terça-feira, 2 de março de 2021

[Aparecido rasga o verbo] Como se fosse a ‘filha pródiga’

Aparecido Raimundo de Souza

ROBESTÁQUIO E AMANSILDO
conversam enquanto bebem uma gelada na birosca do Waldemar Leitão:
— E ai, Amansildo, indaga Robestáquio a certa altura. Conseguiu se livrar da Elisângela, sua mulher?
Amansildo:
— Graças a Deus, Robestáquio. Não aguentava mais a Elisângela. Estava a ponto de ter um treco, um troço, sei lá, ou qualquer coisa fulminante parecida com um AVC. E você, agora devolvendo a indagação — conseguiu, igualmente, se separar da Matilda?
Robestáquio:
— Sim. Aquela coisa... Finalmente estou livre. Livre, leve e solto...

Amansildo: 
— E como foi? 
Robestáquio:
— Cara, apliquei uma série de tabefes nela. Pernas, braços, costas. Não contente voei nos escutadores de novela da infeliz e meti bronca. Fui preso pela Maria da Penha.
Amansildo:
— Quem é essa Maria da Penha? Mulher nova no pedaço? Nem bem você se livrou de uma encrenca e já arranjou outra sarna pra se coçar?

Robestáquio:
— Deixa de ser besta Amansildo. A Maria da Penha é uma lei.
Amansildo:
— Pensei que tivesse trocado a Matilda pela tal da Maria da Penha.
Robestáquio:
— Nada a ver, Amansildo. Fiquei preso uma semana. Ajustei um advogado e aqui estou, belo e formoso, pronto para voltar pra pista.

Amansildo:
— Tirando o desconforto da prisão, que acredito deve ter sido um porre, folgo em saber que está em paz. Me vejo feliz por você, de verdade.
Robestáquio:
— Mudando de pau pra cavaco, me conte agora a sua história: como despachou a Elisângela?
Amansildo:
— Foi muito simples. Pedi a ela que fosse embora e ela simplesmente arrumou as tralhas e caiu fora. Pra falar a verdade, não esperava que fosse acontecer tão rápido. Parecia até que estava à espera de uma deixa. Talvez, imaginei, na hora, um novo cobertor de cangote estivesse na área só esperando para me substituir...
Robestáquio:
— Pelo visto você está arrependido. A sua cara de chifrudo inconformado me passa uma certa dor de cotovelo...

Amansildo:
— Qual o quê!
Robestáquio:
— Confesse, Amansildo. Deixe de lado a vergonha. Coisa de um mês ou mais, notei e, não só eu, nossos colegas também chegaram a mesma conclusão. Você passou a andar meio cabisbaixo, as feições sisudas, o olhar pensativo... Parou de frequentar o ‘Boteco do Pimpolho’, deu pra se esquivar dos amigos... Achei você hoje, aqui e estamos sentados na birosca do Waldemar Leitão por mero acaso. Se eu não te chamo quando saltava do busão... Vamos, se abra. Ainda ama de paixão a sua querida cara metade, não ama?
Amansildo:
— Concordo com você, em parte. Realmente, ainda sinto um ‘quesinho’ pela Elisângela. Quando ela saiu, eu literalmente perdi o prumo. Desde então, mudei meus modos. Refiz meus conceitos... Fiquei mais amadurecido... Ligeiramente confiante nos meus objetivos. Todavia...

Robestáquio:
— Continue...
Amansildo:
— Todavia, estou pê da vida, Robestáquio. De fato, me flagro a ponto de esganar o primeiro que ousar se ‘interpuser’ em meu caminho. Grosso modo, me vejo todas as manhãs, de uns dias para cá, evidentemente, subindo pelas paredes. Diria que passei a cuspir ventas pelo fogo...
Robestáquio:
— Como disse?

Amansildo:
— Que estou a cuspir fogo pelas ventas. De tão aperreado, inverti as bolas. Imagine, logo eu, um sujeito centrado... Ou pelo menos eu ‘achasse’ que fosse...
Robestáquio:
— To vendo. Mas, apesar dos pesares, você ainda gosta dela.
Amansildo:
— Olha quem fala! Você também está caidinho querendo a Matilda de volta.

Robestáquio:
— Apesar do vexame da prisão pela Maria da Penha, os vizinhos me vendo ser preso e algemado entrando na viatura da Civil, no geral, me sinto meio vazio, como se fosse um braço de córrego estorricado pelo sol.
Amansildo:
— Eu não passei pela sua vergonha, não fui engaiolado, contudo, estou como uma bomba, prestes a explodir. Pra você ter uma ideia, ando querendo matar e esfolar uns três ou quatro. Em algum dia da sua vida, se sentiu sem noção e completamente fora de controle?

Robestáquio:
— Muitas vezes...
Amansildo:
— Em sínteses, Robestáquio, ando, de fato, fora de mim...
Robestáquio:
— Pense, meu amigo. Raciocine. Se você mandou a Elisângela embora e a quer de novo, ao seu lado, vá atrás dela e peça que volte. Qual a razão da fúria? O suposto chifre? Se não a quer, entre na minha. Siga em frente. A fila anda. Venha pra pista.
Amansildo:
— Não é só uma furiazinha qualquer. É uma empombação nova, pesada, uma sensação de covardia que me atingiu dos pés a cabeça. A bem da verdade, estou enlouquecidamente indignado.

Robestáquio:
— Por tudo quanto é sagrado, Amansildo. Qual a razão de tamanha amargura e desavença em seu coração? Se abra, me conte o que está deixando você a ponto de ter um derrame repentino?
Amansildo:
— A maldita, se escafedeu sem pensar duas vezes. Como lhe falei, parecia à espera de uma deixa. Quer, de fato, saber porque estou uma pilha? A Elisângela se arrependeu, botou o rabinho entre as pernas e retornou. Faz exatamente quinze dias que se instalou, de novo, lá em casa.

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro.

Colunas anteriores: 
Casuais e escaganifobéticas 
Patacoadas 
Marcas 
Para todas as horas 
Renúncia 
Presença 

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