terça-feira, 7 de dezembro de 2021

[Estórias da Aviação] A primeira greve de fome em 2013

José Manuel

Estávamos no início do mês de junho de 2013, e já eram passados sete anos sem que uma, atitude honesta fosse tomada pela UNIÃO, ou pelo STF, para resolver a tragédia gerada pela Secretaria de Previdência Complementar em 2006, ao irresponsável ato de ter feito uma intervenção e liquidação dos planos 1 e 2 do AERUS, fundo de pensão da VARIG.

Um verdadeiro holocausto no seio de vinte mil pessoas que dependiam do AERUS para viver.

Um assassinato oficial de milhares de beneficiários idosos e doentes ocorreu logo a seguir a este fato odiento, principalmente irresponsável, pois a VARIG à época já aguardava junto ao STF uma resposta mais do que evidente pela reparação por diferenças tarifárias, desde 1993 e já com jurisprudência, pois a Transbrasil foi beneficiada com essa indenização semelhante no ano de 1992. Portanto, não havia necessidade de se ter feito aquela estupidez!

Só para se ter uma ideia dos descalabros em nosso país, a VARIG só teve seu julgamento final no Supremo, com resultado a favor em 2014, ou seja, 22 anos depois da Transbrasil e mesmo assim ainda não concluído pois até ao momento não pagaram a quem devem por força de um julgamento favorável no STF.

O que em 2014 foi decidido por 3 bilhões, hoje, sete anos depois, já está em aproximadamente 15 bilhões, a VARIG exterminada e os puxa-sacos acham que não vão pagar. Eles também achavam que não iam pagar a tutela e, no entanto, nós sabemos o resultado. Se acham inteligentes e jogam a conta sempre no colo do povo que aceita tudo passivamente, enquanto eles ficam no troca troca de cargos e salários às custas de uma sociedade leniente e ignorante em leis.

Então, 29 anos são passados e podemos concluir que a UNIÃO, propositalmente matou a VARIG, e aproximadamente 5 mil pessoas foram mortas. Assassinato premeditado é o único nome que pode ser dado a essa tragédia.

Aliás, para quem ignora, existe uma moção nossa à Corte Interamericana de Direitos humanos, desde 2013/2014, que começou a ser desenhada lá no aeroporto.

Então, voltando a 2013, ficou muito claro que alguém teria que fazer alguma coisa e desafiar o status quo vigente.

Mas como? Teria que ser algo grande, que mexesse com o sentimento das pessoas, enfim, que o público em geral tomasse conhecimento dessa atrocidade contra nós. Foi aí que me veio à cabeça fazer uma greve de fome no coração da aviação, o aeroporto Santos Dumont.

Mas isso seria algo muito sério e comecei a estudar todos os aspectos dessa minha decisão.  Em primeiro lugar consultei minha família pois seriam os mais prejudicados caso alguma coisa desse errado. Aprovação sofrida claro, o ato seguinte foi consultar uma amiga médica cardiologista para saber quais as possibilidades de insucesso pessoal.

Foi muito clara e direta: "você não vai morrer de fome! Vai se hidratar muito e permanecer em silêncio. O único desafio sério que terá será o de não olhar o semblante das pessoas que olham pra você com pena. Se você ficar olhando, aí você morre, pois a tua parte psíquica será muito afetada”.

As duas primeiras ações tiveram êxito e resolvi partir para uma terceira, onde a decepção quase me fez desistir, mas como pressenti que havia algo errado resolvi insistir na ideia.

Por essa época uma amiga trabalhava conosco na loja que montamos, e seu marido, o Lira, ex-comandante da Transbrasil, tinha acesso fácil ao SNA pois havia lidado com eles por algum tempo. Pedi a ele que fossemos lá, pois precisaria de um apoio, talvez um médico e inclusive apoio logístico. Quem melhor do que um sindicato de Aeronautas para o fazer?

Fomos recebidos amavelmente pelo Comissário Bona, colega do Lira na mesma empresa e contei o que pretendia. O interessante é que não senti firmeza na recepção à ideia, além de perceber que o Zoroastro que estava presente no meu campo visual, o tempo todo em que lá estivemos, mas sem se aproximar de nós em tempo algum, nem que fosse apenas para um cumprimento

Afinal, berimbelas à parte éramos todos Aeronautas!

Aquela entrevista me soou estranha e fomos embora sem nada definido, porém, a resposta à minha desconfiança logo viria, dias depois.

Então, munido apenas da minha força interior e minha esperança no futuro, resolvi que o início da greve seria numa segunda-feira, dia 17 de junho.

Nos dias 5, 6, e 7 tinha havido manifestações nas ruas do Rio e São Paulo. Estava prevista para o dia 17 uma grande manifestação e tive de suspender o meu projeto, pois iria ficar completamente deslocado diante de tão grandes atos populares. Essa suspensão se deu até ao final de junho com grandes manifestações por todo o país.

No dia 27 de junho veio a resposta ao meu questionamento sobre o SNA. Eles invadiram a sede do AERUS para forçar o governo a tomar providências. Achei ótimo à época pois era mais uma forma de pressionar, mas não vou discorrer sobre este assunto, pois esse movimento apesar de positivo à nossa causa, não pertence às minhas memórias.

Uma vez que já no final de junho haviam tomado aquela decisão, resolvi estender um pouco mais o início do meu protesto, para não interferir no deles.

Finalmente agosto chegou, mais tranquilo, e resolvi então estipular que o dia do meu aniversário, no dia cinco de agosto, numa segunda-feira e com 67 anos, iria realizar algo jamais pensado em minha vida.

No sábado, 3 de agosto fomos, eu, a Irene e meu filho ao aeroporto para determinar o melhor posicionamento para a minha estadia, logística de banheiro, repouso à noite e uma foto já para enviar à revista virtual Cão que fuma com a primeira notícia da manhã.

Na segunda-feira, 5 de agosto, saí cedo de casa para me juntar a um grupo nosso que protestava na porta do Aerus na rua do Ouvidor. Após algum tempo, resolveram se manifestar nas escadarias da Câmara dos vereadores, Cinelândia. Então, para não interferir nesse protesto do SNA, chamei a minha amiga e comissária Edi Oliveira, uma guerreira valorosa, a um canto e lhe disse que não ia com eles, porque iria iniciar uma greve de fome no aeroporto, naquela manhã.

Claro, que logo após ter me instalado no aeroporto, a Edi carregou todo mundo pra lá. Mais tarde chegaram o César Bugre e o Alberto José ao anoitecer desse dia. Imagem

Logo a seguir chegaram os primeiros repórteres do Globo, avisados pelo Alberto José e ali mesmo, na porta, dei a minha primeira entrevista.

O sucesso desse movimento foi tão grande, que a partir da manhã de terça-feira o saguão do aeroporto começou a ficar lotado de variguianos e aeronautas em geral, e já anoitecendo a notícia havia corrido tão veloz, que pelas 18 horas estava cercado de repórteres da mídia falada e televisiva, me entrevistando. Tudo isso está registrado tanto no Google como no YouTube.

Os dias que se seguiram, foram como uma romaria indescritível ao Aeroporto para me desejar força. Claro que o silêncio pedido pela médica era impossível e tentei me adaptar às circunstâncias que iam acontecendo. No final daquela semana, o Ministro Joaquim Barbosa, presidente do STF, foi interpelado publicamente se ele sabia que havia um funcionário da VARIG em greve de fome no Santos Dumont, e se tinha noção do que poderia ocorrer caso ele não colocasse o processo em pauta para julgamento, pois o mesmo estava havia meses esquecido ou arquivado. Claro que diante das câmeras ele confirmou que tomaria essa decisão na semana seguinte.

Primeira vitória e começava a ser pavimentado o nosso caminho. Assim mesmo, tive que voltar mais duas vezes até que a exaustão de pedidos e de reportagens tomasse conta daqueles que nos tinham nas mãos.

Foi lá no aeroporto que começou a minha parceria com o Thomaz Raposo, que foi lá me prestar assistência e lá mesmo passei a ser participante da Aprus.

Há muito, muito mais para contar sobre a minha estadia no aeroporto, fatos que se sucederam, minhas noites no chão, meus banhos parciais em pias de banheiro público, o meu medo de ser expulso pela Infraero, as noites insones, os problemas com alguns, o total desconhecimento do que é um movimento como uma greve de fome, a belíssima atenção dos meus colegas, e os dois pedidos insistentes do SNA para que me juntasse ao movimento deles, etc., mas isso fica para outro texto.

A DECISÃO

O plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu,em 12 de março, que a antiga Varig e mais de 20 mil pessoas que contribuíram para o fundo de pensão Aerus têm direito a indenizações que podem chegar a R$ 6 bilhões.

O processo tramita no STF desde 2007. Com a vitória da Varig, o dinheiro das indenizações deverá ser usado para o pagamento de dívidas trabalhistas individuais e aposentadorias. A falência da Varig foi decretada em 2010.

O importante desse movimento no aeroporto foi chamar muito a atenção para nós que estávamos sendo penalizados há sete anos sem ter culpa e isso ficou provado depois na ACP.

Finalmente, em 12 de março de 2014, portanto sete meses após o início dos movimentos, o meu e o do SNA, obtiveram êxito com o STF reconhecendo a procedência da ação da VARIG.

Ressalto que todos foram importantes naqueles nossos movimentos de junho e agosto de 2013. E acredito mesmo que sem eles estaríamos até hoje esperando por algo que não viria.

A presença maciça de variguianos no Santos Dumont, durante as três vezes em que lá estive, foi preponderante em nossa vitória e nos mostrou o caminho a ser percorrido no futuro.

Título e Texto: José Manuel – Com este texto, tento mostrar que o único caminho para o recebimento do que nos devem, é a união de todos, como ocorreu naquele aeroporto. Fora isto, não há outra maneira disso acontecer. Acreditem! Dezembro de 2021 

Relacionados
Ligação interurbana (a poucas horas do início do recesso) 
Ex-trabalhador da Varig volta a fazer Greve de Fome! 
Greve de Fome/Varig/Aerus: acompanhamento 
Sessão de julgamento do RE 571 969 (Defasagem Tarifária), 12 de março de 2014 
[Aerus] Sugestão de cartas para a Comissão e para a Corte Interamericana de Direitos Humanos

Anteriores: 
Como entrei na Varig e os meus amigos inesquecíveis 
Os quatro motores pararam de funcionar em pleno voo! 
A quadrilha no hangar 
Tenerife, O MAIOR acidente aéreo de todos os TEMPOS 
AF 447 - A história do ACIDENTE que MUDOU a aviação comercial 
Voo Varig 967 – Tóquio/Los Angeles, 30 de janeiro de 1979 

Um comentário:

  1. José Manuel, o meu eterno reconhecimento. Coragem, bravura, determinação, persistência, conhecimento dos fatos para reivindicar, entre tantos outros atributos que marcam tua personalidade, foram decisivos naqueles dia históricos. Definitivamente a tua atuação está registrada como importante contribuição para que tenhamos uma velhice digna. Muitos de nós lutaram, e tombaram. A eles as nossas homenagens. Outros, como Jim Pereira, titular deste espaço, criaram Movimentos (MOV ACÔRDO JÁ),lideraram manifestações e merecem, igualmente, nosso respeito e admiração.
    Sigamos estes belos exemplos do passado recente, estando ALERTAS E UNIDOS.
    Obrigado, muito obrigado José Manuel
    Vilmar Mota

    ResponderExcluir

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-