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A carta que acompanha o Motu
Proprio de Francisco, direcionada aos bispos de todo o mundo, é bastante mais
bem escrita que o próprio documento. Ali, o pontífice mostra as suas razões, os
seus medos: no fundo, o grande problema é que os fiéis que aderem à liturgia
antiga questionam o Concílio Vaticano II, coisa para ele inadmissível, pois “duvidar
do Concílio significa duvidar das intenções mesmas dos Padres, os quais
exerceram a sua potestade colegial de modo solene cum Petro et sub
Petro no Concílio Ecumênico, e, em última análise, duvidar do próprio
Espírito Santo que guia a Igreja”.
Bergoglio lança sobre os
ombros dos fiéis tradicionalistas o peso de questionarem um Concílio que desde
o primeiro instante foi instrumentalizado e profanado pelos teólogos ativistas
da Nouvelle Théologie, os quais se serviram dele como desculpa para
todas as suas aberrações, não apenas em âmbito litúrgico, mas sobretudo
dogmático e moral. Agora, com a sua decisão, ao invés de atenuar a divisão, ele
a aumenta.
Aumenta-a porque ele mesmo apresenta o Novus Ordo como única lex orandi, coisa em si mesmo absurda, como demonstramos em artigo anterior, mas que é suficiente para documentar aquela ruptura que Bento XVI tentou sanar com a sua hermenêutica da reforma na continuidade, hermenêutica não apenas doutrinal, mas também pastoral e litúrgica, selada pela paix liturgique que agora Francisco não hesita nem um segundo romper.
Em outras palavras, se a lex
orandi precedente (mais uma vez, os termos são absurdos, mas damos-lhe
a licença retórica de dizê-lo apenas para extrair daí as conclusões lógicas) já
não vale mais, é porque o Concílio a alterou, ou seja, está criada e
institucionalizada a ruptura oficial, a qual Bergoglio pretende enfiar nos fiéis
goela abaixo, apelando apenas para o argumento de autoridade (a autoridade do
Concílio). De fato, ele o diz expressamente quando afirma que a escolha de
Bento XVI estava baseada na ideia de que “tal providência não teria posto em
dúvida uma das decisões essenciais do Concílio Vaticano II, danificando, deste
modo, a sua autoridade”.
Ora, é justamente a autoridade
do Concílio e a sua credibilidade que Bergoglio está justamente atacando quando
admite que as duas formas do rito romano não podem coexistir em razão de
incompatíveis “leis da oração”. Em outros termos, ele está endossando a tese de
que o Concílio não suporta uma interpretação em harmonia com o magistério
anterior e, assim, reforça os protestos contra ele.
Ele reclama daqueles que
aderem ao usus antiquor dizendo que a opção por este está
ligada “à rejeição da Igreja e das suas instituições em nome daquela que eles
julgam a ‘verdadeira Igreja’”. E, em seguida, não apresenta um argumento
teológico, mas apenas faz um apelo à comunhão, ou seja, à uniformidade com os
reformadores: “trata-se de um comportamento que contradiz a comunhão,
alimentando aquele impulso à divisão”.
Ora, aqueles que pretendem
perseverar na mesma tradição de séculos são acusados de divisão enquanto os
inovadores são anistiados com uma infalibilidade acima das Escrituras, da
Tradição e do próprio Magistério. A unidade pretendida por Francisco não é
orgânica, é despótica, ditatorial, forçada e, por isso, não vai dar certo!
Ele não pode governar a Igreja
como se ela fosse um corpo militar, em que todos os membros se comportam de
maneira uniforme. A Igreja não é assim. Bem como não é possível pretender a
solução de um problema pelo seu agravamento. Isto é contraditório. Nas idas e
vindas de proibições e permissões da Missa tradicional, esta só cresceu,
enquanto o Novus Ordo só perdeu autoridade… Como dissemos
anteriormente, o caos introduzido pela reforma criou tal desorientação que não
se pode mais falar com precisão de um rito romano a não ser nos marcos da forma
extraordinária; fora isso, só existe a desorientação e o desencontro.
O nível do contrassenso da
carta de Francisco chega ao absurdo de ele afirmar: “conforta-me nessa decisão
(de ab-rogar todas as normas, as instruções, as concessões e os costumes
precedentes ao presente Motu Proprio) o fato de que, depois do Concílio de
Trento, também São Pio V ab-rogou todos os ritos que não pudessem apresentar
uma comprovada antiguidade, estabelecendo para toda a Igreja latina um único
Missal Romano”. Ora, mas ele está ab-rogando justamente um rito de comprovada
antiguidade em favor de um ritual escrito numa salinha há cinquenta anos,
fazendo o exato contrário do papa dominicano, e ainda se diz confortado por
ele?… Será que ninguém percebe que estamos diante de um homem inconsequente,
que não sabe o que faz nem o que escreve?
Esta carta é a documentação de
que Bergoglio simplesmente perdeu os rumos e se guia tão somente pelo
desespero. O desespero do progressismo que não consegue mais puxar a sua
revolução suficientemente, diante do corpo mole dos católicos; que já perdeu
toda a sua autoridade e precisa, por isso, apelar para o autoritarismo; que não
consegue mais adeptos, mas está sabotado de todos os lados, pelo aparecimento
de jovens tradicionais que desenterram aquelas relíquias que eles viveram por
décadas a sepultar; que já está desmascarado pela verdade da fé, exposta com
clareza e sem tergiversações pelas vozes mais alternativas. O teatro acabou e
agora só lhes resta um grito: o grito de quem perdeu.
Título e Texto: FratresInUnum.com,
1-8-2021
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