quinta-feira, 10 de novembro de 2022

[Daqui e Dali] O meu Menino Jesus

Humberto Pinho da Silva

Não sei se alguma vez vos falei do meu Menino Jesus.

É uma bonita imagem de madeira, com pouco mais de quarenta e cinco centímetros de altura, sobre peanha lavrada e doirejada; perfeitíssimo, como se fosse de carne e osso. Tem muito que contar esse Menino. História que passou e passa, quase como lenda, de geração a geração.

Os ancestrais asseveravam que havia há muito e muitos anos, no remoto século XIX, em Viseu ou Gonçalo, menina, filha de agricultores abastados, que certo dia morreu de amores por moço da quinta dos pais.

O namoro foi tão adiante, que resolveram casar. Mas como? Se os pais da menina nem sequer queriam sonhar de tal enlace?

Numa noite fria e escura, pela calada, acordaram fugir. Rapto? Não, porque a menina, perdida de amores, levada pela paixão, (dizem) tudo planeara.

Para não serem descobertos, assentaram vir para o Porto, cidade grande e a muitas léguas da Beira-Alta.

Ficaram em Vila Nova de Gaia. Onde? Ainda a tradição, indica a Rua dos Ferradores.

Mas, a menina caiu em grande tristeza, numa aflitiva angústia. Não por se ter arrependido, mas porque lhe faltava o seu Menino Jesus, que tanto amava.

Como a melancolia fosse tão adiante a ponto de a menina adoecer, o marido, (dizem que se matrimoniaram, em segredo, na igreja de Santa Marinha,) foi em demanda do Menino.

Já na Beira açodou-se falar com amigo de confiança e traçou cuidadosamente o estratagema: os senhores da quinta, costumavam ceder a imagem para velório de criancinhas.

Mandou-lhes mulher, já entrada em anos, trajada de luto cerrado, bater ao portão da quinta solicitando o obséquio de emprestarem o Menino, para enterro de anjinho que falecera numa aldeia da cercania.

Obtido o almejado Menino, foi pressuroso levá-Lo ao santeiro de Viseu, com ordem de fazer imagem, em madeira, igualzinha, o mais rapidamente possível. Ficou tão semelhante, que mal se conseguia distinguir do original.

De regresso a casa, apresentou-o à mulher, que o reaprendeu asperamente:

"Não quero!... Não quero!... Por que o roubaste? Leva-o... e entrega-o aos meus pais..."

Mas logo o marido, todo risonho, explicou-lhe carinhosamente:

"Não é o mesmo. É cópia, feita pelo santeiro de Viseu!..."

E o Menino foi passando, ao longo dos anos, de geração a geração, até chegar a mim.

Se a história, for verdadeira, como acredito, é provável que algures, no distrito de Viseu, exista um Menino, igualzinho ao meu...

Quem sabe?  

Título e Texto: Humberto Pinho da Silva

Anteriores: 
Ser doutor é necessário 
O pintor da Ria 
O exemplo de um grande filósofo 
[Daqui e Dali] A oitava praga 
Não compreendi, mas venerei 
A família em Portugal 
Como se fundou o convento do "Bom Pastor", e o que fez a Irmã Maria por ele

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-