acólitos. Fui acusado de traição, embora eu seja australiano e não cidadão dos EUA. Houve dúzias de apelos graves nos EUA para eu ser "removido" pelas forças especiais estadunidenses. Sarah Palin diz que eu deveria ser "perseguido e capturado como Osama bin Laden", um projeto de republicano no Senado dos EUA procura declarar-me uma "ameaça transnacional" e desfazer-se de mim em conformidade. Um conselheiro do gabinete do primeiro-ministro do Canadá apelou na televisão nacional ao meu assassinato. Um blogueiro americano apelou para que o meu filho de 20 anos, aqui na Austrália, fosse sequestrado e espancado por nenhuma outra razão senão a de atingir-me.
E os australianos deveriam observar com nenhum orgulho o deplorável estímulo a estes sentimentos por parte de Julia Gillard e seu governo. Os poderes do governo australiano parecem estar à plena disposição dos EUA quer para cancelar meu passaporte australiano ou espionar e perseguir apoiadores do Wikileaks. O procurador-geral australiano está fazendo de tudo o que pode para ajudar uma investigação estadunidense destinada claramente a enquadrar cidadãos australianos e despachá-los para os EUA.
O primeiro-ministro Gillard e a secretária de Estado Hillary Clinton não tiveram uma palavra de crítica para com as outras organizações de media. Isto acontece porque The Guardian, The New York Times e Der Spiegel são antigos e grandes, ao passo que Wikileaks ainda é jovem e pequeno.
Nós somos os perdedores. O governo Gillard está tentando matar o mensageiro porque não quer que a verdade seja revelada, incluindo informação acerca do seu próprio comportamento diplomático e político.
Terá havido alguma resposta do governo australiano às numerosas ameaças públicas de violência contra mim e outros colaboradores do Wikileaks? Alguém poderia pensar que um primeiro-ministro australiano defendesse os seus cidadãos contra tais coisas, mas houve apenas afirmações de ilegalidade completamente não fundamentadas. O primeiro-ministro e especialmente o procurador-geral pretendem cumprir seus deveres com dignidade e acima da perturbação. Fique tranquilo, aqueles dois pretendem salvar as suas próprias peles. Eles não conseguirão.
Todas as vezes que Wikileaks publica a verdade acerca de abusos cometidos por agências dos EUA, políticos australianos cantam um coro comprovadamente falso com o Departamento de Estado: "Você arriscará vidas! Segurança nacional! Você põe tropas em perigo!" Mas a seguir dizem que não há nada de importante no que Wikileaks publica. Não pode ser ambas as coisas, uma ou outra. Qual é?
Nenhuma delas. Wikileaks tem um histórico de quatro anos de publicação. Durante esse tempo mudamos governos, mas nem uma única pessoa, que se saiba, foi prejudicada. Mas os EUA, com a conivência do governo australiano, mataram milhares de pessoas só nestes últimos meses.
O secretário da Defesa dos EUA, Robert Gates, admitiu numa carta ao Congresso estadunidense que nenhuma fonte de inteligência ou métodos sensíveis haviam sido comprometidos pela revelação dos registros de guerra afegãos. O Pentágono declarou que não havia evidência de que as informações do Wikileaks tivessem levado qualquer pessoa a ser prejudicada no Afeganistão. A Otan em Cabul disse à CNN que não podia encontrar uma única pessoa que precisasse de proteger. O Departamento da Defesa australiano disse o mesmo. Nenhuma tropa ou fonte australiana foi prejudicada por qualquer coisa que tivéssemos publicado.
Mas as nossas publicações estavam longe de serem não importantes. Os telegramas diplomáticos dos EUA revelam alguns fatos estarrecedores:
Os EUA pediram aos seus diplomatas para roubar material humano pessoal e informação de responsáveis da ONU e de grupos de direitos humanos, incluindo DNA, impressões digitais, escanerização de íris, números de cartão de crédito, passwords de internet e fotos de identificação, violando tratados internacionais. Presumivelmente, diplomatas australianos na ONU também podem ser atacados.
O rei Abdula da Arábia Saudita pediu que os EUA atacassem o Irã.
Responsáveis na Jordânia e no Bahrein querem que o programa nuclear do Irã seja travado por quaisquer meios disponíveis.
O inquérito do Iraque na Grã-Bretanha foi viciado para proteger "US interests".
A Suécia é um membro encoberto da Otan e a partilha da inteligência dos EUA é resguardada do parlamento.
Os EUA estão agindo de forma agressiva para conseguir que outros países recebam detidos libertados da Baia de Guantánamo. Barack Obama só concordou em encontrar-se com o presidente esloveno se a Eslovênia recebesse um prisioneiro. Ao nosso vizinho do Pacífico, Kiribati, foram oferecidos milhões de dólares para aceitar detidos.
Na sua memorável decisão no caso dos Pentagon Papers, o Supremo Tribunal dos EUA declarou: "só uma imprensa livre e sem restrições pode efetivamente revelar fraude no governo". Hoje, a tempestade vertiginosa em torno do Wikileaks reforça a necessidade de defender o direito de todos os media revelarem a verdade.
*Julian Assange é fundador e editor-chefe do Wikileaks.
publicado por Vermelho http://www.vermelho.org.br/
Colaboração: Cláudia Bulcão

Entrevista com Julian Assange: quem é e o que quer o Wikileaks
Veja a entrevista, com legendas em português, com Julian Assange, fundador do Wikileaks, realizada pelo TED em julho deste ano, e entenda os motivos da caçada do governo americano ao site mais famoso do mundo. Assange também revela como o Wikileaks conseguiu divulgar mais informações sigilosas do que todas as outras mídias juntas em todo o mundo. Vale a pena ver a entrevista até o fim.


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Well, parece que ficou explícito o anti americanismo do Sr. Julian Assange...

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