segunda-feira, 28 de março de 2022

Editorial: Prefeitura (do Rio) sem comando?

Apenas um quarto dos cariocas aprovam o governo Eduardo Paes e é fácil saber o porquê. Camelôs, moradores de rua, poluição sonora e problemas com transportes, uma cidade ainda abandonada

Quintino Gomes Freire

A última pesquisa do Instituto Rio21 mostrou que Eduardo Paes, com pouco mais de 1 ano de mandato, tem apenas 25% de popularidade. Provavelmente, ele se pergunta o porquê, mas a razão é simples e qualquer carioca sabe. O Rio hoje parece que é muito bem pensado, mas aparenta não ter comando, ao menos no dia a dia. Ninguém parece querer pôr a mão na massa.

Pedro Paulo pode ter acertado as contas – como de fato o fez, Soranz debelado a pandemia e Chicão pode mesmo ter avançado no desenvolvimento um futuro diferente do Rio. Fajardo, como bom urbanista, pensa, projeta, planeja. Tudo isso é muito importante, mas e a ordem urbana? E a conservação? E os moradores de rua? E os transportes? Pode não ter piorado desde Crivella, mas não parece ter melhorado nada, à exceção, talvez, das demolições de construções de milicianos.

Sentar-se do lado de fora de um bar ou restaurante é um suplício. Pedintes a cada dez (cinco?) minutos, engraxates, vendedores de balas e aquelas mesmas pessoas de sempre pedindo para inteirar a passagem de ônibus e contando historinhas tristes para faturar um qualquer. Já viraram piada os esquemas de pedir leite Ninho e absorvente para quando a gente se afastar trocar no comércio por dinheiro, isso sem contar o mendigo que passou a morar ali ao lado. E o que” dorme” pertinho dos prédios para de noite levar o número da edificação, a porta do hidrômetro ou a tubulação de gás para vender para algum ferro velho clandestino. E a Guarda Municipal? Não sei, nem o Paes deve saber. De noite então….

E o barulho? Da Zona Sul à Zona Norte, do Centro à Zona Oeste, ninguém está à salvo de Djavan sendo mal cantado por alguém às alturas; em Copacabana virou anedota o infeliz que se esganiça todos os dias aos berros de “eu ameeeei te veeer, eu aneeeei te veeer”. Até azulejo os moradores desesperados – sim, é errado – já tacaram no pobre cantor com voz de taquara rachada. Adianta reclamar? Parece que não: nem adianta reclamar com a Subprefeitura. Até porque até a eleição os donos desses bares se tornarão cabos eleitorais e os vereadores não devem querer chatear os comerciantes que lhes arregimentam uns votinhos. Todo mundo sabe que 99% desses bares que tem música não têm licença para a música ao vivo. É outra anedota; quase como aquela lei ridícula que pretende “cassar o alvará” de ferro velho que recebe coisas “sem procedência”. Como se cassa alvará de quem não tem alvará?

No caso de o BRT culpar o Crivella chega a ser uma acusação complicada…. Ele realmente acabou com o sistema, que nunca funcionou de forma devida. Verdade que deixou destruírem dezenas das estações que nós sabíamos que seriam destruídas desde o dia em que ficaram prontas. E vale lembrar que na época que Paes geriu o Rio pela primeira vez, o problema de transportes já era gravíssimo. Esta solução não é mesmo fácil, mas não sou eu quem quis ser prefeito. Crivella foi o pior prefeito da história. Sequer andava na rua. Mas ele já foi. Xô. Acabou. E já se passou muito tempo para ele continuar sendo utilizado como desculpa.

Os camelôs clandestinos de que sempre reclamamos aqui no DIÁRIO DO RIO continuam sendo uma grande lástima e uma mácula grave na imagem e na reputação da cidade. Os que vendem mercadoria falsificada, devem ser presos. Os que vendem mercadoria objeto de roubo de carga, idem. Os que trabalham sem licença devem ser arrancados das ruas. Ontem. Eles levam o comércio formal à bancarrota. Não contribuem com impostos. Sustentam milicianos e bandidos “donos dos pontos” (sic). Não são fiscalizados pela vigilância sanitária. Vendem quentinhas em caminhões parados na frente de restaurantes que pagam IPTU, ISS, e diversos outros impostos municipais. Muitos ganham mais do que comerciantes que são multados diariamente por não cumprir normas intrincadas, descumpridas pelo camelô localizado a 5 centímetros de suas lojas! Eles parecem mandar mais que o próprio prefeito, e no Centro do Rio chegam a cobrar para que os carros passem pelas ruas que eles próprios fecham irregularmente com suas bancas de quinquilharias chinesas fruto sabe-se lá de que tipo de importação.

Há solução? No caso dos transportes especialmente não é simples (deve-se estimular a moradia popular no Centro e na Zona Norte – isso não se faz rapidamente). Algo parecido ocorre até certo ponto com a questão dos moradores de rua, que é um problema mundial: apesar de termos abrigos, os abrigos restringem suas atividades às legais, e seu comportamento ao do ser humano médio. Alguns não gostam disso, preferem a “liberdade das ruas”. Certamente pode ser mitigado com abrigos mais próximos da Zona Sul – pois eles querem ficar perto de onde obtêm sua “renda”, mas o povo que mais reclama do problema quer vê-los longe. Burrice. Melhor que estejam perto, mas próximo de onde querem ficar, em vez de no meio da rua defecando, copulando, e tudo o mais fazendo na cara da sociedade. Já que não se permite a remoção contra suas vontades nem se consegue internar compulsoriamente os toxicômanos, que são grande parte desta população, os abrigos deveriam existir nas regiões menos valorizadas de cada bairro, para que eles queiram passar a noite, ao menos. Ao menos estas pessoas teriam onde comer e dormir com dignidade.

Mas ordem urbana e poluição sonora? É o caso claro de falta de vontade de trabalhar, de pressionar os camelôs ilegais e de multar bares sem alvará específico para música; isto é o mínimo que uma Prefeitura deve fazer para que a cidade não tenha seu espaço público ocupado e loteado por gente que não cumpre a lei. Isso, a lei. É, temos uma. E todos têm que cumpri-la.

O Rio vai, assim, sendo deixado ao Deus Dará, às baratas, e assim não adianta Chicão ou Pedro Paulo lutarem pela economia, porque deste jeito a cidade caminha para virar uma Bombaim, ou uma Dakar. Enquanto isso, Eduardo Paes vai levando e rezando para que ninguém reclame. Isso não se dirá de nós.

Título e Texto: Quintino Gomes Freire, Diário do Rio, 27-3-2022

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