J. R. Guzzo
Imagine por alguns minutos (só imagine; é melhor não dizer nada a ninguém) que na próxima manifestação de rua em favor do presidente Jair Bolsonaro, da cloroquina e do voto impresso você pendure na sua moto uma bandeirinha dizendo: “Viva o AI-5”. (Para dar um “plus a mais”, pode colocar junto um retrato do general Costa e Silva). É melhor nem pensar nisso, ou em qualquer coisa parecida.
Foto: Fabio Rodrigues Pozebom/Agência Brasil |
Você não vai mais ter sossego
na vida. O ministro Alexandre de Moraes vai lhe socar em cima um inquérito pela
prática de “atos antidemocráticos” e “inconstitucionais”, com pleno apoio do
Supremo Tribunal Federal, da Câmara e do Senado. Os jornais, as rádios e a
televisão vão cair em estado de choque. Os artistas de novela e as celebridades
da música popular vão assinar um manifesto exigindo “respeito à democracia”.
Agora: que tal, em vez disso, ir para a rua carregando um cartaz com a imagem de Getúlio Vargas e algum salmo em sua glória? Getúlio criou e comandou durante oito anos, entre 1937 e 1945, a pior ditadura que o Brasil já teve. Seu “Estado Novo” prendeu, torturou e exilou pessoas, censurou a imprensa como nenhum outro regime, fechou o Congresso, colocou o Judiciário em modo silencioso, governou por decreto e não fez nenhuma eleição. Mas se você levar a figura do ditador a uma manifestação contra Jair Bolsonaro e a favor da democracia, vai ser recebido com uma salva de palmas.
É o Brasil de hoje. O Estado
Novo é pior que o AI-5, por qualquer metro que se queira usar, mas falar bem de
Getúlio é ser “progressista”, e falar bem dos militares é ser “fascista” —
pior, pode dar cadeia. Segundo o ministro Moraes, a mídia esclarecida e as
classes intelectuais, todos empenhados em salvar o Brasil da ditadura, atos
“antidemocráticos” e “inconstitucionais” só podem ser cometidos numa direção —
a da direita. Na direção contrária vale qualquer coisa, incluindo louvores à
ditadura getulista.
Vale também tocar fogo nas
coisas, quebrar vidraças, pichar bancas de jornal, destruir propriedade pública
ou privada e jogar pedra na polícia; afinal é “contra Bolsonaro”, e se for
“contra Bolsonaro” qualquer crime é aceito com aplausos. As “autoridades
locais” permitem tudo, ou porque acham certo ou porque têm medo de serem
acusadas de “violência policial”. O governo federal se cala. Os militares não
mexem uma palha para assegurar direitos que vem sendo cada vez mais
desrespeitados — a começar pelos seus.
A lei, no Brasil,
transformou-se numa piada grosseira. A democracia também; lugar onde a lei só
vale de um lado não é democracia nenhuma.
Título e Texto: J. R. Guzzo,
Gazeta do Povo, 8-7-2021, 18h58
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