Telmo Azevedo Fernandes
«A melhor forma de controlar um povo e controlá-lo em absoluto é retirar um pouco da sua liberdade de cada vez, erodindo direitos de mil e uma diminutas e quase imperceptíveis maneiras. Assim, as pessoas não sentirão a perda desses direitos e liberdades até um ponto em que essas mudanças já não poderão ser revertidas». Esta citação circulou abundantemente nas redes sociais, mas foi erradamente atribuída a Adolf Hitler. Mesmo que nunca a tenha escrito no Mein Kampf nem conste que alguma vez a tenha proferido, quem a lê reconhece o nazismo implícito na mesma. É verosímil.
A supressão da liberdade
individual por meio da aplicação de coerção física direta e ostensiva é um meio
pouco sofisticado e, a prazo, insustentável de manter pois fomenta resistências
e boicotes. Já a manipulação, condicionamento psicológico e controlo
comportamental que assente na persuasão ao consentimento por parte da maioria
das pessoas, permite a manutenção mais prolongada do status quo.
É num estado de “amor pela
servidão” – como lhe chamou Aldous Huxley – que estamos há 20 meses desde que
nos impingiram uma narrativa de medo a um bicharoco chinês. Os governantes e
políticos em pânico por não conseguirem aceitar a sua impotência perante um
fenómeno natural que é uma epidemia respiratória que se transmite por todo o
mundo, repetidamente colocaram a sociedade em stress psicológico através de
políticas e declarações públicas próprias de perigosos demagogos que,
amplificadas à escala planetária por uma comunicação social rendida a
“jornalismo” de causas e desejosa de drama e tragédia para atingir shares de
audiências, coloca as decisões dos nossos dirigentes no limite de se poderem
considerar terrorismo de Estado.
Mas o terror deixa o povo
manso e dócil e se combinado com a perspectiva ilusória de esperança no
relaxamento das normas (“duas semanas para achatar a curva”; “contenção para
salvar o Natal”; “restrições só até a vacina chegar”, etc.) é um método quase
infalível de dissolução da sociedade e de aceitação generalizada de tudo o que
seja determinado por quem está em posição de poder.
É neste quadro que a oligarquia controladora, aproveitando o estado de alucinação e hipnose coletivas que vivemos, introduz o mecanismo de segregação social proto-nazi da obrigatoriedade do certificado cov19 para inúmeras atividades da vida quotidiana, excluindo na prática os não-vacinados da vivência em comunidade. Para tal é invocado o pretexto da defesa da saúde pública. Mas o conceito de “saúde pública” não pode ser questionado e tudo é tratado como uma questão meramente técnica só ao alcance do discernimento de uns eleitos. Porém, todos os efeitos colaterais de ordem económica, social e política são totalmente esquecidos e convenientemente negligenciados.
Como escrevia recentemente Lorde
Sumption, não havendo limites ao que uma maioria assustada pode legitimamente
impor aos outros e na ausência de escrúpulos morais na busca do que se pensa
ser um bem público, os seres humanos são reduzidos a meros instrumentos de
política de Estado. Ultrapassada esta linha de decência e de moral, deixamos de
viver numa sociedade aberta.
Os certificados covid-19 não
são um instrumento benigno e dizerem-nos que não há alternativa ao passaporte
sanitário para um regresso ao “velho” normal, é falso. O que possa parecer à
primeira vista uma mudança trivial nas nossas vidas, é na verdade uma perversão
de uma sociedade livre e democrática. É transformar uma sociedade com
indivíduos naturalmente livres, numa sociedade em que são os organismos do
Estado a conceder a seu critério permissões de liberdade condicionada. É uma
alteração profunda e radical da nossa civilização em que a liberdade individual
fica limitada àquilo a que for dado explícita permissão.
Ademais, é fácil de ver o
plano inclinado ou mesmo o precipício a que a aceitação do certificado covid-19
nos levará. Hoje são pedidas duas doses de vacina, em breve serão exigidas três
e quatro e cinco. No Reino Unido, por exemplo, já todos os adultos passarão a
ser inoculados de três em três meses. Em breve o fascismo sanitário chegará ao
comportamento dos obesos, depois dos fumadores e seguidamente dos apreciadores
de bebidas alcoólicas e a todos os que quem está no pináculo da pirâmide social
determine serem úteis remover da sociedade ou passíveis de ser castigados pela
sua não-conformidade às regras estabelecidas.
Os certificados nada têm que
ver com a saúde pública e muito menos com a saúde de cada um de nós. Trata-se
tão somente de um passo muito relevante para a institucionalização da
segregação social e a demonização de grupos de pessoas. Quem manda e promove
este tipo de cultura vê o mundo de forma maniqueísta, separando pessoas sujas
das limpas, irresponsáveis das responsáveis, maus cidadãos dos bons cidadãos.
A Covid-19 tem, no entanto,
uma grande virtude que é a de expor o autoritarismo e sentimento de vingança
repreendida que estavam latentes e escondidos em tanta gente.
Todavia, acusar sem qualquer
base científica uma minoria de pessoas de colocar em perigo a restante
população e de serem assassinos em potência é aceitar o álibi da tirania
permitindo a que quem está no poder controle o comportamento das pessoas, ao
mesmo tempo que distribui um bálsamo ilusório de boa consciência à maioria
colaboracionista com a infâmia dos certificados sanitários.
É lógica da barbárie manter um
bode-expiatório para que os bárbaros que nos governam evitem no futuro ter de
se confrontar com a sua consciência e os remorsos de um sentimento de culpa
interior que os desassosseguem a prazo.
A patifaria de considerar o
que já é uma doença endémica uma “pandemia de não-vacinados”, tal como fazem
alguns comentadores televisivos, além de uma desonestidade intelectual primária
e uma ignóbil acusação é uma antecâmara para a criação de castas na população.
Mas revela também que os
políticos e as classes dirigentes estão aflitos e receosos de que o atual ainda
pequeno grupo de gente que mantém espírito crítico sobre a vertigem maníaca dos
governos em criarem estados bio-securitários e os ainda escassos grupos de
portugueses que mantêm a sua tenacidade na defesa da liberdade venha a tornar
cada vez mais evidente a covardia pandémica e expor os atentados e crimes que
têm vindo a ser cometidos desde março de 2020.
Embora as notícias não passem
nas televisões portuguesas nem nos jornais nacionais, são já muitas centenas de
milhar de pessoas que por essa Europa fora vêm todos os dias para a rua em
defesa da sua dignidade enquanto seres humanos, manifestando repúdio pelas
restrições imorais às suas liberdades.
A condição humana nem sempre é
bonita e a preservação da liberdade individual por vezes exige dizer coisas
pouco simpáticas para que possamos assistir a uma regeneração e voltemos
gradualmente a uma sã convivência.
Se a verdade deixa algum
leitor incomodado, então culpe a mentira que o deixa confortável.
– Certificado da nossa decadência, texto publicado originalmente na coluna semanal
da Oficina da Liberdade no
jornal Observador.
Título e Texto: Telmo Azevedo
Fernandes, Blasfémias,
3-12-2021
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