Um país, dois destinos
Henrique Neto
A geringonça foi a forma inventada por António Costa [foto] para ultrapassar democraticamente a vitória eleitoral do PSD de Passos Coelho e anular os efeitos políticos da governação de José Sócrates, através da célebre fórmula “à justiça o que é da justiça e à política o que é da política”. Depois, nos seis anos, entretanto decorridos, usou a estratégia de ignorar o passado do ex-primeiro-ministro, de culpar a governação do PSD por todos os males do país e de promover a propaganda das reversões, que mais não foram do que o pagamento do apoio dado pelo PCP e Bloco de Esquerda. Em complemento, elegeu privilegiar sectores escolhidos da sociedade portuguesa a fim de reforçar a importante máquina eleitoral do Partido Socialista como, por exemplo, a redução das horas de trabalho do funcionalismo público. Neste processo, António Costa enfraqueceu a coligação PSD/CDS, tanto quanto enfraqueceu os seus aliados de circunstância.
Com esta estratégia, António
Costa não hesitou em enfraquecer também o processo democrático, seja na escolha
de serventuários fiéis para cargos no aparelho do Estado, nas mordomias pagas à
comunicação social, nas relações privilegiadas com as chamadas empresas do
regime, na escolha de alguns comentaristas que nas televisões procuram
influenciar a opinião pública e, finalmente, pela recusa sistemática de
reformar as leis eleitorais no sentido da sua democratização. Para sustentar
este enfraquecimento democrático, António Costa não hesitou em conviver com a
corrupção na relação do partido com os negócios e através da compressão dos
meios colocados à disposição da Justiça. Ou seja, António Costa continuou o
trabalho de José Sócrates, de criar uma vasta relação de interesses e de
dependências junto da sociedade portuguesa, de formar e permitir que uma parte
importante das instituições da sociedade – associações empresariais,
universidades e outras – se mantenham caladas ou apenas expectantes.
Refiro estes factos para que se possa compreender melhor a impunidade das políticas económicas do Governo, que sendo obviamente desajustadas da realidade económica, nacional e internacional, prevalecem sem um movimento geral de recusa, com os perigos inerentes para o futuro de Portugal e dos portugueses. Em artigo anterior tratei dos erros económicos contidos nas políticas ambientais do Governo, além da sua inoperância propriamente ambiental. Aliás, o ministro em causa é um bom exemplo dessa inoperância sem que alguém, incluindo as universidades, onde reside o conhecimento sobre essas matérias, se aflija.
É, contudo, na economia em
sentido amplo que reside o maior problema. Seja devido à influência do PCP e do
Bloco, seja devido à rede de interesses criados pelo PS e pelos seus mandados
nas empresas do regime e no aparelho do Estado, a política económica do governo
é uma manta de retalhos que está a conduzir o País para ser o carro vassoura da
União Europeia. Este processo é acentuado pela ideologia esquerdizante de
alguns membros do Governo e pela incompetência geral de quase todos. Situação
que cria uma relação distorcida com as decisões e o pensamento dominante em
Bruxelas, o que servindo os objetivos antieuropeus do PCP e do Bloco de
Esquerda enfraquece Portugal, colocando-nos na posição vergonhosa de sermos o
maior pedinte europeu, pedinte que não sabe como sair da situação de
dependência que ele próprio criou.
O “PRR – Plano de Recuperação
e de Resiliência” poderia ser uma oportunidade de virar a página, mas
infelizmente não o será, o sistema de interesses e de dependências criadas não
o permite e acabará por representar mais uma oportunidade perdida, a juntar à
política ferroviária, à nacionalização da TAP, à falência do sistema bancário e
ao desastre das políticas energéticas. Foi esta convicção que me levou a
publicar um plano alternativo ao do Governo.
Plano que parte do princípio
de que o principal recurso nacional são os portugueses e que metade da
sociedade portuguesa vive na pobreza e na ignorância, o que afeta o
desenvolvimento da economia. Por isso temos uma economia dual em que metade é
competitiva, nomeadamente nos mercados internacionais, mas nenhum país pode
sobreviver apenas com meia economia. A outra metade é constituída por muito
pequenas empresas – cerca de 90% do total – composta por feiras e mercados,
restaurantes, cafés e bares, pequenas lojas e minimercados, agricultura de
subsistência e uma mata desordenada, pesca artesanal, biscates vários e muitos
milhares de trabalhadores, com ou sem trabalho, dependentes do Estado.
Como é evidente, sem mudar
esta realidade a economia portuguesa não tem futuro e o Governo, ao tentar
manter estas empresas para salvar os empregos, comete um erro gigantesco.
Muitas destas empresas vão morrer em qualquer dos casos – ver o caso recente da
Dielmar – o que demonstra, mais uma vez, que o subsídio de desemprego é a via adequada
para apoiar os trabalhadores, deixando as empresas com menos esses encargos a
tentarem sobreviver pelos seus meios.
Também, como defendo, o PRR
deveria preocupar-se principalmente com o futuro e com o estado geral do País,
fazendo-o através de dois objetivos:
(1) programa de creches e de
pré-escolar com bons educadores, alimentação e transporte, para quebrar o ciclo
vicioso da pobreza e da ignorância que se perpetua nas famílias, realizando
isso numa geração, em vez de deixar andar durante mais cinco ou seis gerações;
(2) aposta na indústria, como
o único setor da economia cujo crescimento pode criar os empregos necessários
para os trabalhadores desempregados com baixas qualificações, sector que contém
muitas tarefas repetitivas, com uma rápida e relativamente barata formação
profissional a cargo das empresas.
É ainda a indústria que pode
melhorar as exportações, sector que tem resistido durante esta pandemia, além
de contribuir para reduzir as importações. Precisamos, em complemento, do
investimento estrangeiro de empresas industriais, criadoras de milhares de
postos de trabalho, utilizando os apoios governamentais disponíveis, mas também
as nossas vantagens competitivas, como a nossa localização no centro do
Ocidente junto aos tráfegos do Atlântico, a existência de uma engenharia de
qualidade e trabalhadores dedicados sempre que bem dirigidos. Como escrevi
recentemente noutro local, Elon Musk cometeu o erro de investir numa nova
fábrica em Berlim e alguém lhe deveria ter explicado as vantagens de investir
em Portugal. As oportunidades para o investimento estrangeiro não faltam, o que
falta é qualidade política e experiência empresarial dos governantes.
Na sua simplicidade, o PRR que
publiquei serviria para mudar Portugal em duas áreas essenciais do seu futuro:
educação e crescimento económico. São áreas que se interpenetram e se
completam, sem as quais vamos continuar a viver a vil tristeza do presente. O
Governo do PS, em conjunto com os partidos à sua esquerda, defende o Estado
Social, contra o que ninguém está hoje seriamente em desacordo, o problema
reside apenas na realidade de que não é possível distribuir de forma
sustentável a riqueza que não se produz. Até aqui, temo-lo feito acrescentando
dívida à dívida e aceitando como eternas as ajudas da União Europeia, o que
será cada vez mais insustentável.
Termino com uma nota: no
contexto descrito, o presidente da República defende a estabilidade política,
mesmo quando essa estabilidade está visivelmente a conduzir Portugal para a
dependência da boa vontade dos outros povos europeus e para a perda da
independência nacional, nomeadamente em relação aos interesses da Espanha, como
acontece na ferrovia. Não está em causa a obrigação constitucional de respeitar
as decisões da Assembleia da República e a lei, mas apenas o apoio
indiscriminado dado às políticas do Governo, claramente contrárias ao interesse
nacional.
Título e Texto: Henrique
Neto, o Diabo, nº 2330, 27-8-2021
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