Se diante desse povo todo nas ruas, a
narrativa oficial vai insistir em tratá-lo como um bando de lunáticos
fascistas, como haverá possibilidade de contemporização?
![]() Rodrigo Constantino Quem tem certa idade há de
lembrar do filme A Guerra dos Roses, de 1989, em que Michael
Douglas e Kathleen Turner interpretam um casal que decide se divorciar após
quase duas décadas junto. O problema é que ambos desejam permanecer com a
luxuosa mansão em que vivem, sem ceder um milímetro sequer. Permanecendo no
mesmo local, uma guerra se inicia para um tentar expulsar o outro. Em vez de um
fim horroroso à união, eles optam por um horror sem fim. Divórcios podem se tornar
brigas bem feias mesmo. Não obstante, creio que a imensa maioria prefira
colocar um ponto final quando não há mais nenhuma possibilidade de convívio
amigável e civilizado a permanecer preso num inferno sem nenhuma perspectiva de
término. Por mais traumática que seja uma ruptura definitiva, ela ainda parece
melhor do que o castigo imposto por Zeus a Prometeu, que amanhecia com seu fígado
regenerado apenas para ser devorado novamente pela águia por toda a eternidade. Muitos temem uma ruptura
institucional no Brasil. Lamento informar, mas ela já ocorreu. Não temos um
Supremo Tribunal Federal que atua como guardião da Constituição, mas sim uma
Corte em que alguns membros praticam o mais escancarado ativismo político,
promovendo censura, perseguição, intimidação e até prisões arbitrárias. O país
mergulhou num estado policialesco, e isso tem ligação direta com a postura de
certos ministros, que mais parecem um partido de oposição ao presidente
Bolsonaro, eleito com quase 58 milhões de votos. Milhões de brasileiros foram
às ruas nesse feriado do 7 de Setembro externar essa revolta, pedir liberdade e
clamar por respeito à Constituição. A imprensa, igualmente militante, chamou o
ato de “antidemocrático”, fingiu não ver a multidão presente nas principais
cidades e rotulou como golpista o evento inteiro. Patriotas com suas famílias
em verde e amarelo cobrando respeito às leis passaram a representar uma ameaça
à democracia, enquanto socialistas de vermelho pedindo ditadura do proletário
viraram democratas. Está tudo invertido em nosso
país. E os ministros supremos, como já ficou claro, não vão recuar, e sim
dobrar a aposta. Mergulharam demais nesse ativismo, e pela postura
intransigente de Bolsonaro, que conta com amplo apoio popular e garante que só
sai morto dali, fica claro que um dos lados terá de vencer esse cabo de guerra,
o que significará para o outro uma derrota fatal. Quem piscar primeiro está
fora da casa! Seria um caso único na
história de impeachment por excesso de apoio popular! Os moderados pedem diálogo, mas infelizmente ele parece inviável. “Não é possível discutir racionalmente com alguém que prefere matar-nos a ser convencido pelos nossos argumentos”, alertou Karl Popper. O filósofo liberal acrescentou: “Não devemos aceitar sem qualificação o princípio de tolerar os intolerantes, senão corremos o risco de destruição de nós próprios e da própria atitude de tolerância”. É um truísmo, mas o problema é quando cada lado encara o adversário como o intolerante. Se essa é a premissa, a guerra parece inevitável. Ora, se, diante desse povo
todo nas ruas, a narrativa oficial vai insistir em tratá-lo como um bando de
lunáticos fascistas, como haverá possibilidade de contemporização? O que já
ficou claro para muitos é que o “sistema” simplesmente não aceita a existência
política da direita conservadora. O lado de lá deseja simplesmente exterminar a
existência dos conservadores. É uma luta pela simples sobrevivência, pela
liberdade básica de existir e se manifestar. Não há mais escolha. É como
Churchill profetizou sobre o esforço de apaziguamento com nazistas: tiveram de
escolher entre a desonra e a guerra, escolheram a desonra, e terão a guerra. Leandro Narloch, um liberal
moderado e crítico de Bolsonaro, escreveu na Folha de S.Paulo: “É
fácil tomar como loucos e inebriados por fake news os
brasileiros que chamam o STF de vergonha nacional. Mais difícil é fazer uma
autocrítica e admitir que diversos ministros do Supremo tomaram atitudes para
lá de vergonhosas”. Ele diz que os abusos e as ilegalidades do Supremo dão
força ao bolsonarismo, suas decisões políticas reavivam um apoio mesmo de quem
já começava a se arrepender ou abandonar o barco. Diante do mar de gente nas
ruas, o establishment achou adequado subir o tom e falar
em impeachment, não de Alexandre de Moraes, mas de Bolsonaro! Seria
um caso único na história de impeachment por excesso de apoio
popular! A elite esquerdista quer uma democracia de gabinete, sem povo, mas
resta combinar com este, que se recusa a ficar em casa calado. Se forem adiante
com um golpe escancarado desses, acham mesmo que aquela multidão toda vai
engolir passivamente o sapo barbudo? Teremos uma convulsão social, quiçá uma
guerra civil mesmo. Alguns parecem torcer pelo pior, para finalmente apontarem
alguma medida autoritária concreta do presidente, até aqui jogando dentro das
quatro linhas da Constituição — ao contrário de seus adversários. A multidão nas ruas dificultou
o possível golpe da urna eletrônica. A esquerda errou ao convocar manifestação
no mesmo dia, pois ficou evidente demais o contraste entre ambas. Como alguém
vai acreditar que o ex-presidente corrupto tem uma vantagem tão grande nas
pesquisas, observando seu apoio minguado e inexpressivo, enquanto Bolsonaro
arrastava milhões pelo Brasil todo? Em desespero, querem derrubar já Bolsonaro
ou torná-lo inelegível. Mas acham mesmo que o povo vai tolerar isso? “Sob um governo que aprisiona
qualquer pessoa injustamente, o verdadeiro lugar do homem justo é na prisão”,
constatou Henry David Thoreau, autor de Desobediência Civil. “Se
uma lei é injusta, um homem está não apenas certo em desobedecê-la, ele é
obrigado a fazê-lo”, defendeu Thomas Jefferson, um dos pais fundadores da
América. “Ninguém é obrigado a cumprir ordem ilegal, ou a ela se submeter,
ainda que emanada de autoridade judicial. Mais: é dever de cidadania opor-se à
ordem ilegal; caso contrário, nega-se o Estado de Direito”, escreveu em seu
voto no STF o relator ministro Mauricio Corrêa, em 1996. Esticaram demais a corda? Isso
é o mínimo que dá para dizer. Muitos acham que ela já se rompeu. Enquanto o
povo tomava as ruas para pedir liberdade e respeito às leis, Moraes determinava
nova ordem de prisão ao jornalista Oswaldo Eustáquio e detinha de forma
irregular o americano Jason Miller no aeroporto para horas de interrogação.
Qual o crime ou a suspeita de crime do CEO da rede social Gettr, que foi ao
Brasil participar do CPAC, o maior evento conservador do mundo? Resposta:
apoiar “atos antidemocráticos”. Como Moraes, assim como a imprensa,
considera todo ato a favor de Bolsonaro como antidemocrático,
fica claro que qualquer um dos milhões de brasileiros ali presentes pode ser
detido para prestar esclarecimentos. Diabos, até uma conversa de bar pode
render inquérito policial agora, se o tom das críticas ao ministro for elevado
demais! No dia seguinte ao gigantesco
ato bolsonarista, o ministro Fux se dirigiu ao povo brasileiro. “Eu conclamo os
líderes desse país que se dediquem aos reais problemas do nosso povo: a
pandemia, que ainda não acabou, o desemprego, a inflação e a crise hídrica”,
disse o ministro. Quantos votos teve Fux para decidir pelo povo quais as suas
prioridades? Seria impensável um justice da Suprema Corte
americana se dirigir ao povo falando em nome do povo e apontando as prioridades
do povo, pois juiz constitucional não tem representatividade popular, não é
essa sua missão. Mas nossa mídia encara Fux como um estadista. Não pode restar dúvidas: os
“donos do poder” querem Bolsonaro fora do poder. Eles contam com a imprensa em
geral, com sindicatos, com ONGs, com a ditadura chinesa, como o STF, com
artistas e intelectuais. Eles só não têm mesmo o povo ao seu lado. Este está em
peso ao lado de Bolsonaro. E essa elite declarou guerra ao povo. Não se deseja
um fim horroroso. Mas é preciso ser realista: a alternativa é um horror sem
fim. Título e Texto: Rodrigo
Constantino, revista OESTE,
nº 77, 10-9-2021 |
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