O presidente do TSE diz que vai aperfeiçoar
o sistema eleitoral recorrendo a “informações adequadas” e ao critério da
“transterritorialização comunicacional”
Augusto Nunes
Confesso que demorei quatro
anos para descobrir que Luiz Edson Fachin é o mais dissimulado dos ministros do
Supremo Tribunal Federal. Até 8 de março de 2021, quando livrou Lula da cadeia
e assassinou a Lava Jato, esse gaúcho de Rondinha tapeou-me com decisões e
discurseiras favoráveis à maior e mais eficaz ofensiva anticorrupção da história.
Três meses antes da facada nas costas do Brasil que pensa e presta, num ofício
remetido ao presidente Luiz Fux, o ilusionista tornou a louvar a operação. O
trabalho dos engajados na devassa do Petrolão, reiterou, “tem sido pautado pela
legalidade constitucional”. Ficara provado, segundo Fachin, que “é possível, ao
mesmo tempo, ser democrático e combater a corrupção pelo aprimoramento do
sistema judicial”. Também inimigos da Lava Jato se surpreenderam com a aparente
independência de um ministro indicado pelo governo do PT. “É assustador, isso
ninguém podia imaginar”, espantou-se Eugênio Aragão, ministro da Justiça no
governo de Dilma Rousseff. “Continuo sem entender certas posições que não
condizem com o passado dele.” Era só vigarice.
A independência de araque foi
a fantasia que camuflou o advogado a serviço do MST e o professor de Direito
que enxergou em Dilma a salvação do país. A cabeça e a alma nunca mudaram.
Caprichando na dissimulação, o Fachin de sempre preparou meses a fio a catarata
de sofismas, gingas de chicaneiro, malabarismos bacharelescos, interpretações
malandras, latinórios pilantras e pontapés na lógica que atenderia ao apelo
famoso formulado por Romero Jucá: “É preciso estancar a sangria”. Mas desse
carrasco da verdade, da lei e da ordem jurídica já tratei em outros artigos. O que me traz
de volta ao agora presidente do Tribunal Superior Eleitoral é a descoberta de
uma segunda tapeação. Desde a chegada ao Supremo em junho de 2015, achei que o
subdialeto falado por Fachin era uma variante radicalíssima do velho
juridiquês. Essa espécie de extremista idiomático prefere “quiçá” a “quem
sabe”, usa “nada obstante” em vez de “mesmo assim”, escreve “writ” no lugar de
“mandado de segurança” e troca “acusação inicial” por “exordial acusatória”.
Fachin faz tudo isso. Mas neste fim de fevereiro, confrontado com o vídeo da primeira
entrevista coletiva depois da posse no TSE, compreendi que o fachinês é tudo
isso e muito mais.
O libertador de Lula
produziu uma raridade linguística tão assombrosa quanto o dilmês
Numa introdução de quase 30 minutos, Fachin apresentou seu populoso grupo de assessores, prometeu assombrar o mundo com um pleito irrepreensível e anunciou que a sociedade da informação acaba de ser substituída pela “sociedade da informação adequada”. Não conseguiu explicar que coisa é essa, mas a fisionomia confiante avisava que o mundo logo saberá. Aos 32 minutos da conversa de quase três horas, um repórter perguntou-lhe se já reunira provas suficientes para sustentar a ousada acusação feita dias antes numa entrevista ao Estadão: o sistema de votação adotado pelo Brasil já estava sob ataques de hackers entrincheirados na Rússia e na Macedônia do Norte. Depois de um pigarro que combinou com o sorriso superior, o doutor em eleição decolou. Apertem o cinto, embarquem na resposta reproduzida sem correções e aproveitem a viagem pela cabeça de Fachin:
“É relevante dizer que isso
que eu vou mencionar diz respeito aos dados e sistemas que compõem um conjunto
de bases que o tribunal tem, que diz respeito aos filiados de determinado
partido político, aos eleitores, às eleitoras, à nossa… ao nosso setor de recursos
humanos, nada disso tem a ver com a questão específica das urnas eletrônicas,
que não estão na rede mundial de computadores e portanto, quando estamos a
falar de ataques ou ameaças de ataques, nós estamos dizendo de algo que
acontece hoje com organizações e instituições no mundo inteiro. Por exemplo, em
outubro do ano passado, a… no Brasil, uma grande empresa da área da cibernética
publicou que 58% dos ataques provêm de um desses países que na sua pergunta
foram mencionados. Esse mesmo país, ou esses países, são referidos em
relatórios importantes como o relatório do Senado norte-americano sobre as
eleições norte-americanas, como, sobre o mesmo fato, relatórios publicados em
jornais como o New York Times e Washington Post,
relatórios do próprio FBI. E recentemente, na Alemanha, nas eleições recentes,
que culminaram com a eleição do novo primeiro-ministro, as eleições alemãs
receberam esse tipo de ataque e isso foi publicamente registrado. Além disso,
nós obviamente temos um desenho que nos dá um diagrama da origem desses
ataques, cujos dados e informações têm graus obviamente de segurança e esse
grau de segurança nos permite apenas dizer que nos países nos quais há um
baixíssimo controle de sistemas que lá se hospedam e que dão abrigo a esse tipo
de atividade criminosa, é desses países que a maior parte dos ataques
obviamente tem origem. Portanto, ao referir a um ou outro país, nós estamos
também nos referindo à nossa situação, ao Brasil, porque a hospedagem, como nós
sabemos, ela pode variar numa fração de segundos, alguém que pode estar
hospedado num país hoje pode estar hospedado num outro país amanhã, eu estou
colocando todos nós nesse mesmo juízo de precaução. E quando eu estou
mencionando, e reitero, que nós sofremos, sim, riscos de ataques eu estou
dizendo que o TSE, como tomei a liberdade de usar essa figura de expressão, o
TSE corresponde a um carro blindado. Os passageiros do carro estão seguros, mas
isso não quer dizer que o carro não possa ser vítima de algum tiroteio ou de
algum disparo que o venha atingir. Em isso ocorrendo, e quando ocorre, nós
examinamos as circunstâncias para aprimorar os mecanismos de segurança e também
para melhorar ainda mais a área de mínimo conforto e de armazenamento dos
nossos dados e informações”.
Minutos adiante, uma repórter
quis saber o que fará o entrevistado se o Telegram continuar ignorando os
esforços do TSE para submeter todas as plataformas e redes sociais às regras da
Justiça Eleitoral. Fachin engatou uma quinta marcha e acelerou:
“O projeto que está na Câmara
dos Deputados foi objeto do diálogo que mantive com o presidente da Câmara dos
Deputados quando levei a ele o convite da posse, e eu percebi a relevância e
até mesmo o sentido de prioridade que esse projeto poderá ter na tramitação na
Câmara dos Deputados que, como sabemos, é relatado pelo deputado Orlando Silva.
A espacialidade, a rigor, própria dessa matéria é a espacialidade do
Legislativo. Se vier, nós teremos um marco legal sobre esse tema, esse marco
legal definirá, por exemplo, um dos pontos que você mencionou, a necessidade de
representante legal. Nada obstante, é preciso considerar duas coisas. A
primeira delas é: o Brasil, e disso não há dúvida alguma, em que pesem todas as
nossas mazelas, o Brasil vive o Estado Democrático de Direito com plena
liberdade política. Isso significa que um Estado Democrático, para garantir a
democracia, pode, e me permitam o pleonasmo, democraticamente impor limites. O
que eu estou querendo dizer com isso: que nenhum mecanismo de comunicação está
imune ao Estado de Direito, e me refiro ao Estado de Direito Democrático. E por
que eu estou fazendo essa nota relevante? É que essa transterritorialização
comunicacional em relação a países de governos despóticos e ditatoriais tem um
outro contexto e uma outra compreensão nos quais a existência de limite e
controle significa a existência de limite e controle que afeta o conteúdo mesmo
da própria liberdade, da própria comunicação. Mas no Brasil nós vivemos sob a
égide da própria Constituição que vincula a todos nós, uma Constituição com
mais de 30 anos, uma Constituição que teve todas as licencitudes, que já
tivemos dois impedimentos de presidentes da República. As circunstâncias do
presente com a crise pandêmica sanitária e com todos os seus efeitos sociais e
econômicos. E essa Constituição, que é uma espécie de o pão nosso de cada dia,
ela nos fornece um material muito simples, que é a convivência democrática, o
respeito à diversidade, a tolerância, a dignidade, e é isso que significa,
portanto, que para cada uma ser o que é, é fundamental que o outro que lhe seja
diferente possa ser naquilo que ele entende que se constitui. Em 2017, o que
fez a Alemanha federal? Exatamente o Parlamento alemão aprovou em 2017 a
legislação que procurou disciplinar essas circunstâncias, propiciando inclusive
a fixação de multas em valores bastante elevados, e obviamente todo valor é de
milhões em euros, algo bastante expressivo, ainda que seja para plataformas
bastante abastecidas de dividendos. E que fez, portanto, a Alemanha com
problemas similares aos que nós estamos enfrentando agora? Não localizava o
representante respectivo. Determinou-se, portanto, que a administração e movida
pela atuação do que equivale ao procurador-geral, e iria promover a citação por
edital e realizar a imposição de multa. Algum tempo depois, ocorreu o que nós
estamos querendo que ocorra: sentar a uma mesa e dialogar. Nós defendemos a
regulação autoregulamentada, os destinatários da regulação têm que ser
partícipes dessa construção dialógica. Com essas parcerias, não se trata e não
pode se tratar em hipótese nenhuma de imposições verticalizadas e sim de uma
construção horizontalizada, aonde hajam limites comuns que jamais podem ofender
o conteúdo essencial da liberdade da própria expressão”.
Não entenderam nada? Fiquem tranquilos. O libertador de Lula produziu uma raridade linguística tão assombrosa quanto o dilmês. A exemplo da ex-presidente, Fachin é incompreensível. Uma frase começa mas não termina, outra termina sem ter começado. Ora falta o sujeito, ora o predicado. Súbitas mudanças de rota desnudam um cérebro com severas avarias. Embaralhados, substantivos pedantes, verbos pernósticos, adjetivos pinçados em remotos saraus e expressões jurássicas resultam num falatório sem pé nem cabeça. Ninguém decifra o que o ministro fala. Nem ele. Demorei seis anos e oito meses, é verdade. Mas enfim descobri que Luiz Edson Fachin é uma Dilma de terno e toga.o:p>
Título e Texto: Augusto
Nunes, revista Oeste, nº 102, 4-3-2022
Não sei para a maioria. Para minha pessoa, em particular, decididamente um verme asqueroso. Desses repugnantes que vivem em bueiros e quando mostram a cara, defecam como ratos de esgoto.
ResponderExcluirCarina
Ca
Vila Velha ES