Diretor de Nem Tudo Se Desfaz, que
tem pré-estreia no dia 20, afirma que cinema brasileiro 'fecha a porta para
quem pensa diferente'
Fábio Matos
No mês em que centenas de milhares de brasileiros foram às ruas em manifestações favoráveis e contrárias ao presidente Jair Bolsonaro, o cineasta Josias Teófilo [foto] joga luz sobre a participação da sociedade civil em movimentos de massa — fenômeno que parece ter se transformado em um caminho sem volta na política brasileira. Na segunda-feira 20, a partir das 20 horas, o Cine Petra Belas, em São Paulo, será palco da pré-estreia de Nem Tudo Se Desfaz, novo documentário do diretor pernambucano de 34 anos.
O filme faz uma conexão entre
alguns dos episódios mais importantes do país nos últimos anos, traçando um
paralelo entre as Jornadas de Junho de 2013, o impeachment de
Dilma Rousseff, a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva e a vitória de Jair
Bolsonaro nas urnas (trailer no final da postagem).
“É um filme histórico. Ele
mostra como a atuação das massas no campo político começou a ser protagonista
da história brasileira a partir de 2013. Isso não parou. Isso veio para ficar,
sejam as massas digitais, sejam as massas físicas, que agora se intercambiam”,
diz Teófilo nesta entrevista a Oeste.
Diretor de O Jardim
das Aflições (2017), premiado documentário sobre Olavo de Carvalho,
Teófilo não tem dúvidas: o novo filme, assim como o anterior, despertará
incômodo na esquerda e, provavelmente, sofrerá algum tipo de boicote. “Nas
universidades, a gente já sabe o que vai acontecer. Eles vão tentar impedir as
exibições, inclusive usando de violência”, afirma. “O cinema brasileiro está
resistindo a entender as causas da eleição de Bolsonaro. Não precisa ser de
direita para tentar entender por que Bolsonaro foi eleito.”
Depois da pré-estreia na capital paulista, o filme será exibido no Estação Net Botafogo, no Rio de Janeiro, nos dias 22 e 23 de setembro. Também há datas confirmadas em Porto Alegre (27/9), Belém (28/9), Recife (30/9), Blumenau (4/10) e Belo Horizonte (6/10).
Leia os principais trechos da entrevista:
1 — Alguns críticos tentam
estigmatizá-lo como cineasta “bolsonarista” e se referem a Nem Tudo Se
Desfaz como um documentário sobre a vitória de Jair Bolsonaro em 2018,
embora você tenha dito que o filme retrata, na verdade, os impactos das
manifestações de 2013 sobre a política brasileira nos últimos anos — entre os
quais a eleição do atual presidente. Afinal, qual é o tema central do filme e
de que forma você responde a essas críticas?
O grande tema do filme é o
movimento das massas. Uma das principais referências da pesquisa que eu fiz
antes de fazer o filme é o livro Massa e Poder, do Elias Canetti [Editora
Companhia de Bolso, 2019]. O filme acompanha como as massas se movimentam.
Isso é muito mais importante do que qualquer questão partidária. Não diria que
é um filme político. É um filme histórico. Ele mostra como a atuação das massas
no campo político começou a ser protagonista da história brasileira a partir de
2013.
Isso não parou. Isso veio para
ficar, sejam as massas digitais, sejam as massas físicas, que agora se
intercambiam. As manifestações são convocadas pelas redes sociais. Elas vão
para o ‘ao vivo’, as pessoas se encontram, e depois elas repercutem
digitalmente. Outras questões abordadas são os memes, o humor, os vídeos, a
nova direita e por aí vai.
2 — A sociedade brasileira
parece ter se acostumado a ir às ruas para manifestações políticas, como se viu
nos atos de apoio ao governo realizados no 7 de setembro em todo o país. O
senhor acha que se trata de um legado das Jornadas de Junho de 2013?
Claramente, inclusive porque
elas têm a mesma dinâmica. Mas há um detalhe: quem estava junto em 2013 agora
está separado, em polos opostos. A esquerda é muito boa em reproduzir
artisticamente as manifestações. Eles têm fotógrafos profissionais, bandeiras,
balões imensos dos movimentos sociais etc. A direita não tem essa habilidade,
mas possui a capacidade de ‘viralização’, que é maior do que a da esquerda.
Eles sabem tornar as manifestações mais ‘família’ porque, de fato, são mais
voltadas à família, não tem depredação… Mas é a mesma massa, foram os mesmos
setores da sociedade que se manifestaram em 2013 e estão agora em polos
opostos.
3 — Em entrevista a Oeste em abril,
o senhor disse que Bolsonaro foi “herdeiro do movimento revolucionário de
2013”. O presidente ainda conta com a forte mobilização popular que impulsionou
sua candidatura em 2018?
Bolsonaro soube trazer para si
o coeficiente eleitoral da impopularidade das medidas de restrição. As pessoas
que ficaram com raiva porque não podiam trabalhar, sair de casa e ter uma vida
normal depois de tantas restrições dos governadores e dos prefeitos… Ele herdou
isso. Ele tem muita gente ao seu lado. Agora vamos ver como vai se comportar
daqui até 2022. Ele, de fato, está conseguindo ceder na questão da ideologia para
a governabilidade, para as circunstâncias. Isso é uma demonstração de
inteligência.
O outro lado também está
forte. Já na época da eleição de Bolsonaro, notei que aquilo daria uma nova
vida à esquerda. Só que eles não souberam se livrar do seu passado. Eles ainda
apostam em Lula, no estatismo… A esquerda ainda não superou essa fase do
socialismo para uma postura mais liberal. Não tem jeito de Lula ser entendido
como alguém de centro, como a grande imprensa está tentando vender. Ele é um
extremista que apoiou e apoia as ditaduras genocidas do continente. Não tem
nada de centrista nisso. Lula é um extremista que deveria estar preso até hoje.
4 — Na mesma entrevista a
Oeste, o senhor relatou que havia má vontade com o documentário, que não foi
aceito na seleção do festival “É Tudo Verdade”, por exemplo. Qual é sua
expectativa em relação ao lançamento? Acredita que o filme pode sofrer alguma
tentativa de boicote, como aconteceu com O Jardim das Aflições?
Acredito que não nos cinemas.
Agora, nas universidades a gente já sabe o que vai acontecer. Eles vão tentar
impedir as exibições, inclusive usando de violência. Não sou eu que vou
promover as exibições nas universidades. Eu apenas autorizo que as pessoas
exibam o filme. Organizamos a distribuição comercial e, quando o filme sair dos
cinemas, vou autorizar para que seja exibido em universidades. Vai ter
resistência? Vai. E a resistência é simplesmente a entender a verdade. O cinema
brasileiro está resistindo a entender as causas da eleição de Bolsonaro. Não
precisa ser de direita para tentar entender por que Bolsonaro foi eleito. Infelizmente, todos os filmes
brasileiros sobre a política recente são uma tentativa de tapar o sol com a
peneira. É uma tentativa de dizer que Bolsonaro foi eleito por causa de uma
conspiração parlamentar para derrubar a Dilma, por causa das fake news ou,
então, dizer que a população quis a volta dos militares.
“O problema é a falta de
outra visão no cinema brasileiro. Todos os filmes brasileiros exibidos em
festivais têm uma perspectiva muito parecida, e isso é muito triste. Fica todo
mundo rodando em cima dos mesmos temas e se autoafirmando.”
5 — Recentemente, foram
lançados documentários relacionados a fatos marcantes da política brasileira,
como o impeachment de Dilma Rousseff (Alvorada, O
Processo e Democracia em Vertigem, que foi indicado ao
Oscar). Independentemente da temática ou da qualidade dos filmes, é positivo
que tenhamos mais documentários sobre política?
Quanto mais filmes, mais
registros, mais pontos de vista. O problema é a falta de outra visão no cinema
brasileiro. Todos os filmes brasileiros exibidos em festivais têm uma
perspectiva muito parecida, e isso é muito triste. Fica todo mundo rodando em
cima dos mesmos temas e se autoafirmando. Falam da Tropicália, falam de música
popular…
Existem novas visões do mundo
surgindo e tomando lugar na sociedade, mas não são contempladas pelo cinema
brasileiro. Não só pelo cinema, mas por grande parte da imprensa brasileira e
pelo establishment de forma geral. É como se a esquerda
tivesse todos os caciques e a direita tivesse todos os índios. Nos festivais
brasileiros, eles não deixam passar nenhuma visão. É como se uma parcela da
sociedade não tivesse direito de se expressar.
Em uma democracia mais
saudável, como a norte-americana, você tem gente como Clint Eastwood, Mel
Gibson e James Woods produzindo filmes. É claro que eles têm dificuldades
porque também sofrem preconceito, e isso está começando a se agravar lá também,
mas ao mesmo tempo têm muito mais espaço do que o que vemos no cinema
brasileiro, que simplesmente fecha a porta para quem pensa diferente. Não é
defender a direita. É uma questão de liberdade de expressão.
Título e Texto: Fábio Matos,
revista OESTE, 15-9-2021, 8h30
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